sexta-feira, 22 de junho de 2012

João do Vale: o poeta do povo

 Meu samba é a voz do povo
Se alguém gostou
Eu posso cantar de novo
João do Vale





Indicamos o documentário 'João do Vale - Muita gente desconhece' (2005), disponível aqui: http://www.portacurtas.org.br/filme/default.aspx?name=joao_do_vale_muita_gente_desconhece.

Como o próprio subtítulo nos diz, João do Vale é uma dessas pérolas da cultura popular pouco conhecidas e divulgadas. Apesar de ter sido um artista que trabalhou com gente famosa, como Nara Leão, Chico Buarque e outros nomes da arte popular brasileira, entre as décadas de 60 e 80, seu nome e imagem são quase apagados: João parece ser um gênio por trás das cortinas, artista cantado por outros.

Sem dúvida a cultura burguesa e imperialista tem pouco interesse em propagandear um criativo filho do povo brasileiro, mais propriamento nordestino, maranhense. Negro e filho de família trabalhadora, cresceu sem estudos na míseria de São Luís dos anos 30 e 40. Vivendo uma vida de labuta, superou as dificuldades e encontrou na arte a forma de se expressar e expressar as condições de vida do seu povo. Tanto o próprio João quanto sua arte são comprometidas com a a vida e a causa do povo brasileiro.

Sua arte e poesia é marcada por uma pureza sem igual, talvez encontrada em outros compositores como Caymmi (Bahia) e Luiz Gonzaga (Pernambuco); uma simplicidade nos verbos e arranjos, que, entretando, alcançam força e significados grandiosos. Suas temáticas sociais e políticas são armas contra a exploração e opressão vivida pelo povo, e ao mesmo tempo, uma louvação ao modo de viver e à cultura popular. O ápice de sua carreira talvez seja a participação no famoso Teatro Opinião, alvo de ataques terroristas fascistas durante a ditadura, que tinha como proposta utilizar a arte como forma de protesto e resistência popular, sob as coordenadas do finado CPC. 

Que a arte engajada e popular de João do Vale, e seu exemplo de vida, sobreviva e ainda possa inspirar as novas gerações.


quarta-feira, 13 de junho de 2012

César Vallejo - o "poeta dos vencidos": entre o desamparo e a esperança







Em homenagem aos 120 anos de nascimento de um dos maiores poetas da América Latina, o peruano César Vallejo, disponibilizamos aqui alguns trechos de sua obra e uma análise da mesma (em espanhol) feita pelo herético marxista e também peruano Mariátegui, em seu famoso livro 7 ENSAYOS DE INTERPRETACIÓN DE LA REALIDAD PERUANA, disponível, junto com sua obra completa aqui: http://www.patriaroja.org.pe/docs_adic/obras_mariategui/ .



César Vallejo foi um dos nomes que modernizou a poesia do século XX de nosso continente. Além de poeta foi escritor de mão cheia, passando por diversos gêneros textuais. Vallejo também foi um intelectual radical inquieto, estudioso do marxismo, que então começava a dar seus primeiros passos no novo mundo, assim como militante de esquerda, por vezes perseguido e até preso. Em suas viagens, onde constam visitas à URSS, o poeta conheceu a europa e ampliou sua bagagem cultural e política. Um poema desta época em homenagem à Guerra Civil Espanhola disponibilizamos abaixo. Logo após, reproduzimos o texto de Mariátegui.

 
ESPANHA, AFASTA DE MIM ESTE CÁLICE   
Tradução de Gilfrancisco Santos


Crianças do mundo,
se a Espanha cai – digo só por dizer –
se cai
do céu abaixo seu antebraço que amarrem
pelo cabresto duas lâminas terrestres;
crianças, que idade a das frontes côncavas!
Como é cedo no sol que vos dizia!
Que veloz o ruído antigo em vosso peito!
No caderno que velho é o vosso 2!

Crianças do mundo, está
a mãe Espanha com o seu ventre às costas;
está nossa mestra com suas palmatórias,
está mãe e mestra,
cruz e madeira, porque vos deu a altura,
vertigem e divisão e soma, crianças;
ela está com ela, pais processuais!

Se cai – digo só por dizer – se cai
a Espanha, da terra para abaixo,
crianças, como cessareis de crescer!
Como o ano vai castigar o mês!
Como os dentes se reduzirão a dez,
a garatujas o ditongo, o pranto a medalha.
Como vai o cordeirinho continuar
preso pela pata ao grande tinteiro!
Como descereis as grades do alfabeto
até a letra em que a pena nasceu!

Crianças
filhos dos guerreiros, entretanto,
baixai a voz, que a Espanha está neste momento repartindo
a energia entre o reino animal,
as florezinhas, os cometas e os homens.
Baixai a voz, que está
com o seu rigor, que é grande, sem saber
o que fazer, e está em sua mão
a caveira falando e fala e fala,
a caveira, aquela que tem tranças,
a caveira da vida.

Baixai a voz, vos digo:
baixai a voz, o canto das sílabas, o pranto
da matéria e o rumor menor das pirâmides, e ainda
o das frontes que andam com duas pedras!
Baixai a respiração, e se
o antebraço desce,
se as férulas soam, se é a noite,
se cabe o céu em dois limbos terrestres,
se há ruído no som das portas,
se eu tardo,
se não vedes ninguém, se vos assustam
os lápis sem ponta, se a mãe
Espanha cai – digo só por dizer –
crianças do mundo, andai, a procurá-la!

 

****

XIV. CÉSAR VALLEJO



El primer libro de César Vallejo, Los Heraldos Negros, es el orto de una nueva poesía en el Perú. No exagera, por fraterna exaltación, Antenor Orrego, cuando afirma que "a partir de este sembrador se inicia una nueva época de la libertad, de la autonomía poética, de la vernácula articulación verbal" (33).

Vallejo es el poeta de una estirpe, de una raza. En Valleio se encuentra, por primera vez en nuestra literatura, sentimiento indígena virginalmente expresado. Melgar –signo larvado, frustrado– en sus yaravíes es aún un prisionero de la técnica clásica, un gregario de la retórica española. Vallejo, en cambio, logra en su poesía un estilo nuevo. El sentimiento indígena tiene en sus versos una modulación propia. Su canto es íntegramente suyo. Al poeta no le basta traer un mensaje nuevo. Necesita traer una técnica y un lenguaje nuevos también. Su arte no tolera el equívoco y artificial dualismo de la esencia y la forma. "La derogación del viejo andamiaje retórico –remarca certeramente Orrego– no era un capricho o arbitrariedad del poeta, era una necesidad vital. Cuando se comienza a comprender la obra de Vallejo, se comienza a comprender también la necesidad de una técnica renovada y distinta" (34). El sentimiento indígena es en Melgar algo que se vislumbra sólo en el fondo de sus versos; en Vallejo es algo que se ve aflorar plenamente al verso mismo cambiando su estructura. En Melgar no es sino el acento; en Vallejo es el verbo. En Melgar, en fin, no es sino queja erótica; en Vallejo es empresa metafísica. Vallejo es un creador absoluto. Los Heraldos Negros podía haber sido su obra única. No por eso Vallejo habría dejado de inaugurar en el proceso de nuestra literatura una nueva época. En estos versos del pórtico de Los Heraldos Negros principia acaso la poesía peruana (Peruana, en el sentido de indígena).




Hay golpes en la vida, tan fuertes Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma Yo no sé!

Son pocos; pero son ...Abren zanjas oscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán tal vez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.

Son las caídas hondas de los Cristos del alma,
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.

Y el hombre...Pobre ...pobre!Vuelve los ojos, como
cuando por sobre el hombro nos llama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido
se empoza, como charco de culpa, en la mirada.


Hay golpes en la vida, tan fuertes ...Yo no sé!


Clasificado dentro de la literatura mundial, este libro, Los Heraldos Negros, pertenece parcialmente, por su título verbigracia, al ciclo simbolista. Pero el simbolismo es de todos los tiempos. El simbolismo, de otro lado, se presta mejor que ningún otro estilo a la interpretación del espíritu indígena. El indio, por animista y por bucólico, tiende a expresarse en símbolos e imágenes antropomórficas o campesinas. Vallejo además no es sino en parte simbolista. Se encuentra en su poesía –sobre todo de la primera manera– elementos de simbolismo, tal como se encuentra elementos de expresionismo, de dadaísmo y de suprarrealismo. El valor sustantivo de Vallejo es el de creador. Su técnica está en continua elaboración. El procedimiento, en su arte, corresponde a un estado de ánimo. Cuando Vallejo en sus comienzos toma en préstamo, por ejemplo, su método a Herrera y Reissig, lo adapta a su personal lirismo.

Mas lo fundamental, lo característico en su arte es la nota india. Hay en Vallejo un americanismo genuino y esencial; no un americanismo descriptivo o localista. Vallejo no recurre al folclore. La palabra quechua, el giro vernáculo no se injertan artificiosamente en su lenguaje; son en él producto espontáneo, célula propia, elemento orgánico. Se podría decir que Vallejo no elige sus vocablos. Su autoctonismo no es deliberado. Vallejo no se hunde en la tradición, no se interna en la historia, para extraer de su oscuro substratum perdidas emociones. Su poesía y su lenguaje emanan de su carne y su ánima. Su mensaje está en él. El sentimiento indígena obra en su arte quizá sin que él lo sepa ni lo quiera.

Uno de los rasgos más netos y claros del indigenismo de Vallejo me parece su frecuente actitud de nostalgia. Valcárcel, a quien debemos tal vez la más cabal interpretación del alma autóctona, dice que la tristeza del indio no es sino nostalgia. Y bien, Vallejo es acendradamente nostálgico. Tiene la ternura de la evocación. Pero la evocación en Vallejo es siempre subjetiva. No se debe confundir su nostalgia concebida con tanta pureza lírica con la nostalgia literaria de los pasadistas. Vallejo es nostalgioso, pero no meramente retrospectivo. No añora el Imperio como el pasadismo perricholesco añora el Virreinato. Su nostalgia es una protesta sentimental o una protesta metafísica. Nostalgia de exilio; nostalgia de ausencia.




