terça-feira, 28 de agosto de 2012

Notas sobre os aparatos repressivos em nosso país: práticas e legitimação

[Augusto Machado]

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. - Sobre a Violência, de Bertold Brecht



Forças repressivas: sempre do mesmo?

Muitos teóricos da cultura vêem na força, física e moral, a espinha dorsal da civilização. No início, era a guerra de todos contra todos. A instauração de uma força provinda de uma instância coletiva e legítima contra os ímpetos individualistas e destrutivas dos indivíduos é o que garante a continuidade da civilização, da cultura. Só assim, na força repressora e criadora, mantemos distância da barbárie e animalidade, que é nossa “origem” e nossa “natureza” que sempre nos espreita. Por isso a necessidade natural da utilização da força por parte do Estado, o locus privilegiado da civilidade.

Isso quer dizer que lobo do homem presente em todos nós só é barrado por um sistema de força moral, cuja base e “último” recurso é a violência.

Mas essa visão bastante contratualista e liberal condiz pouco com nossa realidade. Um exemplo que contradiz a esse cenário, é que no, século vinte, o aumento astronômico dos investimentos e tecnologias militares nos trouxeram um paradoxo mortal, uma verdadeira mudança qualitativa: a “força”, no caso, física, a violência, que garantiria nossa civilidade em última instância, na verdade, se tornou a maior de todas as suas ameaças. Uma guerra nuclear colocaria em risco até mesmo a sobrevivência de nossa espécie. O elemento puramente bom e controlador se tornou a ameaça destrutiva.

Se a concepção mecânica que apresentamos é ingênua, para dizer o mínimo, do problema da repressão e do uso da força nas nossas sociedades, da mesma maneira é insensato pensar em seguida, baseando-se numa suposta visão marxista, que dentro de formações sociais de classe, a diferença entre forças repressivas são meramente quantitativas, já que todas estão no pilar da manutenção do poder de classe indispensável para a continuidade da reprodução das relações de produção, no nosso caso, capitalista, que seja, relações de exploração com fins de acumulação de capital. Uma visão metafísica baseada na natureza humana é substituída por outra visão generalista muito incompleta. Se, de modo didático, é útil e não menos verdadeiro generalizar o papel das forças repressivas (violência do Estado) em todas as sociedades de classe, insistir nessas afirmações torna-se infrutífero para uma atuação política e historicamente situada.

Essa tese “marxista”, que também é um tipo de reducionismo, pois vê as forças repressivas como um objeto fixo, é semelhante a outra reducionismo cuja teoria marxista foi vítima por muito tempo: a redução do Estado à violência organizada e legítima a favor, unicamente e em todas as circunstâncias, das classe dominante. Ambas reduções são incapazes de lidar com o complexo de determinantes comum a qualquer realidade social; logo incapaz de transformá-las, pois não chegou-se em seu âmago e particulariedade. Se torna mais uma condenação moral, politicamente grave, que impossibilita a ação revolucionária.

O fato é que a visão marxista também vê na força, moral e física, essenciais para a manutenção de um sociedade. Não é que as teorias liberais estejam completamente errôneas. Porém, o marxismo se vale de uma visão histórica e dialética, negando os fatalismo de naturalizações de qualquer tipo.

Se é preciso captar teoricamente, no marxismo, as funções centrais e mais gerais das forças repressivas, isso não significa dizer que estas mesmas apareçam “de modo puro” na realidade. Pelo contrário. As forças repressivas são passíveis de mudanças, contradições, transições, assim como variam de formação, estrutura e tamanho de período um histórico para outro, assim como de um país para o outro etc. Logo as forças repressivas e seus aparatos tem particularidades, em constante mudança.

Entendendo essa forma peculiar e histórica que as forças repressivas aparecem nas formações sociais, através de seus aparatos, é possível analisar concretamente uma conjuntura e traçar panoramas de desenvolvimento das contradições.


Forças repressivas tupiniquins: ontem e hoje

Sem entrar em detalhes na estrutura estatal e das relações de produção que foram características de nossa nação, e se focando mais nas corporações policiais e forças armadas, é visível notar que o histórico das forças repressivas aqui no Brasil é um tema sombrio. O processo de colonização e depois de modernização conservadora e oprimida pelo imperialismo, primeiro inglês depois norte-americano, deu o tom de um Estado genocída dos povos nativos, dos escravos e dos pobres. Nosso “evento histórico” recente mais reacionário nos deixou marcas ainda visíveis que impactam fortemente na estrutura ainda extremamente autoritária e com traços fascistas das forças repressivas: a ditadura militar iniciada em 64 e sua dissolução parcial e passiva. A violência policial, as condições de nosso sistema carcerário, a estrutural corrupção e constante uso da tortura[1] nos aparatos repressivos, sejam estatais, ou “privados”, como é comum no campo, tem índices alarmantes e são uma das características principais do capitalismo salvagem de clima tropical. 

Nesse contexto, é de se deduzir, com toda a certeza, de que a cultura e instituições democráticas passam longe daqui. Pensar em outra formação social capitalista, onde o tamanho e modelo do aparato repressivo é muito menor e menos brutal, é quase impossível para muitos. Um exemplo é falar da polêmica sobre a reivindicação de vários movimentos pelo fim da PM, corporação específica das forças repressivas de nosso país: proposta por vezes nem levada em consideração. A recepção dos relatórios da ONU desse ano sobre o Brasil em relação à violência policial alarmante, utilização sistemática de tortura etc. são tomadas como “fenômenos inevitáveis”, ou mesmo, de ações isoladas praticadas por "maus policiais".

Um artigo de julho do filósofo da USP Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo, com o título “Pela extinção da PM” causou alvoroço e confusão, para não dizer ódio de muitos leitores. O artigo se baseava numa proposta do Conselho de Direitos Humanos da ONU desse ano que indicava a extinção da PM no Brasil. Na justificação está a postura autoritária da PM e sua descabida extensão e atuação na sociedade brasileira. Longe de servir à comunidade, age contra civis como se fossem inimigos externos[2].

Para nós a função que beira à guerra civil, esse estado de sítio constante, entre os aparatos repressivos e as camadas sejam pauperizadas em luta por melhores condições de vida, sejam já criminalizadas, é tão essencial para a continuidade de nossa formação social que chega a ser uma identidade. Estamos “acostumados”, pois crescemos vendo nos noticiários, ou sentindo em nossas peles, os mais diversos abusos dos aparatos repressivos contra a população. Logo tal proposta parece-nos irracional, utópica, impossível[3]: sem o Caveirão, paladino que combate os vagabundos a favor dos cidadãos de bens, como o filme de sucesso Tropa de Elite (2007) nos mostrou, estaríamos perdidos. Os culpados de tudo isso seriam aqueles que insistem em desrespeitar as leis e incitir, infelizmente, a fera, que no fundo são bons homens com coragem, disciplina e senso de sacrifício, mas precisa espancar, torturar e matar a favor do bem de todos.

Sem dúvida essa "identidade nacional" é híbrida, de traços não unitários, com vários níveis, variando a classe, a região do país etc.: isso tudo ameaça ou fortalece a legitimidade e a confinança das práticas e estrutura autoritária dos aparatos. No próprio artigo de Safatle é citada uma pesquisa do IPEA que demonstrou que a maior parte da população não confia ou confia pouco na PM. Mas, um outro dado demonstra o quão contraditória é a legitimação, o que torna o quadro mais problemático. Em recente pesquisa, realizada pelo NEV da USP, demonstrou-se que em 2010, 47,5% dos entrevistados concordam totalmente, em parte ou discordam apenas em parte com a prática da tortura por policiais para obtenção de "provas". Em 1999, eram 71,2% dos brasileiros totalmente contrários à tortura e 28,8% concordavam totalmente, em parte ou discordavam em partes.

Pode-se perceber com isso uma mescla de legitimação, normalmente provinda pelo combate à criminalidade, e outra de deslegitimação, por ações de caráter anti-popular, autoritário, corrupto etc. Mais a frente veremos que, sob o manto de segurança pública, o Estado e seus aparatos pretendem dissimular a função política das forças repressivas, de manutenção das classes e opressão a qualquer movimento contra-hegemônico.

A hegemonia das classes dominantes consegue em grande medida cooptar, apesar de maneira incompleta, a visão das classes dominandas. Por isso não é tão cabal o rechaço à foças repressivas de contornos extremamente autoritários que vivemos. Se há rechaço, é fragmentado, com misturas de muitos elementos contraditórios. Mesmo sendo a vítima da violência policial, em seu caráter mais político, a parcela significativa da população não age de maneira ativa sobre opinião pública, que é moldada segundo os interesses dominantes dos meios de comunicação, das escolas, igrejas etc. Pelo contrário, é refém das constantes campanhas de legitimação da brutalidade que nunca deixou nosso país. Não é por menos, porque, a falta de legitimação das forças repressivas do Estado, é uma profunda deslegitimação do próprio Estado, expressão de um modo de produção, e das classes que estão no seu poder.


Tempos de (mais) barbárie se aproximam?

A lógica e ofensiva conservadora de hoje, necessárias para um capital e imperialismo em crise estrutural, inaugurou uma era não muito diferente dos outros tempos de barbárie que já vivemos, aliás, em alguns aspectos aprofundou-a. O Brasil nos últimos anos tem vivido uma escalada de violência policial mostruosa, com novas tecnologias e práticas de repressão, somadas a velhas práticas e funções. As práticas de limpeza social na grande São Paulo, por exemplo, nos últimos meses e semanas demonstram essa escalada: incêndios "misteriosos" em favelas, reintegraçõs de posse que mais parecem cenas de guerra, mortes de civis diárias ou semanais etc.

A proximidade dos grandes eventos que o país sediará sem dúvida vem agudizando as contradições urbanas, e indiretamente no campo, e pede do Estado um aparato cada vez mais gigantesco de repressão[4]

O argumento do Estado e da opinião pública moldada pela mídia corporativista é que o aumento das forças repressivas (ou melhor, segundo eles, de "segurança pública") diminui proporcionalmente a criminalidade e as ameaças à ordem pública, qualquer que sejam: do tráfico aos movimentos e manifestações políticas. Um lema cínico que normalmente justifica tal política, de uso e abuso da repressão como única solução para os problemas sócio-econômicos, políticos e culturais, e que iguala a criminalidade ao protesto político, é bem conhecido: "quem não deve não teme". 

Os investimentos públicos em “infra-estrutura” das forças repressivas são enormes. O aumento de agentes sociais envolvidos diretamente com aparatos repressivos é visível, assim as aproximações entre figuras desses aparatos e as esferas do poder, o que torna um fator importante para o aumento da legitimação. As grandes cidades ganham ares de Big Brother com monitoramento de ruas e avenidas 24h. Práticas de espionagem e infiltração em movimentos civis, típicos da ditadura, continuam frequentes. Novamente entramos num paradoxo que os liberais não gostam de assumir: o Estado a la 1984 não seria característica dos “totalitarismos”? E novamente vemos implicitamente o cinismo do pensamento conservador de hoje quando se responde nesta linha de raciocínio: para garantir nossas liberdades individuais, teremos que aplicar um regime de segurança, vigilância e planejamento máximo. A natureza de classe se explicita aqui: é totalitário o que ameaça a propriedade, mas o que a protege, independente dos meios, é justa, democrática e de acordo com o estado natural das coisas.

O estado ideológico da opinião pública, como dito, vê as forças armadas e seus abusos mais cruéis com um fatalismo cínico (“infelizmente tem que ser assim”), além de apagar as funções políticas do núcleo armado do Estado. É interessante observar como a análise das causas das “desordens públicas”, se limitam à esfera das escolhas individuais, voluntárias. Um modo de operar típico da mídia e do Estado é desmembrar a realidade no sentido de apresentá-las sem contexto, sem relação. Recente relatório da ONU demonstra que somos, para além de uma "potência econômica", o 4º país mais injusto da América Latina. No campo temos uma situação calamitosa de uma reforma agrária que nunca começou e se firmou. Na cidade, crescentes problemas urbanos com uma imensa população sem moradia, renda mínima e serviços básicos. Tudo isso são fatos que não se relacionam[5], segundo o discurso hegemônico, com a criminalidade, a violência ou os constantes protestos sociais, ou seja, a dita ameaça à ordem pública. Uma vida indigna não obriga as pessoas, ou pelo menos amplia as possibilidades, por desespero, de se envolverem com a criminalidade. Ou, de uma forma bem diferente, lutar e querer o poder, como única maneira de mudar sua situação.

Obviamente que essa incapacidade de resolução das principais contradições de nossa sociedade não é uma escolha aleatória, ou uma "ignorância", mas um necessidade objetiva das classes no poder. A única via para o status quo, que aqui se mostra como a repressão cada vez ampliada, eficiente e profunda, na realidade é somente uma das vias possíveis no desenvolvimento histórico de nosso país, mas somente se levarmos em consideração a possibilidade de outra formação social, outra forma de Estado, outra forma de sociedade. Ou seja, levarmos em consideração a possibilidade de uma revolução, que abale as estruturas sociais vigentes, responsáveis pela reprodução de práticas e instituições cada vez mais decandentes.

Os tempos são catastróficos não só pela realidade que é brutal, mas também pela estrutura ideológica cínica o suficiente para aceitá-la. A legitimação integral das ações das forças repressivas, que carregam vestígios de uma herança muito sombria, em nosso país, indicam que essa estrutura está longe de ser minimamente democrática. É a barbárie com vestes liberais, de um Estado democrático de direito onde os fins de conservação e ordem estão acima dos limites quaisquer dos meios.






[1] ONU cobra do Brasil política de prevenção a torturas http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5836700-EI306,00-ONU+cobra+do+Brasil+politica+de+prevencao+a+torturas.html

[2] Polícia Militar de São Paulo mata mais que a polícia dos EUA. “Em cinco anos, a PM do Estado de São Paulo matou quase nove vezes mais do que a polícia norte-americana.” http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1123818-policia-militar-de-sao-paulo-mata-mais-que-a-policia-dos-eua.shtml

[3] Em um vídeo do youtube, vemos um debate num telejornal sobre a proposta da ONU de extinção da PM brasileira. Apesar de apontar os interesses imperialistas da ONU sem nomeá-los, um debatedor pede sim pela extinção da ONU. Para ele é impensável um aparato de segurança pública menos genocida que o nosso. Aliás, os inimigos do crime organizado são também genocidas. É uma guerra inevitável. http://www.youtube.com/watch?v=VcVGUCc-WVU
O vídeo demonstra as especificidades da opinião pública sobre o tema. O crime organizado é visto fora do contexto desigual de nossa nação, vira ação de sujeitos “maus”. Assim como o papel das forças repressivas é visto como atuante somente para o crime organizado, e não contra todo o povo, para a manutenção de um regime de poder de classe. O papel político da repressão é apagado e só fica o lado técnico, jurídico. Logo, parece mesmo ser irreal acabar com uma função técnica, neutra e para o bem comum.

[4] Só no estado da Bahia serão 200 milhões investidos nas forças repressivas, incluindo criação de centros de comando, como em várias capitais sedes, que integra as polícias com o exército, prontas para atuar no estado de sítio que será a Copa e a Olimpíadas aqui. Será que esse mesmo aparato fortalecido que assassinará covardemente trabalhadores, como foi o caso da África do Sul, também recente sede da Copa? Infelizmente, essa é uma forte possibilidade http://www2.forumseguranca.org.br/node/31237

[5] O pensamento liberal das classes dominantes em nosso país já colocou menos centralidade na repressão e relacionou melhor, mesmo que de maneira distorcida e moralista, a “desigualdade social” e os índices de “ameaça a ordem pública”. O educacionismo fundado por Rui Barbosa com seu lema "Escolas cheias, cadeias vazias" é um exemplo. Difícil achar hoje no pensamento dominante alguém que secundarize a ampliação do aparato repressivo, pelo menos para deixá-lo no banco de espera. A burguesia perdeu sua própria veia utópica.

O pesquisador Loic Wacquant de maneira certeira chega a falar que investimento em aparato repressivo é uma espécie de política social para os pobres no chamado neoliberalismo, o que conceitua de Estado penal: os déficts urbanos, de emprego e de serviços básicos são tão grandes, que é mais fácil para o capital se utilizar ideologicamente da individualização dos problemas e fortalecer a repressão para a manutenção da ordem capitalista, que solucioná-los. O ganho é duplo: mantenho o dinheiro público fora das esferas de seguridade social para os trabalhadores ao mesmo tempo que gero uma forte disciplina econômica e política necessárias a altos taxas de acumulação.

sábado, 25 de agosto de 2012

Educação e socialismo, segundo Décio Saes



Reproduzimos abaixo a intervenção do pesquisador Décio Saes no III Seminário Internacional da revista Margem Esquerda (2009), na mesa Educação e Socialismo

A quem interessa, e o que significa, a universalização da educação escolar no capitalismo? Qual será o papel da educação escolar no socialismo? Que "educação" devemos reivindicar? Vejamos a seguir a palestra. Os subtítulos em itálico não fazem parte da palestra, são apenas índices de assuntos para organizar de maneira mais didática a exposição.




Décio Saes: Bem, eu vou fazer uma breve intervenção sobre o possível papel,desempenhado pela educação desempenhado pela educação escolar numa sociedade socialista. E, para tanto, vou contrastar esse papel pelo papel desempenhado pela educação escolar na sociedade capitalista.

A centralidade da ideologia educacionista hoje e seu descompasso com as reais necessidades sociais

O grande paradoxo educacional do capitalismo está em que de um lado a ideologia escolar tem uma presença bastante ativa na vida social, e de outro lado escolar tem reduzida importância para boa parte dos grupos sociais característicos da sociedade capitalista. Nos anos 70, a escola foi alvo de ataques partidos da intelectualidade de tendência anarquista, ou anarco-liberal. Por exemplo, o mais conspícuo desse tipo de ataque se encontra na obra de Ivan Illich. Contudo esses ataques não conquistaram o apoio de nenhum grupo social fundamental, nem o empresariado, nem os trabalhadores manuais, nem a classe média. E por isso a ideologia escolar continua a ter presença ativa na vida social e ampla difusão na mídia, onde se banalizou nas últimas décadas a abordagem de questões cruciais da educação escolar como vestibular, supletivo, eja, etc etc. E é importante pautar que em plena era das políticas estatais de orientação neoliberal, o argumento da importância da educação escolar para o desenvolvimento da sociedade tende a ser acionado de um modo particulamente intenso para explicar os fracassos registrados em outros domínios da política estatal, como o crescimento econômico, o emprego, a distribuição de renda, saúde etc. No contexto do neoliberalismo as carências da educação escolar podem ser taticamente eleitas pelos setores que dirigem o estado, como fator que explica todo o fracasso da política neoliberal. Nesse caso extremo, então, também se evidencia ainda que de um modo indireto, negativo, a importância da ideologia escolar dentro da sociedade atual. Mas como eu disse antes, o grande paradoxo educacional da sociedade capitalista está em que a ideologia escolar se mostra resistente e operante num contexto histórico em que grupos sociais fundamentais da sociedade capitalista relativizam, pra dizer o mínimo, a importância escolar para sua própria reprodução material e social.

Educação escolar no capitalismo e suas distorções, segundo as principais classes e grupos sociais

Pesquisas empíricas com famílias de empresários revelam, por exemplo, que os pais empresários projetam para seus filhos basicamente uma educação no canteiro de obras, isto é, dentro da empresa familiar; atribuem à educação tida nos níveis médio e superior um caráter subsidiário, secundário, e por isso aceitam, ou mesmo chegam a preferir, o ensino superior privado, onde os seus filhos poderão desenvolver uma rede de relações sociais que serão úteis na vida empresarial.

Já os trabalhadores manuais sabem que uma instrução rudimentar, isto é, ler e escrever, contar, é importante pro acesso dos seus filhos ao mercado de trabalho, ou mesmo emprego informal. Porém pressionados pelos custos indiretos da escolarização, que são elevados pra eles, os membros desse grupo social tendem a relativizar a importância da conclusão do ensino fundamental e tendem a se conduzir de um modo fatalista quando seus filhos de doze treze ou quatorze anos revelam a disposição de desempenhar algum trabalho informal ou eventual. Como o empresariado, os trabalhadores manuais também valorizam uma educação no canteiro de obras, uma educação extraescolar, até por saberem, senão intuírem, que o trabalhador com formação profissional ampla só é requerido por uma parcelo muita reduzida do setor empresarial, e que o que se requer da maioria dos trabalhadores é capacidade adaptativa de passar rapidamente, no canteiro de obras, de uma tarefa limitada para outra tarefa limitada.

Na verdade, a classe média é o grupo social que investe proporcionalmente mais esforços e mais recursos materiais e financeiros em educação escolar. E isso ocorre porque a classe média é o único grupo social cuja trajetória socioprofissional depende estreitamente da trajetória escolar. Se os pais de classe média quiserem reproduzir no tempo histórico sua situação social, através dos filhos, se eles quiserem manter os seus filhos alocados nos postos não-manuais, ou mais especificamente intelectuais da divisão capitalista do trabalho, eles deverão fazer com que seus filhos tenham acesso aos conhecimentos científicos e os elementos culturais propiciados pela educação escolar ao longo dos três níveis de ensino – fundamental, médio, superior. Na verdade o desempenho de um trabalho não manual, isto é, uma atividade mental de caráter reiterativo, não inovador, ou mais especificamente de um trabalho intelectual, isto é uma atividade mental com caráter inovador ou criador, exige conhecimentos teóricos, elementos culturais, que a escola ministra de um modo organizado, sistemático, planejado. Daí o alto comprometimento da classe media com a formação escolar. Isso explica que as aspirações educacionais da classe média sejam sempre crescentes. Esse grupo social reivindicou sucessivamente pros seus filhos a chance de completar o ensino médio, o ensino superior de graduação, e finalmente, mais recente, o ensino superior de pós-graduação. A agregada pressão educacional exercida por um setor minoritário das classes trabalhadoras, um setor que teve condições de colocar a situação da classe média como um ideal e como exemplo, a pressão da classe média por uma ampliação da oferta de vagas no ensino superior acaba levando a diplomação de um número muito maior de profissionais de nível superior que pode ser absorvido pelo Estado e pelo mercado. As expectativas socioprofissionais da classe média fazem portanto com que o sistema educacional dos países capitalistas tenda regularmente à produção da sobre qualificação. Esse fenômeno que resulta da pressão educacional da classe média e não de qualquer intenção do empresariado acaba, no entanto, sendo absorvido pelo sistema capitalista sob a forma de degradação dos diplomas de ensino superior e sob a forma de rebaixamento de seu valor através da inserção dos seus portadores em níveis ocupacionais anteriormente inferiores ao níveis desses diplomas.