Qué estará haciendo esta hora mi andina y dulce Rita
de junco y capulí;
ahora que me asfixia Bizancio y que dormita
la sangre como flojo cognac dentro de mí.
("Idilio Muerto", Los Heraldos Negros)

Hermano, hoy estoy en el poyo de la casa,
donde nos haces una falta sin fondo!
Me acuerdo que jugábamos esta hora, y que mamá
nos acariciaba: "Pero hijos..."
("A mi hermano Miguel", Los Heraldos Negros)

He almorzado solo ahora, y no he tenido
madre, ni súplica, ni sírvete, ni agua,
ni padre que en el facundo ofertorio
de los choclos, pregunte para su tardanza
de imagen, por los broches mayores del sonido.
(XXVIII, Trilce)

Se acabó el extraño, con quien, tarde
la noche, regresabas parla y parla.
Ya no habrá quien me aguarde,
dispuesto mi lugar, bueno lo malo.

Se acabó la calurosa tarde;
tu gran bahía y tu clamor; la charla
con tu madre acabada
que nos brindaba un té lleno de tarde.

(XXXIV, Trilce)


Otras veces Vallejo presiente o predice la nostalgia que vendrá:




Ausente! La mañana en que a la playa
del mar de sombra y del callado imperio,
como un pájaro lúgubre me vaya,
será el blanco panteón tu cautiverio.
("Ausente", Los Heraldos Negros)

Verano, ya me voy. Y me dan pena
las manitas sumisas de tus tardes.
Llegas devotamente; llegas viejo;
y ya no encontrarás en mi alma a nadie.

("Verano", Los Heraldos Negros)


Vallejo interpreta a la raza en un instante en que todas sus nostalgias, punzadas por un dolor de tres siglos, se exacerban. Pero –y en esto se identifica también un rasgo del alma india–, sus recuerdos están llenos de esa dulzura de maíz tierno que Vallejo gusta melancólicamente cuando nos habla del "facundo ofertorio de los choclos".

Vallejo tiene en su poesía el pesimismo del indio. Su hesitación, su pregunta, su inquietud, se resuelven escépticamente en un "¡para qué!" En este pesimismo se encuentra siempre un fondo de piedad humana. No hay en él nada de satánico ni de morboso. Es el pesimismo de un ánima que sufre y expía "la pena de los hombres" como dice Pierre Hamp. Carece este pesimismo de todo origen literario. No traduce una romántica desesperanza de adolescente turbado por la voz de Leopardi o de Schopenhauer. Resume la experiencia filosófica, condensa la actitud espiritual de una raza, de un pueblo. No se le busque parentesco ni afinidad con el nihilismo o el escepticismo intelectualista de Occidente. El pesimismo de Vallejo, como el pesimismo del indio, no es un concepto sino un sentimiento. Tiene una vaga trama de fatalismo oriental que lo aproxima, más bien, al pesimismo cristiano y místico de los eslavos. Pero no se confunde nunca con esa neurastenia angustiada que conduce al suicidio a los lunáticos personajes de Andreiev y Arzibachev. Se podría decir que así como no es un concepto, tampoco es una neurosis.

Este pesimismo se presenta lleno de ternura y caridad. Y es que no lo engendra un egocentrismo, un narcisismo, desencantados y exasperados, como en casi todos los casos del ciclo romántico. Vallejo siente todo el dolor humano. Su pena no es personal. Su alma "está triste hasta la muerte" de la tristeza de todos los hombres. Y de la tristeza de Dios. Porque para el poeta no sólo existe la pena de los hombres. En estos versos nos habla de la pena de Dios:




Siento a Dios que camina tan en mí,
con la tarde y con el mar.
Con él nos vamos juntos. Anochece.
Con él anochecemos, Orfandad...

Pero yo siento a Dios. Y hasta parece
que él me dicta no sé qué buen color.
Como un hospitalario, es bueno y triste;
mustia un dulce desdén de enamorado:
debe dolerle mucho el corazón.

Oh, Dios mío, recién a ti me llego,
hoy que amo tanto en esta tarde; hoy
que en la falsa balanza de unos senos,
mido y lloro una frágil Creación.

Y tú, cuál llorarás tú, enamorado
de tanto enorme seno girador
Yo te consagro Dios, porque amas tanto;
porque jamás sonríes; porque siempre

debe dolerte mucho el corazón.


Otros versos de Vallejo niegan esta intuición de la divinidad. En "Los Dados Eternos" el poeta se dirige a Dios con amargura rencorosa. "Tú que estuviste siempre bien, no sientes nada de tu creación". Pero el verdadero sentimiento del poeta, hecho siempre de piedad y de amor, no es éste. Cuando su lirismo, exento de toda coerción racionalista, fluye libre y generosamente, se expresa en versos como éstos, los primeros que hace diez años me revelaron el genio de Vallejo:




El suertero que grita "La de a mil",
contiene no sé qué fondo de Dios.

Pasan todos los labios. El hastío
despunta en una arruga su yanó.
Pasa el suertero que atesora, acaso
nominal, como Dios,
entre panes tantálicos, humana
impotencia de amor.

Yo le miro al andrajo. Y él pudiera
darnos el corazón;
pero la suerte aquella que en sus manos
aporta, pregonando en alta voz,
como un pájaro cruel, irá a parar
adonde no lo sabe ni lo quiere
este bohemio Dios.

Y digo en este viernes tibio que anda
a cuestas bajo el sol:
¡por qué se habrá vestido de suertero

la voluntad de Dios!


"El poeta –escribe Orrego– habla individualmente, particulariza el lenguaje, pero piensa, siente y ama universalmente". Este gran lírico, este gran subjetivo, se comporta como un intérprete del universo, de la humanidad. Nada recuerda en su poesía la queja egolátrica y narcisista del romanticismo. El romanticismo del siglo XIX fue esencialmente ndividualista; el romanticismo del novecientos es, en cambio, espontánea y lógicamente socialista, unanimista. Vallejo, desde este punto de vista, no sólo pertenece a su raza, pertenece también a su siglo, a su evo (35).

Es tanta su piedad humana que a veces se siente responsable de una parte del dolor de los hombres. Y entonces se acusa a sí mismo. Lo asalta el temor, la congoja de estar también él, robando a los demás:




Todos mis huesos son ajenos;
yo tal vez los robé!
Yo vine a darme lo que acaso estuvo
asignado para otro;
y pienso que, si no hubiera nacido,
otro pobre tomara este café!
Yo soy un mal ladrón... A dónde iré!

Y en esta hora fría, en que la tierra
trasciende a polvo humano y es tan triste,
quisiera yo tocar todas las puertas,
y suplicar a no sé quién, perdón,
y hacerle pedacitos de pan fresco

aquí, en el horno de mi corazón ...!


La poesía de Los Heraldos Negros es así siempre. El alma de Vallejo se da entera al sufrimiento de los pobres.




Arriero, vas fabulosamente vidriado de sudor.
La Hacienda Menocucho

cobra mil sinsabores diarios por la vida.


Este arte señala el nacimiento de una nueva sensibilidad. Es un arte nuevo, un arte rebelde, que rompe con la tradición cortesana de una literatura de bufones y lacayos. Este lenguaje es el de un poeta y un hombre. El gran poeta de Los Heraldos Negros y de Trilce –ese gran poeta que ha pasado ignorado y desconocido por las calles de Lima tan propicias y rendidas a los laureles de los juglares de feria– se presenta, en su arte, como un precursor del nuevo espíritu, de la nueva conciencia.

Vallejo, en su poesía, es siempre un alma ávida de infinito, sedienta de verdad. La creación en él es, al mismo tiempo, inefablemente dolorosa y exultante. Este artista no aspira sino a expresarse pura e inocentemente. Se despoja, por eso, de todo ornamento retórico, se desviste de toda vanidad literaria. Llega a la más austera, a la más humilde, a la más orgullosa sencillez en la forma. Es un místico de la pobreza que se descalza para que sus pies conozcan desnudos la dureza y la crueldad de su camino. He aquí lo que escribe a Antenor Orrego después de haber publicado Trilce: "El libro ha nacido en el mayor vacío. Soy responsable de él. Asumo toda la responsabilidad de su estética. Hoy, y más que nunca quizás, siento gravitar sobre mí, una hasta ahora desconocida obligación sacratísima, de hombre y de artista: ¡la de ser libre! Si no he de ser hoy libre, no lo seré jamás. Siento que gana el arco de mi frente su más imperativa fuerza de heroicidad. Me doy en la forma más libre que puedo y ésta es mi mayor cosecha artística. ¡Dios sabe hasta dónde es cierta y verdadera mi libertad! ¡Dios sabe cuánto he sufrido para que el ritmo no traspasara esa libertad y cayera en libertinaje! ¡Dios sabe hasta qué bordes espeluznantes me he asomado, colmado de miedo, temeroso de que todo se vaya a morir a fondo para que mi pobre ánima viva!" Este es inconfundiblemente el acento de un verdadero creador, de un auténtico artista. La confesión de su sufrimiento es la mejor prueba de su grandeza.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Goran Therborn: a crise global revigorou o marxismo

Entrevista retirada do link: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=181204&id_secao=11

O sueco Göran Therborn, professor emérito de sociologia da Universidade de Cambridge, percorreu o Brasil, de Porto Alegre a Belém, passando por São Paulo, para lançar "Do Marxismo ao Pós-marxismo?", seu segundo livro traduzido no país.