Educação escolar no socialismo

Falemos agora da educação escolar no socialismo contrastando com a situação da educação escolar no capitalismo. No socialismo terá, obviamente, muitas tarefas a cumprir no terreno geral da educação das massas. Mas no terreno específico da educação escolar, ele deverá reverter radicalmente o quadro legado pela sociedade capitalista. E reverter esse quadro significa antes de mais nada superar historicamente a perspectiva de classe média predominante na moldagem do sistema escolar capitalista. Aqui eu empreguei a expressão superação histórica, ao invés de destruição, da superação, movimento transformador, que implica ao mesmo tempo conservação e destruição. Ora a superação histórica do sistema escolar capitalista moldado pelas expectativas e aspirações da classe média implica, em primeiro lugar, a conservação por extensão ao conjunto da sociedade, da inclinação positiva da classe média a conquista do saber historicamente acumulado e do conhecimento científico já consolidado, independentemente da época histórica ou da sociedade de classe em que ele foi gerado. Na verdade, se trata de conservar também o patrimônio cultural da humanidade, conquistar aqueles produtos culturais que se mostram ao quadro social em que lhes foram gerados, do Código de Hamurabi à dramaturgia de Shakespeare. Cabe, portanto, ao socialismo, proletarizar a educação escolar. Essa proletarização da educação escolar implica não propriamente substituir os conteúdos propiciados pelo estoque de conhecimento cientifico e de cultura historicamente acumulado por conteúdos propiciados por uma suposta cultura popular alternativa à cultura de todas as classes dominantes do passado. Na verdade essa proletarização da educação implica, isso sim, fazer com que o conjunto da sociedade, isto é, as massas trabalhadoras tenham de fato acesso à ciência, à cultura rompendo assim o monopólio exercido pela classe média sobre ambos.

Mas superação histórica do sistema escolar capitalista nas sociedades capitalistas implica em segundo lugar a ruptura com a ideologia pequeno burguesa do conhecimento que preside nas sociedades capitalistas na transmissão de saber cientifico e da cultura historicamente acumulados à clientela escolar seja qual for a origem dessa. Mas em que consiste essa ideologia burguesa do conhecimento? Ela consiste em tratar toda prática teórica numa perspectiva teoricista, elitista, o que resulta em negar os vínculos existentes, em vários níveis, entre a elaboração teórica e a prática social. Primeiro vínculo, a conexão que deve se aprofundar no socialismo, mas que já existe em sociedades historicamente anteriores, entre pesquisa científica e prática social, na própria elaboração do conhecimento cientifico. Isto é, são questões práticas que levam ao desenvolvimento da teoria, que pode ser exemplificado através na conexão entre agricultura antiga e surgimento da astronomia. Segundo vínculo, o papel central da abordagem de exemplos práticos no processo de transmissão de um conhecimento teórico, papel este que se manifesta, seja exibindo as raízes práticas e sociais das grandes descobertas científicas e das elaborações culturais, seja apresentando as implicações práticas e sociais dessas descobertas e dessas elaborações. Terceiro vínculo, a busca expressão por parte do educador da utilidade social de conhecimento científicos e de construções culturais. Ou seja o fato de que a teoria tende ter alguma aplicação prática, senão ela não é teoria de nada.

Obrigatoriedade da educação escolar no capitalismo e no socialismo

Portanto a educação escolar escolar socialista deve romper com o teoricismo pequeno burguês da educação escolar capitalista e tratar em termos dialéticos a relações entre conhecimento e prática social, atraindo por essa via as massas trabalhadoras pra dinâmica da vida escolar. Mas o socialismo também deve promover a superação histórica do padrão de oferta de educação escolar projetado pela classe média dentro da sociedade capitalista. Nós sabemos que praticamente todas as sociedades capitalistas, a Constituição prescreve a obrigatoriedade do ensino fundamental, obrigatoriedade que vincula politicamente o Estado, vincula civilmente os pais e até vincula do ponto de vista moral as próprias crianças. Pois bem, parece-me que a classe média na sua luta ideologia do mito da Escola Única e pela emergência do modelo institucional que permite operação desse mito, isto é, o ensino publico gratuito e obrigatório, torna-se o principal sustentador social do princípio da obrigatoriedade da educação escolar elementar. Mas para concretizar esse princípio, induzir os seus filhos a integralizar a educação fundamental, seria também preciso que a maioria da sociedade, isto é os trabalhadores manuais, assumissem também esse compromisso. Ocorre porém que os trabalhadores manuais não se dispõem a colocar o preceito constitucional da obrigatoriedade da escolarização elementar acima das necessidades imediatas do processo de reprodução material e das suas famílias. Os trabalhadores manuais são sempre pressionados pelos altos custos indiretos da escolarização, são sempre desestimulados pela sensação de que essa escola não foi feita para eles e para seus filhos, e sim para os outros, isto é, para um aluno ideal com perfil de classe média. E o resultado dessa situação é que, para a maioria da sociedade no capitalismo, a obrigatoriedade do ensino elementar não se cumpre e é ilusória por ser inviabilizada pela alta evasão escolar e pela trajetória escolas intermitente das crianças pobres. 

Pois bem, caberá ao Estado socialista fazer com que a obrigatoriedade da educação elementar deixe de ser uma ilusão como no capitalismo e se transforme numa realidade. Também faz parte do projeto socialista, o incentivo à educação não escolar, a ser implementado em vários domínios da vida social como as fabricas, os campos, os escritórios os partidos políticos etc. Porém o estado socialista não pode contar apenas com essa explosão educacional nas bases da sociedade socialista. O aparelho de estado deve, independentemente dessa explosão educacional ocorrer, e ela pode não ocorrer, pelo menos em curto prazo, concretizar a obrigatoriedade da educação escolar de base.

Mas qual é o sentido da obrigatoriedade da educação escolar na sociedade socialista? Ela não visa mais realizar aqueles objetivos prescritos por constituições ou leis orgânicas da educação dos países capitalistas, vale dizer: preparar os indivíduos pro trabalho, isto é, qualificar minimamente a mão de obra para fim de submetê-la ao poder do Capital, nem preparar aos indivíduos pro exercício da cidadania definida em registro liberal, isto é, conversão dos indivíduos em seres politicamente passivos e apáticos que de 4 em 4 anos participam do chamado plebiscito eleitoral. No socialismo, a obrigatoriedade da educação escolar visa num plano mais geral, concretizar um objetivo de longo prazo relacionado com a meta da construção de uma sociedade comunista, ou seja, criar de modo organizado e sistemático, isto é, de modo não espontâneo, as condições intelectuais e culturais mínimas necessárias ao pleno desenvolvimento das múltiplas potencialidades individuais e a superação das estratégias capitalistas de afunilamento e de unidimensionalisação da formação dos indivíduos, e de modo mais imediato transmitir as massas os conhecimentos científicos, a cultura e a formação política absolutamente indispensáveis para que os trabalhadores possam assumir de fato, bem além de um conselhismo meramente formal, a iniciativa na gestão do aparelho econômico, aparelho de produção e distribuição, e para que os trabalhadores possam participar de fato da gestão do estado reduzindo, embora não eliminando, os papéis e prerrogativas da burocracia. Ou seja, a obrigatoriedade da educação escolar de base visa, no socialismo, em termos imediatos a construção de um aparelho econômico efetivamente socializado e a construção de massas sem as quais o socialismo não se realiza. E no longo prazo o desenvolvimento integral das potencialidades individuais sem o qual a meta da passagem ao comunismo não pode se concretizar.

Nesse terreno o socialistas marxistas não devem ceder a pressão ideológica exercida por correntes anarquistas, anarco-liberais, que supõe que uma sociedade pós-capitalista deveria respeitar o direito da criança a estudar ou a não estudar e assim libertar a criança da opressão educacional exercida pelo estado. Como dizia o Makarenko, que visivelmente tinha de coexistir com pedagogos de orientação anarquista: enquanto não for criado um coletivo de fato socialista, o educador tem o direito de obrigar os indivíduos a instrução não pode reverenciar os interesses e as disposições da crianças tais quais elas se apresentam no ponto de partido do processo educacional. E isso porque a educação socialista não tem apenas a função social de desenvolver personalidade individual, mas também a função histórica de contribuir para a construção de um novo coletivo, o coletivo socialista. E a esse respeito é preciso abrir um parênteses e me alce ao nível da análise do estado socialista.

O Estado socialista

O Estado socialista não deve ser encarado como um estado liberal com o sinal de classe trocado. No desempenho da sua função histórica de preparar a desaparição do Estado na história da humanidade, e de suprimir toda a hierarquização dos grupos socioprofissionais, o Estado socialista tem de cumprir tarefas de grande envergadura. Sobre a direção das vanguardas socialistas, o Estado no socialismo deve, no plano educacional, construir uma educação socialista que esteja no nível cientifico e cultural em continuidade com a educação das épocas anteriores, mormente burguesa, e que no nível ideológico esteja em ruptura com a educação historicamente anteiro, mormente, a educação burguesa. Esse Estado deve no plano da educação estender a educação a todos os trabalhadores, inclusive as massas atrasadas eventualmente ainda envolvidas no pragmatismo e na indefinição estratégica que a sociedade capitalista impõe aos trabalhadores no plano educacional. No plano econômico o estado socialista deve assumir o papel de indutor do desenvolvimento econômico socialista, o que implica definir os rumos e direção desse desenvolvimento, modelo de industrialização, modelo agrícola, política ambiental, modo de inserção na economia mundial etc. E para tanto ele deve desenvolver uma ação de desenvolvimento econômico e realizar uma política de investimento em empresas estatais que vão fixar balizas pro desenvolvimento progressivo num setor econômico estruturado pela propriedade social de caráter público porém não estatal, vale dizer, um setor econômico autogestionário. O crescimento progressivo desse setor é a base do processo de desestatização também progressivo da sociedade socialista. É uma ilusão porém pensar que sem o incentivo e indução do estado socialista o setor autogestionário se desenvolvera e se fortalecerá; sem o balizamento dessas atividades desse setor pelo planejamento econômico estatal, a autogestão levara de fato ao socialismo. Não levará. Há um risco de que a autogestão leve uma radical corporativização da gestão econômica das empresas, corporativização essa que poderá abrir o caminho para restauração do capitalismo.