Por Carla Rodrigues


Göran Therborn: "Marx será relido e reinterpretado ainda muitas vezes no futuro. O que é duvidoso é se haverá uma identidade coletiva para os marxistas". Desde que o prefixo "pós" se antepôs a todos as categorias do pensamento contemporâneo, ainda nos anos 1950, houve uma expansão intensa do seu uso.

Do pós-moderno nas artes plásticas à pós-modernidade como generalização de todos os pensamentos que pretenderam, ao longo do século XX, superar os conceitos modernos, foi um salto de poucos anos e muitas denominações. Pós-estruturalista, pós-humano, pós-gênero, pós-feminista, pós-capitalista - era como se o "pós" pudesse revigorar de conteúdo conceitos que pareciam estar ultrapassados em suas principais características. Uma vez revistos e atualizados pela mágica do "pós", esses conceitos retomam seu lugar de valor para o pensamento.

Embora reconheça certa inflação no uso do "pós", o sueco Göran Therborn, 70 anos, professor emérito de sociologia da Universidade de Cambridge, quis se valer dele como estratégia para apontar o frescor do pensamento marxista, tão em voga no período pós-crise americana de 2008.

Na semana passada, ele percorreu o Brasil, de Porto Alegre a Belém, passando por São Paulo, para lançar "Do Marxismo ao Pós-marxismo?" (Boitempo Editorial), seu segundo livro traduzido no país. Admirador das ciências sociais no Brasil, Therborn é um entusiasta dos movimentos sociais da América do Sul, que embalam seu ideal de que "outro mundo é possível". "Um cientista social progressista hoje tem poucas razões para chorar", diz ele na entrevista a seguir:

Pergunta: A globalização, o neoliberalismo e todas essas transformações que se generalizam no termo pós-modernidade podem ser pensados ainda a partir de Marx? O que há de atual nesse pensador alemão do século XIX que possa ser útil aos grandes dilemas do século XXI?

Göran Therborn: Primeiro, é preciso fazer algumas classificações. A globalização é o voo da modernidade, e o neoliberalismo é uma variante da modernidade de direita. Em outras palavras, temos aqui mutações do modernismo e da modernidade, e não a pós-modernidade. Sobre a globalização, estamos no mesmo terreno que Marx, o primeiro grande teórico social da modernidade contemporânea, como foi Baudelaire no que diz respeito à pintura e à poesia. O "Manifesto Comunista" foi a primeira inovação mais eloquente da globalização. Por isso, Marx foi recentemente ressuscitado, por exemplo, por Thomas Friedmann, do "New York Times". O economista Nouriel Roubini, que previu a crise de 2008, reconheceu a importância de Marx como o principal analista da dialética e das contradições do capitalismo. O capitalismo é autodestrutivo - e digo isso sem qualquer tom apocalíptico -, e a expansão dos baixos salários é insustentável, como Taiwan e Hong Kong estão aprendendo agora.

Pergunta: "Do Marxismo ao pós-marxismo?" é um título estranho para um livro. Primeiro, porque faz uma interrogação que fica sem resposta. Depois, porque introduz no vocabulário da pós-modernidade o pós-marxismo como um conceito. Trata-se, afinal, de uma superação, de um avanço ou de um progresso do marxismo?

Göran Therborn: O ponto de interrogação do título se refere a um futuro em aberto, ainda incerto. Comparado com Confúcio, Platão, Aristóteles, Maquiavel, John Locke, Adam Smith, ou com Dante, Cervantes e Shakespeare, Marx ainda é jovem. Ele será relido, reinterpretado e reinvocado ainda muitas vezes no futuro. O que é duvidoso é se haverá uma identidade coletiva para "os marxistas". Daí o ponto de interrogação. Para Marx, isso não significava muito. Como ele afirmou, numa provocação: "Eu não sou marxista".

P: Pós-marxismo, pós-capitalismo, pós-feminismo, pós-modernismo, pós-humanismo. O prefixo pós virou uma panaceia?

GT: Você está certa, houve uma inflação muito grande deste prefixo "pós". No entanto, o impulso intelectual pós-modernista era extremamente desafiador e importante, com suas investigações sobre as suposições mais básicas do nosso tempo - de "progresso", "desenvolvimento" etc. São questionamentos que têm sido muito frutíferos para fins políticos, bem como para um autoquestionamento intelectual.

P: O senhor cita a Universidade de São Paulo (USP) como referência para o não conformismo ao pensamento dominante e como suporte ao pensamento marxista de esquerda. O senhor está atualizado sobre a produção acadêmica brasileira neste sentido? Em que um país periférico como o Brasil pode contribuir para o desenvolvimento de teorias alternativas?

GT: Tenho um grande respeito pelas ciências sociais brasileiras, que conheço um pouco, não só da USP, mas também de outras universidades e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Eu acredito que a academia e a inteligência brasileiras certamente têm contribuições muito importantes intelectuais para o mundo.

P: "Sexo e Poder", seu primeiro livro traduzido no Brasil, discute as mudanças na instituição familiar em todo o mundo no século XX. Em que medida a mudança na família também alterou o modo de produção para o qual a crítica de Marx se dirigia?

GT: A família e os diferentes sistemas familiares no mundo inteiro continuam a ser importantes. Como mostrei em meu último livro, "The World" (Cambridge, 2011), menos da metade da força de trabalho mundial está empregada numa relação direta capital/trabalho. Um terço da mão de obra é formado por trabalhadores por conta própria, um sexto são membros da família patriarcal ajudando nas atividades econômicas, e de 5% a 10% estão em empregos públicos.

P: Ou seja, o fim do emprego industrial, que já não concentra mais a maioria da classe trabalhadora. É a isso que o senhor atribui o que chama de "fracassos e derrotas da esquerda"?

GT: Sim, a teoria de Marx se concentra nos circuitos do capital, inclusive nos mercados transnacionais. Mas é verdade, um desenvolvimento não ideológico das ideias de Marx tende a destacar que a virada do capitalismo avançado em direção à desindustrialização significou um enfraquecimento estrutural do trabalho e, consequentemente, da esquerda.

P: O senhor se refere ao "encontro malsucedido entre os manifestantes do mítico maio de 1968 e os movimentos trabalhistas". O que deu errado neste encontro?

GT: Basicamente, foi um não-encontro entre a utopia radical do movimento estudantil, do pragmatismo, por mais de esquerda que fosse, e do movimento sindical. Na melhor das circunstâncias, houve um longo período de contato entre o pragmatismo trabalhista de Lula, que se transformou, sem renegá-lo, no radicalismo de Dilma.

P: O senhor diz estar interessado nos "movimentos críticos ao modernismo que não são, contudo, defesas de direita do privilégio e do poder tradicionais". Que movimentos são estes? O tom geral do seu livro é de apelo a uma renovação no pensamento da esquerda. O senhor é um otimista?

GT: Os movimentos de direitos humanos, os movimentos feministas, movimentos das crianças, movimentos homossexuais, movimentos urbanos, movimentos de direitos de sustentabilidade. Há certamente sinais de despertar crítico. A tendência para a desigualdade intranacional e extrema polarização econômica levou a deslegitimação para uma dimensão impressionante, inclusive na última reunião de Davos. A "Primavera Árabe" colocou o capitalismo oligárquico em xeque, mesmo que se abram fluxos internacionais de comércio e capital. A América do Sul, exceto Chile e Colômbia, é um laboratório de transformação social. E a direita no Chile está sob forte pressão popular, dos movimentos estudantis e suas repercussões sociais. Um cientista social progressista hoje tem poucas razões para chorar, mesmo que o mundo permaneça sendo terrivelmente desigual. Outro mundo continua sendo possível.


Fonte: Valor Econômico

Resenha do livro Do marxismo ao pós-marxismo? de Goran Therborn (Parte III - final)

 [Augusto Machado]


O século XX marca o ápice de influência política e cultural do marxismo em todo o mundo. Sob esta bandeira se organizaram partidos e movimentos de massa que realizaram as revoluções e revoltas que caracterizam o século onde o fim do capitalismo parecia enfim decretado. Mas a era das revoluções proletárias subitamente se corroeu e “a maré recuou e deu lugar a um tsunami neoliberal”, hoje hegemônico e de forte apoio cultural e político em diversos cantos do mundo. Eis retorno triunfal de uma ofensiva do imperialismo.

Depois das duas últimas décadas do século XX a esperança de uma alternativa sistêmica e concreta ao capitalismo parece ter sumido do horizonte político e teórico em grande parte. “O trabalho perdeu sua força”, como diz o autor, suas organizações e ideologias foram desmanteladas, ao mesmo tempo em que o capital se reestruturava no centro e retomava as regiões antes do bloco socialista. A esquerda, segundo o autor, sobrevive timidamente através dos novos Fóruns Mundiais, cúpulas, congressos, movimentos antiglobalização, de imigrantes, da resistência árabe, ou em alguns governos mais experimentais como na América Latina etc. Mas a velha política socialista (e até mesmo social democrata), esta está bem apagada, aproximando-se a um conjunto de seitas sem expressividade de massa e poder social efetivo, com poucos indícios de retorno. “Nos países onde o sistema permite, o apoio a esse tipo de política varia entre 5% a 20% [...] o subdesenvolvimento da teoria política marxista, juntamente com a reestruturação das sociedades capitalistas, torna improvável que uma política socialista ascendente possa ser marxista. O zênite de classe trabalhadora industrial acabou, enquanto sujeitos políticos antes ignorados agora tomam a dianteira [...] Os antigos mapas da rota para o socialismo perderam suas coordenadas. Novas buscas precisam ser feitas; é de se esperar que levem algum tempo”.

Essa análise desiludida a um retorno da política socialista e marxista perpassa todos os capítulos do livro, mas agora o objetivo do autor é ver quais respostas estão sendo dadas no nível teórico a esse desastre.

Nesse quadro histórico sombrio, como pensar e o que aconteceu com a teoria marxista? Para o autor o marxismo é uma “ideologia” que se enquadram no cenário histórico da modernidade, como já vimos. Mas nesse capítulo o autor propõe um esquema “triangular” interessante para caracterizar o marxismo. Os três pólos são: 

“Intelectualmente, o marxismo é, antes de tudo, uma ciência social histórica [...] que foca a operação do capitalismo e, mais em geral, os desenvolvimentos históricos determinados, “em última instância, pela dinâmica das forças e relações de produção. Em segundo lugar, o marxismo é a filosofia das contradições ou dialética, com ambições epistemológicas e ontológicas, assim como com implicações éticas. Em terceiro lugar, é um modo de política da classe trabalhadora socialista; ele forneceu a bússola e o mapa para a derrubada revolucionária da ordem existente. A política é o vértice dominante do triângulo, o que torna o “ismo” uma corrente social e não apenas uma linhagem intelectual. O materialismo histórico, com a crítica da economia política marxiana, e a dialética materialista, com a filosofia social da alienação e o fetichismo da mercadoria, tinham seus atrativos intelectuais intrínsecos, mas estão em geral conectados a [...] uma política de classe socialista.”

Esse triângulo será fundamental para entender o pós-marxismo e outras variantes do marxismo “tardio” do Norte, que provém em grande medida do marxismo ocidental já comentado.

Para o autor a partir dos anos 80 a política socialista se desintegra e o triângulo é desfeito, de maneira “irremediável”, completa. Assim, o tapete do pensamento marxista é puxado. A atração Marx talvez não suma, assim como respostas críticas anticapitalistas, mas os novos desafios “pós-modernos” parecem por em xeque o triângulo antes vigoroso.

Pós-modernidade aqui aparece como o cansaço (temporal-histórico) do progresso moderno que, após avançar ao máximo e se consolidar pelo mundo, minando os moldes culturais tradicionais, enfim seu significado começa a perder credibilidade (ou seja, suas narrativas e promessas de futuro emancipador de esclarecimento através de uma coletividade) dando lugar ao ceticismo e busca de outras vias (o slogan do fórum social mundial, “não queremos desenvolvimento mas sim...” e os diversos ambientalismos são exemplos claros dessa perda de credibilidade).Ora, o marxismo está encharcado por uma dialética da modernidade, no sentido que não a abandona por completa, e bebe dela para sua teoria e ação.

O pós-modernismo é exatamente o abandono da dialética da modernidade (continuidade crítica do projeto moderno): em vez do futuro as pessoas voltam para suas raízes identitárias primárias (raça-etnia, gênero, religião, sexualidade). Como já sugerido no capítulo I, Goran diz que a modernidade hoje parece ser só de direita.

Diante da emergência da pós-modernidade, que no quadro social se refere a um processo de desindustrialização e fim da política socialista, novos autores do pensamento radical buscam “reviver” o marxismo, o socialismo e a esquerda, cada um a sua maneira. Goran nos traça um panorama de diversos autores, entre a filosofia, a economia, a sociologia e adiante que se dividem inicialmente tipos de respostas e características centrais, são elas:

Virada teológica (Europa): inclui autores pós e neomarxistas na filosofia social e política como Badiou (que substitui Lenin por Paulo, na tentativa de uma nova figura militante para a nova fase da hipótese comunista); Zizek, seguindo os passos de Badiou, ao comparar Lenin com Paulo; Hardt e Negri, com seu São Francisco e o militante comunista “feliz”, oposto ao tristonho militante do Comintern. Essa resposta também inclui autores que retornaram para a religião e para o cristianismo, como Habermas, ou como Terry Eagleton, que voltou para a militância católica. 

Pode-se dizer que o nome de Carl Schmitt, que também era teólogo, é referência implícita ou explícita aqui.

Futurismo (norte-americano): inclui utopistas como Jamenson, Harvey, e outros mais apocalípticos e otimistas como Wallestein e Arrighi. Em vez de retornarem às figuras teológicas, esses autores se voltam para um pensamento do futuro, o colapso do capitalismo e o retorno da importância utópica. 

Deslocamentos de classe: apostando na tese da pós-industria pelo menos nos países centrais, o autor demonstra como a classe perdeu muito sua centralidade:  “Classe continua a ser a principal categoria descritiva em muitas arenas [ciências humanas “empíricas”, sobretudo] Mas a maioria das conexões entre essa corrente descritiva principal, de um lado, e a ação social política e a teorização radical dessa ação, de outro, foi cortada. [...] a classe e a emancipação de classe não são mais as preocupações principais”. Gênero, raça, cidadania (Direitos humanos), ocupam lugares de destaque para a nova teoria social e política, e uma análise de classe profunda e mundial como era feita até os anos 70 não existe mais.

Pode-se notar com isso o aparecimento de teorias de classe sem luta (sobretudo na sociologia), e teorias de luta sem classe (mais comum na Europa e no terreno da filosofia). Nessa última “corrente” destacam-se os nomes de Laclau e Mouffe, com talvez o trabalho mais importante de filosofia política de nossa época, e Balibar, ex-aluno de Althusser que se mantem menos herético ao marxismo mais clássico. Em Laclau e Mouffe a classe é substituída pela noção de antagonismo e política pura, de disputas de hegemonia de interesses particulares, influenciada pelas pesquisas sobre populismo e a psicanálise lacaniana. Em Balibar a luta de classes permanece como estrutura determinante, mas não mais a única.

Saídas do Estado: a pós-modernidade também traz a perde a problemática soberania estatal, e, já com a luta de classes posta de lado, agora é o próprio objetivo desta (poder de estado) que é abandonada. No lugar do Estado vemos surgir as noções de império, globalização etc. Como propostas temos o retorno da sociedade civil e da democracia radical, as colaborações de ação comunicativa de Habermas, ou até mesmo a pretensa resposta ortodoxa de Zizek, com seu anticapitalismo que mescla crítica cultural “pop” com clássicos do marxismo tradicional.

Retorno à sexualidade: aqui temos o surgimento da teoria queer e o resgate da psicanálise, sobretudo lacaniana (alguns chegam a chamar de esquerda lacaniana).

Homenagem às redes: substituição do conceito de estrutura por redes, com respectivos impactos políticos organizacionais (exemplo: Casttels).

Economias políticas: terreno pouco visitado pelos principais teóricos marxistas de hoje, fato que já se podia identificar no marxismo ocidental. Basicamente a crítica da economia política continua a ser feita pelos próprios economistas acadêmicos de vertente neoricardiana. Também se destacam as teorias da globalização, a economia institucional e a teoria da regulação e outras tentativas progressistas em era neoliberal de aproximação entre economia, história e o social, mas com um tratamento não tão comum ao marxismo clássico.

O autor reorganiza essas respostas e características centrais num outro esquema que reproduzimos abaixo:






Pós-socialismo: consiste basicamente na centro esquerda, nas reivindicações para a sociedade-civil, no reformismo, na crítica ao “comunismo autoritário”; Giddens, terceira via, novo trabalhismo.
Esquerda não-marxista: consiste na centro esquerda, social democracia, anti-neoliberalismo/globalização: Bourdieu, Mangabeira Unger, Boaventura.

Marxologia e marxismo científico: sem comprometimento político, cientistas na economia, sociologia ou na filosofia que utilizam o poder analítico de Marx sem levar em conta seu legado político.

Pós-marxismo: “referência a escritores com formação explicitamente marxistas, cujos trabalhos recentes foram além da problemática marxista e não reivindicam publicamente um engajamento marxista contínuo. Não equivale ao ex-marxismo nem é denúncia ou negação.” É mais distante do marxismo clássico do que o neomarxismo, porém a relação entre neo e pós não é tão rígida, podendo haver autores que se encaixam nos dois (exemplo dado pelo autor: Balibar). Teoria crítica talvez seja apontada como pioneira do pós-marxismo. Laclau, Offe, Honneth, Bauman, Habermas são autores destacados dessa corrente. Talvez o nome de Badiou “esquecido” por Goran esteja nesse espectro teórico-político. 

Neomarxismo: Zizek, Negri e Hardt, são apontados como principais neomarxistas. Se caracterizam por escritos e propostas radicais, porém ainda abstratas e com novas roupagens (multidão, teologia política etc.), e retomam clássicos do marxismo.

Esquerda resistente (marxismo resiliente): Revistas teóricas críticas como NLR, o nome de Alex Callinicos com sua vasta obra e o chamado marxismo analítico (Burawoy, Wrigth) são considerados aqui como os mais ortodoxos, na tentativa de manter conceitos e problemáticas centrais do marxismo.

A crise é profunda, e como podemos ver, muitas respostas em muitas direções ainda não tão consolidadas estão sendo realizadas nos últimos anos. No final de seu livro Goran propõe uma humildade desafiadora para a esquerda, uma espécie de paciência ainda resistente.


Mais alguns apontamentos finais

Os ensaios do livro foram realizados num intervalo do início do século XXI que antecede as crises econômicas e explosões políticas que se deram a partir de 2008, com interessante protagonismo europeu. Estariam os fatos de 2008 para cá afirmando ou indo ao contrário das teses de Goran sobre o fim da política socialista? Não haveria agora um retorno ao ideário, mesmo que tímido, que inclui classes sociais, retorno da noção de luta de classes, luta contra um modo de produção, superação do capitalismo para além de reformas estatais fragmentadas? Seria arriscado dizer qualquer conclusão nesse sentido sem uma análise mais detalhada desses fatos políticos e movimentos recentes.  Porém, pode-se dizer que pelo menos a visão hegemônica neoliberal do fim da histórica ficou um pouco abatida, abrindo novas brechas para uma política radical anticapitalista.