O Estado socialista é um Estado gerido por vanguardas socialistas ligadas as massas e sujeito a um controle exercido pelas massas. Ao mesmo tempo ele é um Estado desenvolvimentista e intervencionista em nada aparentado a um estado liberal com sinal de classe trocado. Quer dizer, o item que ficou faltando e que fica para outra ocasião é na verdade o papel da educação escolar socialista na criação do novo homem, vale dizer, na preparação do terreno da construção da sociedade comunista.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Prefácio de Joan Robinson (1970)


Prefácio ao livro The chinese road to socialism de Wheelwright e Bruce McFarlane. Tradução amadora.


Toda luta política é uma luta por poder. Existem três marcos na rota para a revolução socialista. O primeiro foi a Comuna de Paris. Ela falhou, mas através dela o proletariado acumulou valiosa experiência. A Revolução de Outubro foi a primeira revolução proletária vitoriosa. A Revolução Cultural é o primeiro caso de uma revolução acontecer sob uma ditadura do proletariado já constituída. Por que foi necessário recorrer a outra revolução depois do poder já ter sido conquistado, e por que o Partido Comunista Chinês e o proletariado chinês iniciou tal revolução? A razão encontra-se na lei objetiva da luta de classes. A classe inimiga não irá aceitar seu destino. Depois de ter sido desapropriada, a burguesia luta por sua restauração.
A revolução burguesa deixou a propriedade intacta. A revolução proletária toma a propriedade. A classe proprietária busca a restauração. Muitas vezes na história uma revolução tem sido sucedida por uma restauração. Na União Soviética, a contra-revolução foi derrotada, a propriedade privada foi transferida para o Estado, mas ela falhou em fazer uma Revolução Cultural. A ideologia burguesa não foi removida e o poder proletário foi corrompido por ela. Um tipo de restauração capitalista foi feita por Khrushchev em 1956.

A triste lição do revisionismo soviético nos dá um alerta que expropriar a propriedade não é suficiente/ a revolução deve continuar na superestrutura do sistema econômico. Na China, também, depois da vitória da revolução de 1949, a luta de classes persiste e forças reacionárias buscam por restauração.

O senso histórico sempre foi forte na China, desde a antiguidade. Agora o Presidente Mao e seus apoiadores olham para eles mesmos em sentido histórico. Eles tem passado por um período para uma nova fase do desenvolvimento histórico. A União Soviética provou que uma revolução pode transformar a base econômica da sociedade e que a planificação pode transformar um país atrasado em uma grande potência industrial e militar. Isto também provou, como Mao apontou, que transformar a base não é suficiente para criar o socialismo; é necessário continuar a revolução na superestrutura. A Revolução Cultural recebeu esse nome a partir de um debate sobre cultura no sentido estrito do termo – que tipo de literatura, arte e teatro é apropriado para a continuação da luta de classes? Transfomou-se então  numa revolucionarização da cultura em todos os aspectos da vida, educação e relações interpessoais. A superestrutura reage sobre a infraestrutura. Como fazer com que relações democráticas entre especialistas e simples trabalhadores impactem na produção industrial? Como fazer para que companhas contra o lucro privado afetem a comercialização do excedente agrícola?

[...]

O Partido Comunista Chinês tem uma maneiro muito diferente da União Soviética e seus discípulos. Em vez de justificar os mais grosseiros erros, os chineses aprendem a realizar auto-crítica para não cometer os mesmos erros no futuro; eles não se importam nem mesmo estrangeiros conhecerem seus erros. Nossos autores ainda que simpatizantes não veem necessidade de encobrir os erros da política, nem falsificar a realidade. Por outro lado, eles não tem necessidade de dedicar páginas à adulação. Uma fria análise do que viram já é suficiente.

[...]

Observadores hostis gostam de desacreditar muitos relatos de visitantes que, segundo eles, devem ser mantidos de lado. Existe uma grande relutância no Ocidente, e até mesmo na URSS, de acreditar o que simpatizantes maoístas relatam de suas viagens. Seria possível realizar um processo de industrialização sem oprimir de certa forma o campesinato? Como pode existir disciplina na fábrica onde trabalhadores são livre para criticar os dirigentes? Como pode haver socialismo com uma democracia total de base? Como pode um país atrasado se desenvolver, pelos seus próprios esforços, sem benefícios estrangeiros?
Porém há uma quantidade de fatos que ninguém pode negar. Frequentes discursos sobre colapsos, fome e caos se comprovaram falsos. A China prestou suas contas e hoje dá apoio a outros países enquanto não recebe nenhum. O período ruim, 1959-61, passou, sem inflação e sua moeda é hoje uma das mais instáveis do mundo. O comércio é balanceado, e e gradualmente reverte o quadro de 'subdesenvolvimento', cujo padrão é a importação de manufaturados e exportação de produtos brutos.

Se a política chinesa foi tão absurda como dizem, como pode essas coisas acontecerem? Certamente as testemunhas oculares dos detalhes da performance econômica chinesa são mais plausíveis que os zombadores que o Ocidente e a URSS divulgam.

Nossos autores entendem economia ortodoxa. Eles a entendem muito bem para ver além dela. Por dois séculos nós temos seguido a doutrina liberal de Adam Smith onde os indivíduos perseguem seus interesses particulares e daí provém a prosperidade nacional. A China, seguindo o Pensamento Mao Tse-Tung, vem provendo o contrário. Mas isso não significa que uma reversão tão profunda possa ser alcançada facilmente: 'A atual grande revolução cultural é apenas a primeira; inevitavelmente haverá muitas outras no futuro. Nos últimos anos o Camarada Mao Tse-Tung tem dito várias vezes que a questão de quem vai vencer numa revolução não pode ser decidida a não ser por um longo período histórico."

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

As classes sociais na teoria marxista

Trecho da Introdução: As classes sociais e sua reprodução ampliada, de As classes sociais no capitalismo de hoje (1974) de Nicos Poulantzas, tradução de Antonio Roberto Neiva Blundi.

I

O que significam as classes sociais na teoria marxista?

1. As classes sociais são conjuntos de agentes sociais determinados principalmente, mas não exclusivamente, por seu lugar no processo de produção, isto é, na esfera econômica. De fato, não seria preciso concluir sobre o papel principal do lugar econômico sendo este suficiente para a determinação das classes sociais. Para o marxismo, o econômico assume o papel determinante em um modo de produção e numa formação sociais: mas o político e o ideológico, enfim a superestrutura, desempenham igualmente um papel muito importante. De fato, todas as vezes que Marx, Engels, Lenin e Mao procedem a uma análise das classes sociais, não se limitam somente ao critério econômico, mas se referem explicitamente a critérios políticos e ideológicos.

2. As classes sociais significam para o marxismo, em um e mesmo movimento, contradições e luta de classes: as classes sociais não existem a priori, como tais, para entrar em seguida na luta de classe, o que deixa supor que existiriam classes sem luta das classes. As classes sociais abrangem as práticas de classe, isto é, a luta das classes, e só podem ser colocadas em suas oposição.

3.A determinação das classes, abrangendo práticas – luta – das classes e se estendendo às relações políticas e ideológicas, designa os lugares objetivos ocupados pelos agentes na divisão social do trabalho: lugares que são independentes da vontade desses agentes.

Pode-se dizer, assim, que uma classe social define-se pelo seu lugar no conjunto das práticas sociais, isto é, pelo seu lugar no conjunto da divisão social do trabalho, que compreende as relações políticas e as relações ideológicas. A classe social é, neste sentido, um conceito que designa o efeito de estrutura na divisão social do trabalho (as relações sociais e as práticas sociais). Este lugar abrange assim o que chamo de determinação estrutural de classe, isto é, a própria existência da determinação da estrutura – relações de produção, lugares de dominação-subordinação política e ideológica – nas práticas de classe: as classes só existem na luta de classes.

4. Esta determinação estrutural das classes, que só existe então como luta de classes, deve, entretanto, ser distinguida da posição de classe na conjuntura: conjuntura que constitui o lugar onde se concentra a individualidade histórica sempre singular de uma formação social, e enfim, a situação concreta da luta das classes. De fato, insistir na importância das relações políticas e ideológicas na determinação das classes, e no fato de que as classes sociais só existem como luta (práticas) das classes, não seria reduzir, de forma “voluntária”, a determinação das classes à posição das classes: isso assume grande importância nos casos em que se constata uma distância entre determinação estrutural das classes e as posições de classe na conjuntura. A fim de tornar isso mais claro, proponho desde já um esquema simples, que será explicado em seguida:


a) Uma classe social, ou uma fração ou camada de classe, pode não ter uma posição de classe correspondente a seus interesses, eles próprios circunscritos pela sua determinação de classe como horizonte de sua luta. O exemplo típico é aquele da aristocracia operária, que tem precisamente, nas conjunturas, posições de classe burguesas. Isso não significa contudo que ela se torne, em tais casos, parte da burguesia: ela permanece, pelo fato de sua determinação estrutural de classe, parte da classe operária, constituindo uma “camada” da classe operária de acordo com os próprios termos de Lenin. Por outro lado, sua determinação de classe não de reduz à sua posição de classe.
Mas tomemos igualmente o caso inverso: classes ou frações e camadas de outras classes além da classe operária, principalmente a pequena-burguesia, podem ter, em conjunturas concretas posições proletárias de classe ou que se aproximem da classe operária. Isso não quer dizer, contudo, que se tornem então parte da classe operária. Para citar um simples exemplo: os técnicos da produção tem por vezes posições proletárias de classe, tomando eventualmente, em greves por exemplo, o partido da classe operária. Isso não significa que façam parte da classe operária, não sendo sua determinação estrutural de classe redutível à sua posição de classe, esse conjunto toma por vezes o partido da classe operária, por vezes o partido da burguesia (posições burguesas de classe): mesmo que não se coloquem como parte da classe operária, por vezes o partido da burguesia (posições burguesas de classe): mesmo que não se coloquem como parte da classe operária cada vez que tomam o partido desta, os técnicos não se colocam como parte da burguesia cada vez que detêm posições burguesas de classe. Reduzir a determinação estrutural de classe à posição de classe é abandonar a determinação objetiva dos lugares das classes sociais por uma ideologia “relacional” de “movimentos sociais”.

b) Pode-se bem observar que as relações ideológicas e políticas, isto é, os lugares de dominação-subordinação política e ideológica já que se referem a uma determinação estrutural de classe; não se trata, pois, de um lugar objetivo que só diria respeito ao lugar econômico nas relações de produção, só se encontrando os elementos políticos e ideológicos nas posições de classe. Não se trata, segundo um antigo equívoco, de uma “estrutura” econômica que se designa, sozinha, de um lado os lugares, e de outro uma luta de classes que se estende ao domínio político e ideológico: tal equívoco toma atualmente com frequência a forma de uma distinção entre “situação (econômica) de classe” de um lado, e posições político-ideológicas de classe por outro lado. A determinação estrutural de classe refere-se desde já à luta econômica, política e ideológica de classe, expressando-se todas essas lutas pelas posições de classe na conjuntura.
Isso significa igualmente que as análises aqui apresentadas não tem nada que ver também com o esquema hegeliano, o da classe em si (situação econômica de classe, determinação objetiva de classe unicamente pelo processo de produção), e o da classe para si (classe dotada de uma “consciência de classe” própria e de uma organização política autônoma = luta de classes), ao qual Lukács, na tradição marxista, ligou seu nome. Isso implica por sua vez:

a) que todo lugar objetivo de classe no processo de produção se traduz necessariamente por efeitos, no que concerna a esta classe, sobre o conjunto de sua determinação estrutural, isto é, igualmente por um lugar específico desta classe nas relações políticas e ideológicas da divisão social do trabalho. Dizer, por exemplo, que existe uma classe operária nas relações econômicas implica necessariamente um lugar um específico desta classe nas relações ideológicas e políticas, mesmo que esta classe possa, em certos países e em certos períodos históricos não ter uma “consciência de classe” própria ou organização política autônoma. Isso significa que, em tais casos, mesmo que ela esteja fortemente contaminada pela ideologia burguesa, sua existência econômica traduz-se por práticas político-ideológicas materiais especígicas que se manifestam sob seu “discurso” burguês: é o que Lenin designava, aliás descritivamente, por instinto de classe. É certo que, para compreender isso, é necessário romper principalmente com toda uma concepção da ideologia como “sistema de ideias” ou “discurso” coerente, e concebê-la como um conjunto de práticas materiais. Tudo isso, que se configura erroneamente contra a série de ideologias da “integração” da classe operária, quer finalmente dizer uma coisa: que não é absolutamente necessário uma “consciência de classe” própria e uma organização política autônoma das classes em luta para que a luta de classes tenha lugar em todos os domínios da realidade social;

b) O que se entende por “consciência de classe” própria e por uma organização política autônoma, isto é, do lado da classe operária, uma ideologia proletária revolucionária e um partido autônomo de luta de classe, tem como campo de aplicação aquele das posições de classe e da conjuntura, constituindo condições de intervenção das classes como forças sociais.

5. O aspecto principalmente de uma análise das classes sociais é bem aquele de seus lugares na luta das classes: não é o dos agentes que as compõem. As classes sociais não são grupos empíricos de indivíduos. As relações desses agentes entre si não são, pois, relações interinvidividuais. O pertencimento de classe dos diversos agentes depende dos lugares de classe que ocupam: é por outro lado distinto da origem de classe – da origem social – desses agentes. A importância destas questões aparecerá nitidamente no problema da reprodução das classes sociais e de seus agentes. Assinalemos no momento:

a) que a questão pertinente que deve ser colocada na relação das classes sociais e de seus agentes não é aquela da classe a que pertence este ou aquele indivíduo determinado (o que importa são os conjuntos sociais), nem aquela faz fronteiras empíricas estatísticas e rígidas dos “grupos sociais” (o que importa são as classes na luta das classes);

b) que a questão primeira, neste sentido, não é a das “desigualdades sociais” entre grupos ou indivíduos: estas desigualdades sociais só são o efeito, sobre os agentes, das classes sociais, isto é, dos lugares objetivos que ocupam, não podendo desaparecer a não ser pela abolição da divisão da sociedade em classes. Para completar, não se trata, em uma sociedade de classe, de uma desigualdade de oportunidades dos “indivíduos”, o que deixa entrever seguramente que oportunidades existem e que elas dependem (ou quase) somente deles, no sentido de que os mais capazes e os melhores poderiam sempre ultrapassar o seu “meio social”.

6. O lugar nas relações econômicas detém, entretanto, o papel principal na determinação das classes sociais. O que se entende na teoria marxista por “econômico”?
A esfera (ou espaço) econômica é determinada pelo processo de produção, e o lugar dos agentes, sua distribuição em classes sociais, pelas relações de produção.
Naturalmente, o econômico não compreende somente a produção, mas também o conjunto do ciclo produção-consumo-repartição do produto social, “momentos” que surgem, na sua unidade, como aqueles do processo de produção. No modo de produção capitalista, trata-se do ciclo global de reprodução do capital social: capital produtivo – capital mercadorias – capital dinheiro. Mas, nesta unidade, é a produção que detém o papel determinante. A distinção, neste nível, das classes sociais, não é, por exemplo, uma distinção baseada na grandeza das rendas, uma distinção entre “ricos” e “pobres”, como acreditava a tradição pré-marxista, ou ainda hoje toda uma série de sociólogos. A distinção real, na grandeza das rendas, é somente uma consequência das relações de produção.
Que significam o processo de produção e as relações de produção que o constituem?
No processo de produção, encontra-se primeiramente o processo de trabalho, que se designa, em geral, a relação do homem com a natureza. Mas este processo de trabalho apresenta-se sempre sob uma forma social historicamente determinada. Ele só é constituído na sua unidade com as relações de produção.
As relações de produção são constituídas, numa sociedade divida em classes, por uma dupla relação que engloba as relações dos homens com a natureza na produção material. As duas relações são relações dos agentes da produção com o objeto e com os meios de trabalho (as forças produtivas) e, assim, por tal distorção, as relações dos homens entre si, as relações de classe.
Estas duas relações referem-se então:

a) à relação do não-trabalhador (proprietário) com o objeto e com os meios de trabalho;
b) à relação do produtor imediato (ou do trabalhador direto) com o objeto e com os meios de trabalho.

Estas duas relações comportam dois aspectos:
a) a propriedade econômica: significa o controle econômico real dos meios de produção, isto é, o poder de afetar os meios de produção para determinadas utilizações e dispor assim dos produtos obtidos;
b) a posse: significa a capacidade de dinamizar os meios de produção, isto é, o domínio do processo de trabalho.

6.1. Em toda sociedade divida em classes, a primeira relação (proprietários/meios de produção) destaca sempre o primeiro aspecto: são os proprietários que detêm o controle real dos meios de produção e, assim, exploram os trabalhadores diretos extorquindo-lhes, sob várias formas, o sobretrabalho.
Mas esta propriedade designa a propriedade econômica real, o controle real dos meios de produção, e se distingue da propriedade jurídica, tal como é consagrada pelo Direito, que é uma superestrutura. Evidentemente, o Direito ratifica em geral a propriedade econômica: mas é possível que as formas de propriedades jurídicas não coincidam com a propriedade econômica real. Neste caso, é esta última que permanece determinante para a delimitação do lugar das classes sociais, ou seja, para aquela da classe dominante-exploradora.

6.2. A segunda relação, a dos produtores diretos – dos trabalhadores – com os meios e com o objeto do trabalho, constitui a relação que determina, no seio das relações de produção, a classe explorada.
Nos modos de produção “pré-capitalistas”, os produtores diretos – os trabalhadores – não estavam inteiramente “separados” dos meios e do objeto do trabalho. Tomemos o caso do modo de produção feudal: se bem que o senhor detivesse ao mesmo tempo a propriedade jurídica e a propriedade econômica da terra, o servo tinha a posse de seu pedaço de terra; encontrava-se protegido pelos costumes, e o senhor não podia despojá-lo pura e simplesmente de seus bens: para que isso se fizesse, foi necessário, na Inglaterra, por exemplo, todo um processo sangrento das enclosures na transição do feudalismo para o capitalismo, que Marx chamou de acumulação primitiva do capital. No caso desses modos de produção, a exploração dominante se fazia pela extração direta do sobretrabalho, sob forma por exemplo de corvéia ou de tributo natural. Isso significa que a propriedade econômica e a posse se distinguiam naquilo em que ambas não dependiam da mesma relação proprietários/meios de produção.
Em contrapartida, no modo de produção capitalista, os produtores diretos – a classe operária – são totalmente desprovidos de seus meios de trabalho, cuja posse pertence ao capital. É esta forma consumada de separação dos trabalhadores de seus meios de produção o que condiciona a aparição do que Marx chama de “trabalhador nu”. O operário só possui sua força de trabalho, que vende (força-trabalho). É esta modificação decisiva do lugar dos produtores diretos nas relações de produção que faz com que o próprio trabalho se torne uma mercadoria, isto é, que determina a generalização da forma comercial e não o inverso: o trabalho como mercadoria não é o efeito da generalização das famosas “relações comerciais”. A extração do sobretrabalho é então feita aqui não diretamente, mas indiretamente, por meio do trabalho incorporado na mercadoria, isto é, pela criação e açambarcamento da mais-valia.

7. Pode-se então observar:
7.1. De um lado, que as relações de produção devem ser apreendidas na articulação das relações que as constituem, na sua unidade com o processo de trabalho: é o que circunscreve a relação de exploração dominante que caracteriza um modo de produção e que determina a classe explorada segundo tal relação dominante. Não poderíamos somente nos ater à relação de propriedade, designando, de alguma forma negativamente, como classe explorada segundo esta relação dominante, todos aqueles que não detêm propriedade econômica, isto é, o conjunto dos não-proprietários. A classe explorada segundo esta relação (a classe explorada fundamental: classe operária no modo de produção capitalista) é aquela que efetiva o trabalho produtivo deste modo de produção: assim, no modo de produção capitalista, nem todos os não-proprietários são operários.

7.2. Por outro lado, o processo de produção não é definido por dados “tecnológicos”, mas pelas relações dos agentes com os meios de trabalho e, assim, entre eles, portanto, pela unidade do processo de trabalho das “forças produtivas” e das relações de produção. Os processos de trabalho e as forças produtivas, inclusiva a “tecnologia”, não existem em si, mas sempr ena relação constitutiva com as relações de produção. Não se pode falar, em sociedades divididas em classes, de trabalho “produtivo” neutro e em si. É trabalho produtivo, em cada modo de produção dividido em classe, o trabalho que corresponde as relações de produção deste modo, isto é, aquele que dá lugar à forma específica e dominante de exploração. Produção, nestas sociedades significa ao mesmo tempo, e num mesmo movimento, divisão de classes, exploração e luta de classes.