E essa política poderia ser de novo marxista? O triângulo está desfeito com a crise e não apresenta nenhuma forma superior? Para Goran as modificações ocorridas na sociedade mundial nas últimas décadas do século XX parecem dizer que não. O abandono tanto desse autor, quanto dos autores pós, ou neo, de alguma influência marxista, de categorias centrais do materialismo histórico (luta de classes, por exemplo), a tendência ao ecletismo no materialismo dialético (sua “renovação” via cristianismo é um exemplo) e a secundarização de modelos mais claros de política socialista/proletária, parece ser uma aproximação “realista” ao pós-modernismo imperante academicamente, como dissemos na primeira parte da resenha.

O chamado marxismo resiliente de Goran inclui autores diversos, mas aponta um interessante campo de estudo sobre renovação do marxismo.

Sem dúvida poderíamos tirar as respostas cada vez mais distantes do marxismo e do socialismo como um sintoma de ausência de organizações políticas da classe trabalhadora em nível internacional após a derrubada do bloco socialista e degeneração de suas principais focos de resistência de massa. Isso o próprio Goran concorda. Mas seria o retorno da classe trabalhadora, que ainda sobrevive, seja nos canteiros de superexploração das novas periferias, seja sob novas formas ainda no centro do sistema, tão impossível assim? A nova política radical se basearia agora em contradições outras que não as da classe? 

Essas perguntas são as perguntas que todo aquele que pretende participar de um projeto revolucionário deve-se fazer. Percebemos que o livro ao se focar na realidade e teoria do Norte não condiz com o resto da realidade mundial. Se a “desindustrialização” pode ser realidade em certos centros urbanos europeus, isso não significa para o resto do mundo “subdesenvolvido”.  Por isso as conclusões categóricas que o autor do livro chega devem ser vistas de maneira mais relativa, temporal e espacialmente. 

Como comentamos anteriormente, o marxismo é útil enquanto o modo de produção capitalista continuar existindo. As mais inúmeras alterações deste nos últimos anos não se configuraram de forma alguma num fim da história, ou num pós-capitalismo, como querem muitos reacionários, e que por vezes concordam (implicitamente) as análises pós e neo marxistas. Permanecendo, mesmo que sob novas formas, a existência do capital, temos irremediavelmente os espaços das classes sociais e sua disputa de interesses objetivos (luta de classes). Se o quadro é hoje sombrio e "sem sujeito" para a revolução isso não deve significar uma visão de crise eterna. A análise concreta da realidade que claramente ainda possui contradições deve apontar tarefas a se fazer que ainda girem a roda da modernidade, mesmo esta tendo sido abandonada por niilistas e céticos de todo o tipo, dado o angustiante mundo unidimensional do pós guerra fria que infelizmente hoje temos que viver.

Só a história, que é feita pelas massas sob condições objetivas-estruturais pré-estabelecidas, pode chegar a uma conclusão mais cabal. As apostas devem ser lançadas, mesmo sem muitas garantias de vitória. E arriscar, para as massas exploradas e oprimidas, não é uma opção, mas é por excelência uma necessidade de sobrevivência.

PS: Se dermos uma olhada no índice onomástico do livro, não encontraremos nenhum vestígio do nome de Meszáros (que é europeu, contemporâneo e filho tardio do marxismo ocidental). Parece que acertamos em nossos apontamentos sobre seu principal livro (para além do capital) ao dizer o quão desproporcional é sua influencia e recepção no marxismo brasileiro se comparado aos países do norte, que andam ultimamente por outras trilhas teóricas.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Resenha do livro Do marxismo ao pós-marxismo? de Goran Therborn (Parte II)

 [Augusto Machado]

Dando continuidade à análise do livro de Goran Therborn nesta modesta resenha em três partes (cada qual se encarregando de um capítulo do livro), postamos a parte II: O marxismo do século XX e a dialética da modernidade.  

O título do capítulo já é bem esclarecedor: trata-se de um ensaio que visa traçar as principais características e tendências do marxismo no Velho e no Novo Mundo, enfocando suas relações com a modernidade. A maior parte, cumprindo o principal objetivo do livro que é uma análise do marxismo contemporâneo do Norte, volta-se ao marxismo no velho mundo.  

Modernidade, Velho mundo e marxismo 

O marxismo não é apenas um corpo teórico antigo. Como perspectiva cognitiva distintiva a respeito do mundo moderno, é superado em importância social – em termos de números de adeptos – apenas pelas grandes religiões. Como polo moderno de identidade, é superado pelo nacionalismo. O marxismo ganhou essa importância histórica muito especial porque dos anos 1880 até os anos 1970 foi a principal cultura intelectual dos dois maiores movimentos sociais da dialética da modernidade: o movimento trabalhista [proletário] e o movimento anticolonial. Em nenhum desses casos, o marxismo deixou de ter concorrentes importantes ou sua difusão foi universal, uniforme e vitoriosa, porém nenhum de seus competidores tinha alcance e persistência comparáveis. 
Trecho do Capítulo  

Goran começa sua análise da relação entre modernidade e marxismo com um termo emprestado do mundo parlamentar: “oposição leal a sua Majestade”. Ora, essa parece ser um termo que esclarece bem o marxismo enquanto agente de uma dialética da modernidade. Essa dialética tem como objetivo “pegar os dois chifres da modernidade, o emancipador e o explorador”, o lado progressista e o lado perverso, mas sem sair do solo da própria modernidade, como pretendem outros críticos, vide os nietzschianos. “O marxismo defendeu a modernidade com o objetivo de criar outra modernidade, muito mais desenvolvida”, resume bem o autor.  

As diversas correntes do marxismo se diferenciavam nesse tocando ou por enfocar nos aspectos positivos (exemplo II internacional, oportunista), ora por enfocar seus aspectos meramente negativos do progresso capitalista (exemplo o esquerdismo da III em alguns aspectos). Aqui também se pode encaixar vertentes mais “positivas” ou pessimistas.  

Marx e Engels nasceram e foram formados num ambiente europeu propriamente moderno, no pensamento e na vida social que se transformava rapidamente (consolidação do capitalismo, revoluções burguesas e proletárias). Em grande parte foram herdeiros, e de certa forma, “radicalizadores”, da tradição crítica, do criticismo, que se tornou possível com a secularização da cultura, e teve expoentes no pensamento alemão como Kant e o hegelianismo. Essa tradição que é oposta ao feudalismo quase que por completo já tombado, identificava crítica, verdade e ciência como um só fenômeno.

Para o autor, é nítida um conceito e uma influência da modernidade em Marx: sua obra prima teórica, uma crítica à economia política, traz em seu próprio nome a herança radical da tradição crítica moderna de influência iluminista. Sem falar nas obras juvenis de Marx e Engels, quando ainda estavam fortemente influenciados pelo “paradigma” hegeliano de esquerda.  

A modernidade e marxismo foi tema central de uma corrente do marxismo autointitulada como teoria crítica. Essa teoria formada na primeira metade do século XX, normalmente é ligada ao nome “Escola de Frankfurt” e inclui autores como Horkheimer, Adorno e Marcuse. A teoria crítica se opunha à  teoria tradicional, cuja primazia era a divisão do trabalho teórico em disciplinas específicas e uma suposta neutralidade sócio-política do conhecimento, com um projeto de crítica global da sociedade capitalista moderna de fortes influências marxistas.  

“A teoria crítica acolhe, reflete e elabora filosoficamente a crítica da economia política de Marx, situada no contexto dos eventos traumáticos de 1914 a 1989: o massacre da Primeira Guerra Mundial, a revolução abortada no Ocidente e seu nascimento deformada na Rússia, a Depressão e a vitória do fascismo […], o surgimento das grandes organizações, a Segunda Guerra Mundial e a unidimensionalidade da Guerra Fia. Com seu tom próprio e muito especial, a teoria crítica expressa um veio de reflexividade radical no caminho da Europa através da modernidade."

Apesar de continuar com uma tentativa de dialética da modernidade, a maior parte dessa corrente foi marcada pelo pessimismo (paradoxalmente, sua obra teve impacto explosivo e politicamente ativo nas novas gerações europeias dos anos 60). Sua tentativa dialética de "destruir para salvar" o Iluminismo caminhava, contudo em Adorno, para um afastamento cada vez maior da realidade e engajamento político.  

Essa tendência se modifica com a figura de Habermas, “herdeiro” autocrítico da teoria crítica, que, sob uma forte influência weberiana, realizará uma tentativa de atualização do marxismo clássico, seguindo a tendência dessa corrente de retificação das teses marxistas tradicionais a partir de outros aportes teórico-conceituais. De forças e relações produtivas, Habermas trará para a teoria as noções de trabalho (esfera da ação racional com respeito a fins, “razão instrumental”, hegemônico na modernidade, seja capitalista, seja “socialista”) e ação comunicativa (referente ao “mundo da vida”, mediado simbolicamente, portador de uma razão emancipadora, democrática). Esses esforços darão luz a uma nova teoria do direito, influente em muitas áreas do conhecimento hoje, com respectivos impactos políticos. 

Habermas se diferenciará também da teoria crítica tradicional ao primar pela estudo e embate de correntes de pensamento contemporâneas ao estilo ensaístico quase poético comum em grande parte ao seu mestre e professor Adorno. Vários autores, incluindo Goran, em seu artigo da NLR citado no livro “Jürgen Habermas: A New Eclecticism” defendem que Habermas tende a ter um viés conciliador (ou talvez “dialético demais”...) em relação aos diversos ismos e correntes filosóficas e científicas que aparecem no século XX. Essa tentativa de atualização, em um momento histórico mais recente, mais uma vez, liga e diferencia Habermas de seus antecessores. 