8. Segue-se que, sobre o plano econômico, não é o salário que define a classe operária: o salário é uma forma de distribuição do produto social, abrangendo as relações de mercado e as formas de “contrato” de compra e venda da força-trabalho. Se todo operário é assalariado, todo assalariado não é forçosamente um operário, pois todo assalariado não é forçosamente um trabalhador produtivo. Se as classes sociais não são definidas no plano econômico por uma divisão na escala das “rendas” - ricos/pobres – não o são também pela situação de seus agentes na hierarquia de salários. Esta situação assume, certamente, o valor de um indício importante da determinação de classe, sendo dela somente o efeito, como é aliás o caso do que geralmente designa como desigualdades sociais: a “divisão dos benefícios”, a distribuição das rendas, a fiscalização etc. Assim como outras desigualdades sociais, a hierarquia de salários não constitui também uma escala ou escada unilinear, contínua e homogênea, em pirâmide ou degraus onde se situariam indivíduos ou grupos, grupos “superiores” aos grupos “inferiores”: ela constitui o efeito das barreiras de classe;
[…]
11. A teoria marxista das classes sociais distingue igualmente frações e camadas de classe, segundo as diversas classes, a partir da diferenciação no econômico e no papel, todo particular, das relações políticas e ideológicas. Esta teoria distingue também categorias sociais, delimitadas principalmente pelo seu lugar nas relações políticas e ideológicas: é o caso para a burocracia de Estado, delimitada pela sua relação com os aparelhos de Estado, e para os intelectuais, definidos pelo seu papel na elaboração e de realização da ideologia. Essas diferenciações, para as quais a referência com as relações políticas e ideológicas é sempre indispensável, tem uma grande importância, pois estas frações, camadas e categorias podem frequentemente, segundo as conjunturas concretas, assumir um papel de forças sociais relativamente autônomas.
Isso não significa que se trate, contudo, de “grupos sociais” exteriores, ao lado ou acima das classes.. As frações são frações de classe: a burguesia comercial, por exemplo, é uma fração da burguesia; também a aristocracia operária é uma camada da classe operária. As próprias categorias sociais tem pertencimento de classe: seus agentes dependem em geral de várias classes sociais.
Encontra-se aí um dos pontos essenciais de diferença entre a teoria marxista e as diversas ideologias da estratificação social, ideologias dominantes na sociologia atual: segundo estas, as classes sociais – todos os sociólogos atuais admitem sua existência – só seriam uma das classificações, parcial e regional (referentes, sobretudo e unicamente, ao nível econômico) de uma estratificação mais geral. Tal estratificação daria lugar, nas relações políticas e ideológicas, a grupos sociais paralelos e exteriores às classes, os quais a elas se superporiam. Max Weber já demonstrara o caminho, e só resta assinalar as diversas correntes das “elites” políticas.

12. A articulação da determinação estrutural de classe e as posições de classe no seio de uma formação social, lugar de existência das conjunturas, requer conceitos particulares. Trata-se daquilo que chamarei de conceitos de estratégia, abrangendo principalmente os fenômenos de polarização e de alianças de classes. É entre outros o caso, ao lado da dominação de classe, do conceito de “bloco no poder”, designando uma aliança específica das classes e frações de classe dominantes; é também o caso, ao lado das classes dominadas, do conceito de “povo”, designando uma aliança específica destas. Esses conceitos não tem o mesmo estatuto que aqueles que foram tratado até aqui: uma classe, fração ou camada pode ou não, segundo as formações sociais, seus estádios e fases e suas conjunturas, fazer parte do bloco no poder, e pode ou não fazer parte do povo. Mas isso indica também que essas classes, frações ou camadas, fazendo parte das alianças, não perdem absolutamente, neste caso, sua determinação de classe dissolvendo-se num amontoado indistinto de alianças-fusões. Para citar somente o exemplo do povo, as classes e frações que dele fazem parte mantem sua própria determinação de classe: quando a burguesia nacional faz parte do povo, permanece entretanto burguesia (contradições no seio do povo); estas classes e frações aí não se dissolvem, como deixaria entrever certo emprego idealista do termo “massas populares”, ou o próprio termo “classe dos assalariados”.

Tudo o que vos disseram sobre o comunismo é falso: O capitalismo é um fracasso, A revolução é a solução (Partes 1 a 4) - Raymond Lotta

autor do texto


Texto abaixo retirado do site http://paginavermelha.org/, tradutores para português do texto original.

Revolution #257, 29 de Janeiro de 2012 

Nota dos Editores: O jornal Revolution (revcom.us) inicia neste número a publicação da importante conferência que Raymond Lotta deu durante a sua digressão pelas universidades norte-americanas em 2009-10. Esta versão da conferência, proferida na Universidade de Harvard em Abril de 2010, foi ligeiramente editada e foram acrescentadas notas para a versão impressa. As Partes 1, 2, 3 e 4 foram publicadas nas edições nos. 257 a 260 do Revolution, entre 29 de Janeiro e 19 de Fevereiro de 2012.

1ª Parte

É com muito gosto que estou em Harvard para falar convosco sobre os comunismo. A minha conferência tem cinco temas principais:
  • Como é que a actual atmosfera intelectual e académica restringe e mutila o discurso do que é possível fazer no mundo.
  • O que são de facto o socialismo e o comunismo – e o que não são.
  • Como o que «todos sabemos», bem como a erudição académica «de última geração» sobre a experiência das revoluções socialistas do século XX, são propagadas com distorções e mentiras... e como isso retira às pessoas a capacidade de compreensão.
  • Um olhar sobre a mais importante experiência revolucionária até hoje, a Revolução Cultural na China: os seus objectivos, os seus êxitos e as suas limitações.
  • Como é que a nova síntese de Bob Avakian permite que a humanidade vá mais longe e faça melhor a revolução socialista no mundo de hoje.
Espero que daqui resulte uma vigorosa e frutuosa troca de perguntas e respostas. Por isso, deixem-me começar.

Introdução: A ignorância institucionalizada


V. I. Lenine

Vladimir Ilitch Lenine, líder da Revolução Russa, dirige-se às massas
Imaginem-se numa situação em que os creacionistas fundamentalistas cristãos tinham tomado o poder global e que depois tinham suprimido todo o conhecimento sobre a evolução. Imaginem que eles tinham mesmo chegado a executar e encarcerar os mais proeminentes cientistas e professores que insistiam em ensinar a evolução e em levá-la ao conhecimento público. E que tinham caluniado e denunciado o facto bem estabelecida da evolução, criticando-o e ridicularizando-o como teoria distorcida e perigosa que contradiz a «verdade» bem conhecida da história bíblica da criação e as noções religiosas de «lei natural» e «ordem divina». Para continuarmos a analogia, imaginem que, nesta situação, muitas «autoridades» intelectuais, juntamente com outras pessoas que seguem na sua esteira, apanham o comboio e dizem coisas como: «não só foi ingenuidade como foi mesmo criminoso acreditar que a evolução era uma teoria científica bem documentada, não devíamos ter imposto essa convicção às pessoas». E que algumas autoridades intelectuais faziam declarações como: «Mas agora podemos ver que é ‘conhecimento comum’, que ninguém questiona – e que nós também não questionaremos; podemos ver que é conhecimento comum que a evolução encarna uma certa visão do mundo e leva a actos desastrosos para os seres humanos. Fomos enganados pela garantia arrogante dos que propagaram essa noção. Podemos ver que tudo o que existe, ou existiu, não poderia ter sido criado sem a mão guiadora de um ‘projectista inteligente’.»
Continuando nesta «experiência conceptual», suponhamos que, nesta situação, há mesmo muitos intelectuais progressistas e radicais que ficam desorientados e desmoralizados. E que são intimidados ao silêncio.[1]
Bem, isto é uma analogia com a situação que existe na vida e no discurso intelectual em relação ao comunismo. É agora aceite sem discussão o veredicto de que o comunismo é um fracasso. Pensadores radicais que antes contestavam as mentiras anticomunistas e que abriam os seus olhos e os dos estudantes para a experiência actual e libertadora da revolução comunista – muitos desses académicos progressistas aceitaram esse veredicto sem reflexão.
Vejam que, nos anos 1960, o mundo fervilhava com a revolução. A revolução chinesa inspirou pessoas em todo o mundo. Os movimentos mais revolucionários e de maior alcance dos anos 1960 – seja o dos Panteras Pretas ou os de libertação feminina radical – foram influenciados pela revolução comunista, e sobretudo pela Revolução Cultural na China. E isso teve um impacto nas universidades – incluindo aqui mesmo em Harvard – na forma como as pessoas viam as suas vidas e o significado e os objectivos do trabalho intelectual. Mas desde a derrota da revolução na China em 1976, já lá vão quase 35 anos, tem havido uma ofensiva ideológica incessante contra a revolução comunista. E isto tem tido importantes consequências.
Eu sei que há pessoas nesta sala que querem fazer algo de significativo com as suas vidas em benefício da humanidade. Talvez alguns de vós queiram dedicar as vossas energias à resolução da emergência ambiental que enfrentamos... ou a ensinar nas zonas urbanas marginalizadas... ou a explorar através das artes na esfera da imaginação e da metáfora como é que as pessoas são e poderiam ser, e como é que o mundo é e poderia ser.
Mas, independentemente das vossas paixões e convicções, este sistema tem a sua própria lógica que tudo molda. Estou a falar de um sistema que funciona na base do lucro. Estou a falar de uma economia que é a base de um império: um sistema global de exploração em que os Estados Unidos se arrogam para si próprios o «direito» de fazerem a guerra e de invadirem e ocuparem outros países. Estou a falar de um sistema económico protegido por instituições governamentais e por uma máquina militar de morte e destruição. Estou a falar dos valores e ideias que são promovidos nesta sociedade.
Vocês sabem que é urgente tomar medidas radicais para inverter a catástrofe ambiental iminente. Mas o que se faz – na realidade o que não se faz para enfrentar a emergência ambiental, de que a Cimeira de Copenhaga é o mais recente exemplo indigno – é movido e limitado pelos mecanismos do mercado mundial capitalista... pelo equil]ibrio financeiro capitalista... e pelas relações de poder e lutas de poder entre os Estados Unidos e as outras grandes potências opressoras.
Vocês querem ensinar «verdades incómodas» sobre a verdadeira história da América e o seu papel no mundo? Bem, devem fazê-lo, mas irão ser pressionados e ameaçados e provavelmente irão ficar sem emprego. Se uma mulher quiser romper com as convenções e os estereótipos, irá enfrentar toda uma vida de olhares ameaçadores, ameaças físicas e imagens sexuais degradantes que reflectem e reforçam as tradições escravizadoras e a subordinação.

Manifestação na Nevsky Prospekt

Manifestação na Nevsky Prospekt, São Petersburgo, Julho de 1917, um dos muitos levantamentos das massas que precederam a Revolução
de Outubro na Rússia
(Foto: Rheta Louise Childe Dorr)
Nós precisamos de um sistema diferente. A humanidade precisa de uma «revolução total»: na economia, na política, na cultura e na moral. E a verdade é que nós podemos criar um mundo sem exploração onde a humanidade pode florescer. Mas, e isto é uma cruel ironia, precisamente numa altura em que o capitalismo está em crise, quando toda a sua irracionalidade e o sofrimento que inflige se estão a intensificar exponencialmente – neste preciso momento, dizem-nos: «não é possível ir além do capitalismo; o melhor que podemos fazer são pequenos ajustes dentro dos seus limites». É como se tivesse sido afixado uma etiqueta de aviso quanto ao discurso sobre a possibilidade humana. Perigo - tudo o que desafie o capitalismo de uma forma fundamental é, no melhor dos casos, um sonho impossível e, no pior, uma utopia impraticável imposta de cima que resultará num pesadelo. Atenção - o projecto de fazer a revolução e construir uma economia e uma sociedade que promovam e sirvam o bem comum contradiz a natureza humana, a lógica económica e o próprio curso da história. Alerta - chegámos ao fim da história: a sociedade ocidental representa o ponto supremo e final do desenvolvimento humano.
Na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), na de Nova Iorque (NYU) e na de Chicago distribuímos um questionário de escolha múltipla sobre factos básicos relativos ao comunismo. Não eram coisas obscuras nem enigmáticas. Fizémos perguntas como: durante os anos 1930 qual foi o único país da Europa de Leste que se ergueu contra o anti-semitismo? A resposta é a União Soviética.[2] Perguntámos: nos anos 1960 qual foi o único país do mundo em que o governo e os líderes apelaram às pessoas que se revoltassem contra a autoridade institucional opressora? A resposta é a China maoista.[3] Os resultados das respostas foram péssimos – a pontuação média do teste foi de cerca de 58 em 100. Por outras palavras, as pessoas reprovaram.
Isto é uma vergonha. Porque no século XX aconteceu algo histórico a nível mundial e as pessoas não sabem o mais básico sobre isso. As primeiras sociedades socialistas forjaram-se através de revoluções monumentais, do levantamento dos miseráveis da Terra: na União Soviética entre 1917 e 1956 e na China entre 1949 e 1976. Estas foram as primeiras tentativas na história moderna de criar sociedades livres da exploração e da opressão – o socialismo. E a experiência dessas revoluções... muda tudo. O mundo não tem de ser desta maneira e nós podemos conseguir mais e melhor numa nova vaga da revolução.

O socialismo e o comunismo explicados

Então, o que é o socialismo? Clarifiquemos alguma da confusão. O socialismo não é apenas a propriedade governamental de algumas empresas ou uma ou outra regulação governamental – todos os governos capitalistas o fazem. E o socialismo não é o que Obama está a fazer – Obama não é socialista.
Na realidade, o socialismo consiste em três coisas:
Primeiro, o socialismo é uma nova forma de poder político em que os que antes eram oprimidos e explorados, em aliança com as classes médias e profissionais e a grande maioria da sociedade, governam a sociedade sob a liderança de um partido visionário de vanguarda. Esta nova forma de poder de estado mantém refreados tanto os velhos como os novos exploradores. Ela torna possível uma democracia que: (a) liberta a criatividade e a iniciativa das pessoas em todo o tipo de direcções e (b) dá às massas populares o direito e a capacidade de mudarem o mundo e de se envolverem num processo de decisão com sentido que promove um debate de maior alcance e protege os direitos individuais. Este novo estado socialista de que estou a falar serve de plataforma de lançamento para a revolução em todo o mundo
Segundo, o socialismo é um novo sistema económico onde os recursos e as capacidades produtivas da sociedade são propriedade social através da coordenação do estado socialista. Nele, a produção é organizada e planificada de uma forma consciente para satisfazer as necessidades sociais e para eliminar as desigualdades da sociedade capitalista de classes – tais como a opressão das nacionalidades minoritárias e a subordinação da mulher. É uma economia organizada para promover a revolução no mundo e proteger o planeta. A exploração e a supremacia do lucro deixarão de reger a sociedade e a vida das pessoas. Já não serão as grandes empresas farmacêuticas e os conglomerados financeiro-seguradores a determinar as condições de fornecimento de cuidados de saúde e a investigação médica. Deixarão de existir. Também deixará de haver uma General Motors e uma Boeing a enviesarem o desenvolvimento dos transportes e a produção de energia com o objectivo do lucro.
Terceiro, o socialismo é um período histórico de transição entre o capitalismo e o comunismo, um período de luta e experimentação revolucionária para transformar todas as estruturas económicas, todas as instituições e arranjos sociais e todas as ideias e valores que perpetuam a divisão da sociedade em classes.

Tropas imperialisas em Vladivostok

Tropas das grandes potências imperialisas (EUA, Grã-Bretanha e Japão) em parada em Vladivostok em 1917 em apoio ao Exército Branco que tentou esmagar a Revolução Russa (Foto: Albert Rhys Williams)
E o que é o comunismo? Aqui, quero ler-vos parte da declaração «A Revolução de que precisamos... A liderança que temos», do Partido Comunista Revolucionário:
O comunismo [é] um mundo em que as pessoas trabalham e lutam juntas pelo bem comum... em que todas as pessoas contribuem para a sociedade tudo o que podem e recebem tudo o que precisam para viverem uma vida digna de seres humanos... em que deixa de haver divisões entre as pessoas em que algumas dominam e oprimem as outras, roubando-lhes não só os meios para terem uma vida decente, mas também o conhecimento e os meios para realmente compreenderem o mundo e agirem para o mudar.[4]
As revoluções na Rússia e na China, durante o que equivale a um «nanossegundo» na história humana, conseguiram fazer coisas surpreendentes no caminho que eu estou a descrever. Claro, não sem problemas e insuficiências sérias... mas, durante o tempo em que existiram, estas revoluções consseguiram grandes feitos, apesar dos grandes obstáculos.
Porque é que os obstáculos eram tão grandes? Em primeiro lugar, porque os imperialistas trabalharam sem cessar para esmagarem essas revoluções. As revoluções socialistas do século XX tornaram-se numa ameaça mortal (e, claro, moral) à ordem global estabelecida de exploração, privilégios e desigualdade. Elas abriram à humanidade novas possibilidades e novos caminhos para concretizar essas possibilidades.
Os imperialistas não andaram a dizer a Lenine ou a Mao: «Ah, vocês querem tentar criar uma nova sociedade baseada na cooperação, querem criar uma economia planificada baseada em dar prioridade a satisfação das necessidades humanas, querem resolver os problemas da saúde e da educação e vão tentar fazer com que os que estão no fundo da sociedade a administrem cada vez mais. Muito bem, porque não tentam fazê-lo durante vinte anos e depois comparamos os resultados? Veremos então qual dos sistemas funciona melhor.»
Não! As potências capitalisto-imperialistas cercaram, pressionaram e tentaram estrangular essas revoluções. Poucos meses após a vitória da revolução bolchevique de Outubro de 1917, França, Inglaterra, Japão, Estados Unidos e mais treze potências enviaram dinheiro, armamento e tropas em socorro às forças contra-revolucionarias na Rússia que pretendiam restaurar a velha ordem de exploração e obscurantismo religioso.
Quantos de vocês sabem que o primeiro embargo de petróleo do mundo foi aplicado contra a revolução soviética? Quantos de vocês sabem que durante todo o período entre 1917 e 1950 a nova sociedade socialista da União Soviética ou estava a preparar-se para a guerra, ou a fazer a guerra, ou a recuperar dos danos da guerra?
Ou então considerem as circunstâncias que a revolução chinesa enfrentou após a sua chegada ao poder em 1949. Passado apenas um ano, as tropas norte-americanas estavam a subir pela península coreana acima e a ameaçar invadir a própria China. Quantos de vocês sabem que, no início dos anos 1950, o presidente norte-americano Eisenhower, no seu discurso sobre o estado da Nação, fez ameaças nucleares veladas e que os imperialistas norte-americanos desenvolveram planos militares para desencadearem ataques nucleares contra a nova República Popular da China?[5] Esta é a verdade histórica.
Foi nestas circunstâncias históricas que milhões de pessoas na União Soviética e na China fizeram a revolução e iniciaram profundas mudanças nas suas condições de vida e na sua forma de pensar. E uma outra razão porque elas enfrentaram grande obstáculos foi que essas revoluções não se desenvolveram no vácuo. Elas ocorreram, tal como as futuras revoluções, em sociedades que ainda continham as cicatrizes e as influências da velha ordem social, incluindo as divisões de classes, juntamente com as ideias e tradições do passado. Tudo isto também faz parte da realidade e dos desafios de fazer a revolução.
É isto que vocês têm andado a aprender sobre a história do século XX? Será que vocês aprendem que nos anos 1920 – num período em que nos Estados Unidos os negros eram linchados e em que um dos maiores êxitos da cultura norte-americanao era o filme racista Nascimento de uma Nação, que exalta o Ku Klux Klan – será que vocês aprendem que na União Soviética estava a acontecer algo totalmente diferente? Nesse mesmo período, na União Soviética estavam a ser feitos enormes esforços para eliminar a desigualdade entre as nacionalidades.
A nova sociedade socialista estava a levar a cabo uma luta contra o chauvinismo histórico da nacionalidade russa predominante. Estavam a ser canalizados recursos económicos e técnicos para as regiões com grandes concentrações de nacionalidades minoritárias. O novo estado soviético estabeleceu formas de governo autónomo nessas regiões que permitiram que os povos dessas regiões se encarregassem da sua administração. Promoveu a igualdade de idiomas e chegou mesmo a desenvolver formas escritas dos idiomas que antes não as tinham.[6]
Isso foi um surpreendente mar de mudanças. Reparem que, antes da revolução bolchevique, a Rússia era conhecida como uma «prisão de nações», tristemente famosa pelos pogroms contra os judeus e pela submissão de nações inteiras. Era uma sociedade em que, antes da revolução, certas nacionalidades minoritárias estavam proibidas de usar os seus próprios idiomas nativos nas escolas.
A maioria de vocês não sabe isto porque este conhecimento foi afastado do mundo académico e da sociedade. Vocês estão cercados e é-vos inculcada a narrativa oficial de que nada de bom resultou dessas revoluções – que elas falharam e não poderiam senão falhar.

2ª Parte – As mentiras e os métodos por trás das mentiras


Mao proclama a República Popular da China
Mao Tsé-tung proclama a fundação da República Popular da China
na Praça de Tiananmen em Pequim a 1 de Outubro de 1949
Há um pequeno problema com isto do «que todos sabemos» sobre o comunismo. Baseia-se na distorção integral da verdadeira história da revolução socialista; baseia-se em mentiras descaradas. Devo dizer que é surpreendente o que passa como sendo rigor intelectual quando se trata do comunismo. E, tristemente, tanbém é surpreendente o que aceitam pessoas que se dizem intelectualmente escrupulosas.
Eu quero desconstruir três exemplos típicos de alto perfil e grande impacto daquilo de que estou a falar.