A ambígua relação do marxismo e posteriormente da teoria crítica com a modernidade possui seus pontos fortes e fragilidades. Se no marxismo tradicional e seus correntes mais próximos vemos um otimismo referente ao desenvolvimento europeu pela modernidade, na teoria crítica a sombra pessimista que indica um futuro muitas vezes sombrio, ou quando não aponta, abandona quase que por completo o “paradigma” propriamente marxista. Para entender melhor a proliferação do marxismo no Norte no século XX, cuja, sem dúvida alguma, a modernidade foi um dos principais temas para pensar a sociedade, a política socialista, e o porvir histórico e onde a teoria crítica foi apenas uma expressão (não a única, mas nem por isso de extrema importância e influência), precisamos lançar mão, como faz o autor, de um conceito cunhado por Ponty e depois desenvolvido por outros historiadores como Perry Anderson: o marxismo ocidental. Compreender o chamado marxismo ocidental é compreender um conjunto importante de linhas de pensamento marxista de solo europeu que perdurou até meados dos anos 60 e se inicio com o impacto da revolução de outubro.  

Para o autor, o marxismo ocidental é “mais uma tradição que um movimento”. Tem como nomes centrais e iniciais Lukacs, Krosch e de certa forma Gramsci. Perry Anderson, comentado pelo autor, afirma que o marxismo ocidental é marcado pela derrota do movimento operário em diversos momentos e países, ou a deterioração de sua vitória (daí se explicaria seu “pessimismo”), possui um forte viés acadêmico (e não mais político, de cultura partidária) e tenta se exilar na filosofia. Assim o marxismo ocidental é o oposto do marxismo de Oriente, “institucionalizado” ou partidário, mais ortodoxo, sobretudo soviético “stalinista”, ou até mesmo trotskista ou maoista.  

Mas Goran questiona um pouco essa visão tão dicotomizada entre Oriente e Ocidente. O ocidente acadêmico crítico se formou a partir do impacto da revolução russa, e em grande parte era seu simpatizante, apesar das críticas e divergências. Além disso, figuras taxadas como marxistas ocidentais tiveram militância em papeis centrais do movimento comunista (muitos dos filósofos faziam parte ou apoiam partidos comunistas de seus países). O ranço pessimista, se daria como uma espécie de escape heterodoxo à hegemonia da terceira internacional.  

Logo após a onda do marxismo ocidental, surge o que o autor chama de neomarxismo, cujas características são um viés mais científico que filosófico, significando assim um certo amadurecimento dos departamentos de humanidades no velho mundo, e tem como evento político marcante o famoso 68 (Vietnã, movimento estudantil e de direitos civis no primeiro mundo, a revolução cultural etc.). “Mas quando o impulso político radical começou a perder força na segunda metade dos anos 1970, o marxismo político desapareceu rapidamente. O marxismo acadêmico também recuou de forma significativa, em alguns casos, substituído por “ismos” teoricamente mais novos e, em outros, submerso em práticas disciplinares ecumênicas. Manteve-se melhor na sociologia e na historiografia.”  

O desenvolvimento do marxismo enquanto pensamento e enquanto política na Europa (Velho mundo) é um assunto complexo, que apresenta diversas polêmicas em cada momento e espaço histórico específico. A análise do autor que perpassa quase todo o século XX pretende dar conta das principais influências, sobretudo intelectuais, teóricas e acadêmicas do marxismo europeu no século XX, período onde este apresentou seu apogeu de influência e produção teórica e cultural seguido de sua caída e substituição por outras correntes de pensamento (o pós-modernismo, o pós-estruturalismo, os estudos culturais e suas tendências anti-modernas, como é sabido, vieram com força retirar o marxismo de seu hegemonia do pensamento crítico a partir da década de 70).  

E o Novo Mundo (América, África, Ásia...)?  

Resume o autor: 

“Em países cuja modernização foi induzida de fora, era de se esperar que o marxismo tivesse uma existência marginal [na cultura], fosse deixado de lado como facção modernizante instalada no poder e se distanciasse amplamente das massas empurradas para a modernidade pelos governantes. Por outro lado, a abertura para a importação de ideias deveria levar a uma importação precoce do marxismo e de outras ideias radicais pelas facções pró-modernidade que estivessem fora do poder. A importância relativa dessas duas tendências deveria depender da continuidade da modernização e da repressão. Quanto mais peso tivessem esses dois fatores menos marxismo haveria.”  

Como dito a recepção do marxismo no Novo Mundo é diferenciada e menos impactante e profunda, pelo menos inicialmente, pelo fato de a modernidade (capitalista), realidade tratada pelo marxismo ser uma realidade “imposta” de fora, muitas vezes de maneira traumática. A dinâmica então era outra .  O marxismo começa a ganhar corpo no novo mundo com a própria modernização do novo mundo, a academia (norte americana, latino americana e alguns casos isolados asiáticos não-socialistas) e os movimentos políticos e sociais (destaca-se fortemente os movimentos anticoloniais e anti-imperialistas) foram as duas portas de entrada principais e que posteriormente geraram alguma consolidação teórica, política e cultural.   

Apontamentos finais  

As questões levantadas pelo autor nesse capítulo mais “histórico” podem se desdobrar em diversos debates e polêmicas: o quão o marxismo é continuidade e o quão é ruptura da modernidade? Como podemos identificar isso nas obras dos clássicos do marxismo? O qual danoso ou acertado as “atualizações” realizadas pela teoria crítica e o marxismo ocidental? Sob qual base política e social se desenvolveu o marxismo ocidental e o marxismo acadêmico de todo o mundo? Dentre tantas outras perguntas e problematizações. Aqui, não há espaço, e nem o capítulo oferece contribuições suficientes, para responder essas perguntas. Mas vale a pena analisar brevemente o posicionamento final do autor sobre as relações entre modernidade e marxismo do século XX.  Para o autor, na atual conjuntura histórica, de novas contradições, a dialética da modernidade marxista clássica deve ser repensada. Vemos assim uma continuidade na argumentação do autor em sua análise de conjuntura realizada no capítulo anterior (fim do bloco socialista e falência da política comunista do século XX, “sumiço” da classe operária, configuração social mais complexa de novas contradições etc.).  

Apesar do espectro de Marx estar possivelmente longe de desaparecer, “falta no contexto científico de classe”, ou seja, no paradigma “clássico” do marxismo e do socialismo (sua filosofia, ciência e política), elementos que contemplem as novas contradições que vão além do desenvolvimento da modernidade prevista por esse mesmo paradigma. Sendo assim, e o autor vê de maneira positiva, o marxismo/socialismo sai do século XX deixando de ser “ciência” para se tornar utopia (tese bem próxima da chamada hipótese comunista badiousiana).  

Vimos na parte I da resenha o abandono sutil da análise de classe e de sua centralidade para a teoria e para a política na atual conjuntura defendido pelo autor. Algumas críticas já foram esboçadas nas postagens anteriores, inclusive com o texto de Boito Jr. contra o economicismo. Mas vale a pena destacar ainda alguns pontos.  

O autor assume e reconhece a crise no movimento comunista mundial, que é acompanhado também por importantes mudanças econômicas, sócio-culturais e geopolíticas em âmbito mundial, o que já é um importante passo que o afasta do dogmatismo, doença que assola muitos marxistas. Mas como vimos também, há o abandono sistemático de vários aspectos fundamentais da teoria marxista e da política socialista. Com isso nos perguntamos: que significa atualizar o marxismo, questão essa que se arrasta desde os embates no seio da II internacional? O marxismo, que deve primar pela análise concreta da situação concreta, como dizia Lenin, pode ainda sobreviver a atual conjunta? Diferente das respostas dadas por Lenin e Rosa na II internacional, onde confirmavam a justeza das teses centrais do marxismo mesmo em tempos de mudanças aparentes no sistema, Goran, objetivamente diz não à segunda pergunta, em grande parte, pelo menos ao Marx(ismo) que conhecemos.  

O marxismo, mesmo enquanto teoria finita e de constante avanço, como as corrente anti-dogmática (que não são de forma alguma iguais às correntes revisionistas, oportunistas ou ecletistas) sempre frisaram, possui sua justeza historicamente situada: a existência de formações sociais capitalistas possuem uma "essência", e ela foi analisada pelo marxismo de maneira magistral. E essa essência só pode ser superada por outro modo de produção, por outros modelos de formações sociais radicalmente diferentes. É isso que Goran parece querer negar em nome de uma atualização que se mostra muito mais como um abandono do marxismo em última instância.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A morte é uma exagerada

Publicado originalmente no site português: http://5noites.tumblr.com/post/24343296755/a-morte-e-uma-exagerada . Reproduzimos aqui o texto integral.

Glintenkamp


Quando tinha sete anos descobri a morte. Percebi que havia uma espécie de parede inultrapassável e um tempo eterno sem nós. O céu e as nuvens que até ali me tinham parecido coloridos esmagavam-me. Até o silêncio se tinha tornado ruidoso. O meu pai pegou em mim e explicou-me nessa noite as vantagens de se morrer e que nós tínhamos o nosso tempo de eternidade. Na nossa vida havia um pedaço de infinito em que todos os segundos contavam. Era a morte que nos dava a urgência e a necessidade de nos superarmos. A vida podia enganar o tempo, bastava dar-lhe sentido. Ironizava comigo se fosse possível congelar as pessoas, para lhes prolongar a vida quando a ciência tivesse mais desenvolvida, estaríamos a obrigar as pessoas do futuro a descongelar muita porcaria. Poucos meses depois, o meu pai esteve à beira da morte. Ia, com Lino de Carvalho ao volante, para um comício, vinham de várias directas e adormeceram. Esteve 15 dias em coma a lutar para viver. Sobreviveu com mazelas irrecuperáveis. Nunca aceitou as suas limitações. Tentou recuperar pela escrita e pelo trabalho aquilo que tinha perdido em capacidade.

O meu pai queixava-se de o meu avô ter morrido jovem e de nunca lhe ter dito o suficiente. O meu avô nunca o tinha visto jovem, nunca o tinha visto homem. A última imagem que tinha dele, foi quando lhe tinham pedido que o beijasse morto e o meu pai, adolescente, só tinha conseguido chorar.

Tive a sorte de conhecer o meu pai. Um jovem de cabelo branco, preso pela primeira vez aos 17 anos, para quem as causas e as paixões eram a única razão para respirar. Corria atrás do tempo perdido em quatro anos nas celas de Peniche. Dizia-me que a minha geração tinha muito tempo de avanço e que nos cabia aproveitá-lo. Havia uma urgência ditada pela entrega política e pela necessidade de viver em permanente estado de paixão.

Quando a sombra frágil que está ligada à máquina falhar terá ficado nos seus a urgência em que na vida curta tudo vale a pena. As paixões como as revoluções são tentativas de rompermos as leis que nos condenam à mediocridade e à servidão. No fim estaremos todos mortos, o que conta é termos sidos capazes de um gesto livre.

Cresci a escutar a história de uma revolta perdida. íamos mudando de país em país: Checoslováquia, Argélia, Suíça, França e chegámos a Portugal como clandestinos. À noite o meu pai não se cansava de me contar, como se fosse um conto de fadas, a história da Revolta dos Anjos. Dizia-me que depois de muitos abusos e opressão, os anjos tinham decidido revoltar-se . Na véspera do grande dia , o líder dos revolucionários sonhou que triunfava e ocupava o trono do tirano. O pesadelo começava, pouco tempo depois, com a canga das coisas inevitáveis, os revoltados tornavam-se senhores em vez dos senhores que tinham jurado derrubar. Depois de acordar, Lúcifer teria desistido da insurreição. A história tinha uma moral óbvia que nos impelia à prudência. Contudo, teimávamos em não lhe obedecer, apesar de sabermos que a maior parte dos esforços são vãos.

Transformar o mundo e mudar de vida, como exigiam Marx e Rimbaud, parece muita vezes sem sentido. Mas, há algum sentido em estar parado? Nos seus Provérbios do Inferno, William Blake garantia: “o que deseja e não age gera pestilência”.
A guerra dos anjos revoltados contra o poder de Deus é uma guerra perdida. Mas é um grito contra a adversidade.
Como escrevia Giambattista de Marino, no seu Satã, ”(…) e mesmo se tombarmos vencidos, ter tentado tão alto feito é ainda um triunfo…”

Da mesma forma que a nossa vida é um grito que ecoa no meio da morte.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Economicismo Oculta a Revolução - Armando Boito Jr.

Reproduzimos artigo publicado na revista Crítica Marxista, número 2. Disponível em: http://www.unicamp.br/cemarx/CM2oeconomicismoarmandoboito.pdf

Ao nosso ver o artigo "conversa" com os últimos posts publicados no blog e esboça algumas respostas esclarecedoras referentes à diminuição da classe operária em algumas sociedades do capitalismo contemporâneo, os impactos disso numa possível política socialista revolucionária dentro de um contexto posterior à onda revolucionária do século XX que teve seu fim catastrófico com o fim do bloco socialista.


"Uma certa idéia abstrata, porém cômoda, tranqüilizante,
de um esquema 'dialético', purificado, simples (....) e a fé
na 'virtude' solucionadora da contradição abstrata como tal:
a bela contradição entre capital e trabalho."
(Louis Althusser, depois de Lênin e Mao Tse-Tung)


O debate sobre a atualidade do movimento socialista e da revolução tem, em grande parte, se desenvolvido em bases equivocadas.

Intelectuais de diferentes posições políticas têm debatido o futuro do socialismo e da revolução circunscritos, em grande medida, ao terreno estreito da tecnologia e da situação de trabalho e de mercado da classe operária. O economicismo, típico da ideologia neoliberal, espraiou-se por diversas áreas das ciências humanas. Os movimentos operário e socialista seriam, segundo essas abordagens, coisas do passado devido às novas tecnologias, às novas formas de gestão da força de trabalho, ao desemprego e à fragmentação da classe operária. As bases sócio-econômicas para unificação da classe operária num movimento de classe teriam desaparecido.

Muitos críticos de esquerda têm argumentado, com razão, que as transformações econômicas e tecnológicas não apontam para a eliminação do trabalhador coletivo assalariado, manual e não-manual. Ocorre que operam com esse argumento no interior da mesma problemática teórica à qual pertence a análise que pretendem criticar. Consideram-no suficiente para demonstrar a possibilidade histórica da revolução. Tudo se passa como se, de fato, os movimentos operário e socialista pudessem ser deduzidos da situação de trabalho e de mercado da classe operária, isto é, do "universo estreito" (Lenin) das relações entre operários e patrões. Ora, o movimento operário e a revolução foram, ao longo de todo o século XX, resultado de um conjunto amplo, complexo e heterogêneo de relações e contradições entre diversas classes sociais, nacionalidades e Estados, conjunto esse que, embora extravasasse o sistema capitalista, articulava-se em torno dele em escala internacional. É do processo político global, desse conjunto de relações e contradições, que se deve partir para compreender as condições nas quais a classe operária pode unificar-se num coletivo de classe e as condições nas quais podem ocorrer as revoluções.

I

A longa onda revolucionária do século XX iniciou-se no México em 1911, com uma revolução democrático-burguesa, e, depois de passar pela Europa, Ásia e África, encerrou-se na Nicarágua, em 1979, com uma revolução democrático-popular. O ciclo abriu-se e fechou-se ma América Latina, e comportou vários tipos de revolução nos quatro continentes. Foram contradições típicas do sistema capitalista, mas também, de modo bastante amplo, contradições próprias de modos de produção pré-capitalistas e, principalmente, contradições oriundas do sistema imperialista que provocaram essas revoluções.

O capitalismo estava consolidado em poucos países no início deste século XX: na maioria dos países da Europa ocidental, nos Estados Unidos e, talvez, no Japão. Mesmo nesses países, contudo, as sobrevivências pré-capitalistas (feudais e escravistas) eram marcantes. Na América Latina, a despeito da existência de Estados burgueses na maioria dos países, a agricultura, na qual estava alocada a maioria da população latino-americana, baseava-se, inclusive no Brasil, em relações de produção de tipo pré-capitalista, caracterizadas por formas variadas de subordinação pessoal do trabalhador ao proprietário da terra. Na Ásia, formas comunitárias de utilização da terra conviviam com sistemas de castas e ordens e com latifúndios tipicamente précapitalistas. Na África Negra, ainda predominava a organização tribal. A luta camponesa pela terra e contra diversas formas de renda pré-capitalista foi um dos componentes fundamentais das revoluções do século XX.

O século XX foi, também, o século da formação do novo sistema imperialista internacional: a disputa entre as potências pela repartição da periferia e a luta de libertação nos países dependentes estiveram na raiz de crises e revoluções. A dominação imperialista articulou-se, na periferia do sistema, com toda sorte de economias e Estados de tipo pré-capitalistas, introduzindo, nos países periféricos, contradições de novo tipo - as contradições de classe típicas do capitalismo e as contradições decorrentes da dominação imperialista sobre os Estados e as economias nacionais. Essas novas contradições vieram se somar às contradições específicas daquelas formações sociais.

As revoluções do século XX estiveram, todas elas, ligadas a esse quadro geral: o desenvolvimento desigual do capitalismo, o sistema imperialista e o pré-capitalismo ainda prevalecente em grande parte dos países periféricos. A Revolução Russa de 1917 e, mais tarde, a Revolução Chinesa de 1949 e a bipolarização da política internacional entre Estados Unidos e União Soviética geraram novas contradições e estimularam os movimentos revolucionários em escala internacional.

Nos países capitalistas centrais, o movimento operário foi, na maior parte do tempo, um movimento por reformas, cujo resultado foi a extensão da cidadania do plano civil, no
qual a burguesia procurava confiná-la, para os planos político (democracia) e social (Estado de bem-estar). O movimento operário dos países capitalistas centrais converteu-se em movimento revolucionário em conjunturas específicas de crise, propiciadas, no mais das vezes e de modos variados, por disputas e guerras entre as burguesias nacionais imperialistas e neocoloniais (revoluções russa e alemã) e pelas lutas de libertação nacional nas colônias (Revolução Portuguesa). As guerras exigem muito das massas, degradam suas condições de vida, provocam um crescimento "desmesurado" e brusco da base "proletária e popular" do Exército burguês e podem dividir e desmoralizar as classes dominantes. Os Estados Unidos, potência capitalista cujo território nunca foi palco de conflito bélico interimperialista, jamais estiveram ameaçados por um movimento operário socialista revolucionário.

Nos países periféricos, as revoluções, nacionais ou populares, sempre estiveram vinculadas à luta contra a dominação imperialista e, principalmente nos casos da África e da Ásia, contra a dominação de tipo neocolonial. Essas revoluções tiveram, no mais das vezes, o campesinato como principal força motriz. O que variou de uma para outra dessas revoluções foi a sua força dirigente: ora a burguesia nacional, ora a pequena burguesia e as camadas médias urbanas, ora núcleos reduzidos da classe operária que agiam representados por um tipo particular de partido político operário, forjado pela III Internacional. Do mesmo modo que a luta pela independência nacional, que foi prolongada em toda a periferia do sistema, levou a crise política para o centro
do sistema imperialista, propiciando oportunidades de ação mais ofensiva e mesmo revolucionária aproveitadas pelo operariado dos países centrais, assim também, na periferia, as classes populares e as burguesias nacionais foram beneficiadas pelas contradições e lutas que dividiam os países centrais. De um lado, a luta de libertação nacional pôde jogar com as contradições que dividiam as potências imperialistas e, a partir da Segunda Guerra Mundial, essa luta pode explorar a contradição que opunha as duas superpotências - EUA e URSS. De outro lado, o movimento de libertação apropriou-se, à sua maneira, da crítica social e do conhecimento estratégico acumulado pelo movimento operário europeu. Apropriação que, de resto, criou uma das figuras ideológicas típicas deste século: uma ideologia "socialista periférica", que era, em realidade, expressão de um movimento nacional e popular. Talvez apenas na China e na União Soviética tenha existido, de fato, e mesmo assim apenas nas primeiras fases dessas revoluções, uma linha socialista proletária diferenciada das linhas nacional e popular.

É certo que o processo revolucionário na União Soviética e na China, após um período de lutas, redefinições e retrocessos, tomou o caminho do capitalismo burocrático – sem revogar, convém lembrar, todas as conquistas da revolução. Mas o resultado mais geral, e em muitos casos indireto e involuntário, dessa vaga revolucionária e dos movimentos reformistas que, de diversas maneiras, foram favorecidos pelas revoluções, esse resultado geral foi positivo para as classes populares: o fim do neocolonialismo (China, Egito, Argélia, Guiné-Bissau, Moçambique, Angola etc.), a democratização do acesso à terra em inúmeros países (México, China, Vietnã, Nicarágua etc.), a expansão do capitalismo nos mais importantes países da periferia (Índia, Brasil, México, Argentina etc.), a criação do Estado de bem-estar nos países centrais, a democratização do Estado burguês em escala planetária e a integração de grandes contingentes das massas populares ao consumo industrial.

II

Desde o final de Segunda Guerra Mundial, essas transformações, que se processavam em tempos desiguais, foram confluindo, gradativamente, para uma situação nova que
encerrou aquele ciclo revolucionário. As contradições em jogo no conjunto do sistema encontraram, em momentos distintos e de modo desigual de país para país, soluções ou acomodações temporárias, e as novas contradições que surgiram não atingiram, ao menos até agora, um nível crítico.

A expansão da democracia política e do Estado de bemestar no centro capitalista, a ausência de conflitos bélicos importantes entre as potências imperialistas, a formação de novos Estados nacionais na Europa, permitindo a organização em Estado-nação de nacionalidades oprimidas, a desagregação da União Soviética e a conseqüente eliminação da bipolaridade no sistema internacional, o fim do neocolonialismo na África e na Ásia, a industrialização capitalista dependente na América Latina e as reformas agrárias em inúmeros países da periferia solucionaram ou então acomodaram, ao menos temporariamente, as contradições que estiveram na base das revoluções: a) a contradição entre o movimento operário e a burguesia, principalmente nos países centrais; b) a contradição entre as potências imperialistas pela repartição
da periferia; c) a contradição entre as superpotências (EUA e URSS), que, após a Segunda Guerra Mundial, cindiu a política internacional; d) a contradição entre, de um lado, as burguesias nacionais, a pequena burguesia e as camadas médias urbanas dos países periféricos e, de outro lado, o neocolonialismo; e) entre o campesinato e o sistema latifundiário; f) entre as populações urbanas dos países periféricos e a antiga divisão internacional do trabalho que bloqueava o acesso dessas populações ao consumo de tipo industrial; g) entre as burocracias (civil e militar) de Estado da periferia, que aspiravam a autonomia jurídica do Estado que encarnavam, e a dominação neocolonialista, contradição que teve um papel central em revoluções nacionais
como a do Egito.

O topo do sistema imperialista completou a passagem para  um período no qual predomina a unidade política entre as grandes potências - organizadas em torno da hegemonia político-militar solitária e absoluta dos Estados Unidos, a relação do centro com a periferia encontrou uma nova acomodação e as referências político-ideológicas principais da luta revolucionária esvaneceram-se com o rumo capitalista burocrático tomado pelas principais revoluções.

III

O quadro histórico nesta última década do século XX é de estabilidade política relativa do capitalismo e do sistema imperialista. Mais do que isso: assistimos uma ofensiva geral das forças conservadoras. À medida que a luta revolucionária recuava, o declínio e a desagregação final da União Soviética se consumavam e a cena internacional passava a ser ocupada apenas pela alternativa reforma ou reação, o reformismo foi levado de vencida pelas forças conservadoras do neoliberalismo. No que respeita à superação da bipolaridade entre a URSS e os EUA, o resultado foi, para os reformistas, o oposto do que esperavam. Diziam que o fim da guerra fria retiraria o pretexto (sic) do qual dispunham os EUA e a direita para combater as reformas. A esquerda reformista teria melhores condições de avançar. O que se verificou foi o contrário. O fim do "perigo vermelho", isto é, do espectro do capitalismo nacional autônomo de Estado que havia aterrorizado a burguesia privada imperialista ocidental, favorecendo tanto as reformas como a revolução no centro e na periferia do sistema, liberou a direita para partir para a ofensiva. A história não se repete; mas, em condições novas e com características particulares, a burguesia e o imperialismo procuram sim anular boa parte do saldo obtido no período anterior: ameaçam o Estado de bem-estar, a industrialização obtidada na periferia e, até, a descolonização - por que não começarmos a pensar num novo colonialismo comandado pelos EUA sob a bandeira da ONU?

No momento atual, a revolução não se encontra na ordem-do- dia. Isso quer dizer que a revolução está superada historicamente? Pensamos que não. O capitalismo e o imperialismo não resolveram as contradições que podem gerar as revoluções.

Essa nossa convicção, queremos enfatizar, não provem da refutação de argumentos como aqueles que se referem às estatísticas sobre o número de operários. Muitos marxistas raciocinam informados pela tese errônea da polarização sóciodemográfica
entre a burguesia, que tenderia à progressiva redução de seu contingente, e o proletariado, que cresceria incorporando os desclassificados das demais classes sociais,
tese defendida por Marx n' O Manifesto do Partido Comunista. Ignoram a análise mais profunda e sofisticada do volume I d'O Capital, na qual, em ruptura com a tese presente n' O Manifesto, Marx demonstra que o aumento da composição orgânica do capital pode levar a uma diminuição, relativa ou absoluta, da classe operária. Deve-se lembrar que grandes países industriais, como os Estados Unidos, nunca estiveram seriamente ameaçados pela revolução. De resto, o movimento é desigual: com a internacionalização da produção capitalista, o contingente de operários pode diminuir em alguns países do centro e crescer em outros da periferia. Não consideramos decisivo, tampouco, o nível de emprego: a Rússia e a Alemanha revolucionárias não eram uma "sociedade do trabalho", mas de desempregados, e a primeira contava com uma classe operária bastante diminuta.

É necessário ter presente que, se a situação de trabalho e de mercado tem uma incidência direta sobre o movimento sindical, o mesmo não vale para a revolução. Na verdade, parte dos processos que têm afetado a atual situação de trabalho e de mercado da classe operária são muito mais efeito do que causa do recuo da revolução. A questão decisiva no que tange à situação da classe operária e sua possibilidade de dirigir um processo revolucionário consiste em saber se o trabalho manual, coletivo e assalariado está, sim ou não, em processo de extinção - seja pelo desaparecimento ou redução à insignificância do trabalho vivo nos processos produtivos, seja por um processo de regressão ao trabalho parcelar e independente. As pesquisas indicam que nada disso está ocorrendo. Se isso é assim, continua dependendo da política, nacional e internacional, a possibilidade de a classe operária unificar-se num movimento revolucionário.

O novo surto de crescimento das forças produtivas é portador de contradições novas e pode aguçar velhas contradições não resolvidas.

Esse crescimento tem provocado o aumento da pobreza na periferia e no centro. O Estado de bem-estar, que integrou o movimento operário europeu, está em crise. Amplos setores das classes médias encontram-se num processo de degradação sócioeconômica, depois de terem, de modo desigual, garantido alguma melhoria com o Estado de bem-estar no centro, e com a industrialização dependente na periferia. A organização das populações pobres e desenraizadas das grandes metrópoles poderá compensar, para as forças revolucionárias, o refluxo, em parte temporário, do movimento camponês em escala internacional. Refluxo que resultou das vitórias na luta pela reforma agrária e do avanço do sistema de trabalho assalariado no campo. Hoje o capitalismo ocupa sozinho – de fato e, o que é importante, também na percepção dos agentes sociais - a cena histórica. O agravamento das condições de vida poderá mais facilmente ser debitado, pelas massas, a esse sistema.

A unidade no topo do sistema imperialista poderá romperse. Desde os anos 80, a tendência das potências imperialistas tem sido o agrupamento em blocos concorrentes. No interior de cada um desses blocos há grande desigualdade entre as potências associadas. As disputas por mercados e em torno de dívidas, como a norte-americana, não estão isentas de se converterem em conflitos mais graves, e mesmo em conflitos
bélicos. Guerras localizadas, como no Iraque ou na Bósnia, só são localizadas devido ao atual quadro internacional. Somente uma visão idílica da história do século XX e do imperialismo pode desconsiderar a hipótese de um agravamento das relações internacionais. A situação de acomodação entre o centro e a periferia poderá deteriorar-se. As potências imperialistas têm pressionado, dos anos 80 para cá, por políticas de desindustrialização na periferia, e por um processo global de reconcentração financeira e tecnológica no centro do sistema.

Tais pressões poderão reativar, em bases novas, a contradição de setores das burguesias nacionais periféricas, das classes médias e das massas populares com o imperialismo. Pode-se levantar a hipótese de que, na nova situação histórica, as revoluções que poderão surgir estarão apontando muito mais para o futuro do que para o passado, ao contrário do que ocorreu com as revoluções do período 1911-1979, que estiveram às voltas, em grande medida, com o feudalismo e com o imperialismo de velho tipo das potências neocoloniais. Se isso estiver correto, essa é uma razão a mais para os intelectuais socialistas assumirem a tarefa de desenvolver o marxismo, com base no estudo crítico dos textos e da experiência revolucionária do século XX. No século XXI, ao contrário do que ocorreu neste século, o socialismo poderá colocar-se como objetivo prático para um grande número de revoluções.