Chang/Halliday distorcem totalmente o significado das palavras de Mao

Comecemos pelo livro Mao: A História Desconhecida, de Jung Chang e Jon Halliday. O livro tem sido apresentado como a biografia definitiva de Mao Tsé-tung e esteve na lista dos livros mais vendidos do jornal The New York Times. Jung Chang e Jon Halliday querem que vocês acreditem que Mao era um hedonista cínico que assassinou dez vezes mais inocentes que Hitler. Insistem que ele era um assassino a sangue-frio – mas como não podem substanciar isso com factos, encheram o livro de mentiras e distorções.
Vejamos o Capítulo 40 do livro, que trata do ano de 1958. Tem o seguinte cabeçalho em cada página: «O Grande Salto: ‘Metade da população da China pode ter de morrer’».[7] Chang e Halliday estão a citar um discurso de Mao em Novembro de 1958 em que ele disse: «metade da população da China pode ter de morrer».
Eles fazem essa citação como prova de que Mao não se preocupava com a vida humana: que deixaria metade da população da China morrer para concretizar uma visão alucinada de uma nova sociedade. Mas quando se lê o discurso de Mao, o que ele na realidade está a dizer é o oposto:
«Na construção das obras de irrigação, entre o inverno passado e esta primavera, removemos mais de 50 mil milhões de metros cúbicos de terra e pedras a nível nacional, mas entre este inverno e a próxima primavera queremos remover 190 mil milhões de metros cúbicos a nível nacional, um aumento bastante maior que para o triplo. Teremos de lidar com todo o tipo de trabalhos: aço, cobre, alumínio, carvão, transporte, as indústrias de processamento, a industria química – [todos] requerendo muita gente. Neste tipo de situação, acho que se fizermos [tudo isto em simultâneo] indiscutivelmente metade da população da China acabará por morrer; e se não for metade, será um terço ou dez por cento, ou seja 50 milhões de pessoas mortas... Anhui quer fazer tantas coisas, é muito correcto fazer-se muito, mas tomem como princípio que isso não cause nenhuma morte.»[8]
Mao está a salientar que o plano económico está a tentar fazer demasiados grandes projectos de uma só vez, e que a insistir-se nesse plano, bem... «indiscutivelmente metade da população da China acabará por morrer» – e nós não queremos isso! Ele está a avisar contra o excesso de entusiasmo – porque isso pode levar ao excesso de trabalho, esgotamento e mortes – e Mao está a fazê-lo de uma forma altamente dramática.
Portanto, Chang e Halliday retiraram a frase de Mao completamente fora do seu contexto e inverteram o seu significado. Mentiram. Isto em si mesmo já seria suficientemente mau. Mas esta mentira é repetida em análises, jornais e blogues. Propaga-se e é citada tão frequentemente que se está a tornar num facto estabelecido. A seguir ninguém tem de provar nada. É um caso encerrado: Mao era pior que Hitler. Isto é inacreditavelmente desonesto e perverso. E no entanto passa por erudição.

A desastrada erudição de MacFarquhar convertida em verdade

Deixem-me passar agora a uma prestigiada fonte académica com um verniz de rigor erudito. Estou a falar do livro Mao's Last Revolution [A Última Revolução de Mao], de Roderick MacFarquhar, o muito conhecido estudioso da China aqui em Harvard, e Michael Schoenhals. Este livro foi publicado em 2006 e tem sido amplamente considerado como o relato «definitivo» da Revolução Cultural.
MacFarquhar descreve o contexto em que Mao desencadeou a Revolução Cultural. Eis como o faz: «Vários comentários indicam que Mao ansiava por uma medida de terror catalítico para iniciar a Revolução Cultural. Ele não teve nenhum escrúpulo em tomar vidas humanas. Numa conversa com pessoas da sua confiança numa fase posterior da Revolução Cultural, o Presidente chegou a dar a entender que o sinal de um verdadeiro revolucionário era justamente o seu intenso desejo de matar». E então MacFarquhar apresenta esta alegada declaração de Mao: «Esse homem, Hitler, era ainda mais cruel. Quanto mais cruel melhor, não acham? Quanto mais pessoas se mata, mais revolucionário se é.»[9]

Comunistas em Pequim

Militantes comunistas entram em Pequim durante a Revolução Cultural
Bem, isto é uma declaração muito sórdida. Por isso, fui às notas e fontes no fim do livro e deixem-me dizer-lhes o que diz a nota: «De uma fonte muito fidedigna vista por um dos autores».[10] Será possível acreditar nisto? Ele está supostamente a citar provas do apetite por sangue que alegadamente motivaram Mao e a Revolução Cultural. E é esta a documentação que MacFarquhar oferece? Parem e pensem nesta afronta intelectual. Fornece-se às pessoas provas de que Mao era um monstro com base num rumor totalmente inverificado e inverificável. É escandaloso. É o clássico «confiem em mim, não vos posso fornecer o discurso, a conversa ou o artigo... mas confiem em mim, é fidedigno». Faz lembrar George Bush ao desencadear a guerra no Iraque: «Vejam, Sadaam Hussein está a desenvolver armas de destruição em massa. Não posso divulgar as provas, mas confiem em mim, as minhas fontes são fidedignas.» É um rumor mascarado de algo sólido e incriminatório.
E, a partir daqui, esta declaração, que não pode ser atribuída a Mao com realismo ou possibilidade de prova, nem citada em nenhum contexto significativo, é repetida na comunicação social estabelecida e por outros senhores do mundo académico. Andrew Nathan, um conhecido liberal estudioso da China, professor na Universidade de Columbia, incluiu essa declaração atribuída a Mao na sua recensão crítica do livro na revista The New Republic.[11] Eu segui o rasto da recensão de Nathan, e ela foi reproduzida em diferentes blogues e sítios de recensão de livros.
Suponhamos agora que um de vocês na audiência está a tentar aprender sobre a Revolução Cultural e vai à Wikipedia. Bem, na entrada sobre a Revolução Cultural, encontrarão a seguinte declaração de Mao Tsé-tung, apresentada como parte das orientações de Mao para a Revolução Cultural: «Quanto mais pessoas se mata, mais revolucionário se é». E qual é a fonte? Adivinharam: Roderick MacFarquhar, essa eminência parda dos estudos chineses.[12]
A minha pergunta é: porque é que todos esses outros estudiosos não escrutinaram essa nota, em vez de repetirem essa calúnia sensacionalista sobre Mao? Porque eles não se sentem obrigados a provar nada: o projecto comunista foi declarado um desastre e um horror. E muitos desses e outros ditos estudiosos têm participado no tecer de uma narrativa das revoluções bolchevique e chinesa baseada em distorções e deturpações semelhantes sobre o que essas revoluções pretendiam fazer, o que essas sociedades socialistas de facto conseguiram e quais as verdadeiras dificuldades e desafios que enfrentaram.
Eu fiz um desafio público a Roderick MacFarquhar para um debate (o meu desafio menciona essa nota no final do livro) – e os organizadores da minha digressão transformaram-no num anúncio pago e submeteram-no a semana passada ao Harvard Crimson.[13] Mas, adivinhem o que se passou? O presidente do Crimson recusou-se a publicar o anúncio, dizendo que era «demasiado controverso». Duh!
Onde estão os académicos progressistas? Porque não estão a denunciar tudo isto? Porque muitos deles aceitaram esses veredictos, num ambiente de ataque impiedoso ao projecto comunista – enquanto outros ficaram intimidados por aquilo «que todos sabemos» e por aquilo que se tornou na norma do discurso intelectual: antes que se possa falar sequer em socialismo, mesmo que de uma forma positiva, é preciso negar a experiência das revoluções socialistas do século XX.

Entra Naomi Klein

Na realidade, estas distorções anticomunistas impregnam profundamente o pensamento político progressista. Veja-se o caso da activista e crítica social Naomi Klein. Aqui, vou basear-me na análise de Bob Avakian publicada no jornal Revolution.[14] Nas primeiras páginas do livro dela, A Doutrina do Choque, Klein descreve a situação nos Estados Unidos após o 11 de Setembro e a forma como a administração Bush a explorou.
Klein escreve: «De repente, descobrimo-nos a viver numa espécie de Ano Zero em que tudo o que sabíamos acerca do mundo antes podia agora ser ignorado como ‘pensamento pré-11 de Setembro’.» E ela tem razão quanto a isto. Mas depois usa a seguinte analogia: «Ainda que nunca tenhamos sido fortes no nosso conhecimento de história, os Estados Unidos converteram-se numa tábua rasa – numa ‘folha de papel em branco’ em que ‘podem ser escritas as mais novas e mais belas das palavras’, como Mao disse do seu povo.[15] Klein está de facto a citar um pequeno ensaio de 1958 de Mao intitulado «Apresentação de uma Cooperativa». Mas ela retira essa passagem totalmente do contexto para fazer parecer que se refere ao controlo da mente de massas não educadas por parte de líderes totalitários.
Vejamos o que de facto disse Mao:

Manifestação em Shenyang em 1968

Manifestação em Shenyang em 1968 de apoio ao movimento de massas de incentivo aos estudantes e ex-Guardas Vermelhos a irem viver nos campos
«Além das suas outras características, uma coisa marcante que distingue os 600 milhões de habitantes da China é que eles são ‘pobres e em branco’. Isto pode parecer uma coisa má, mas na realidade é uma coisa boa. A pobreza dá lugar ao desejo de mudança, de acção e de revolução. Numa folha de papel em branco, livre de qualquer marca, pode escrever-se os mais frescos e mais bonitos dos caracteres, pode pintar-se as mais frescas e mais bonitas das imagens».[16] E de seguida Mao salienta que as massas estão de facto a usar cartazes com grandes caracteres nas cidades e nos campos para levarem a cabo o debate e a luta ideológica em massas – e diz que isto é um grande antídoto ao «marasmo» da sociedade. Por outras palavras, Mao não estava a dizer, «oh óptimo, os camponeses são apenas uma massa de betume que nós os líderes podemos moldar como quisermos». Estava a dizer o oposto do que Klein sugere. Estava a dizer que serem «pobres e em branco» faz com que as pessoas não só queiram uma mudança radical como sejam capazes de tomar a iniciativa de lutar por essa mudança radical. E é claro, quando se lê esse ensaio, que Mao está a dizer que os «mais frescos e mais bonitos dos caracteres» e as «mais frescas e mais bonitas das pinturas» estão a ser escritos e pintados pelos próprios camponeses – e que, sim, isso está a acontecer com uma liderança comunista.
No início do ensaio, Mao observa: «Nunca antes as massas populares estiveram tão inspiradas, tão militantes e tão audazes como agora». «Inspirados», «militantes» e «audazes»: não é exactamente este o mundo em que George Bush ou Barack Obama querem que vivamos! Nem é o estereótipo que Klein insinua, de líderes comunistas que transformam as pessoas em robôs inconscientes.
Eis aqui três exemplos diferentes de propagação de estrondosas mentiras e distorções que reforçam a ignorância sobre o comunismo: desde os autores reaccionários de Mao: A História Desconhecida; ao A Última Revolução de Mao do liberal anticomunista Roderick MacFarquhar; e à crítica social progressista Naomi Klein no seu livro  Doutrina do Choque. Como tenho vindo a salientar, os efeitos disto não podem ser subestimados: uma redução de pontos de vista, toda uma geração de jovens a quem é roubado conhecimento.

3ª Parte – A Revolução Cultural na China: O que realmente foi

No resto desta conferência, irei utilizar o documento Comunismo: O Início de uma Nova Fase, Um Manifesto do Partido Comunista Revolucionário dos EUA.[17] Este Manifesto faz um resumo da história da revolução comunista até agora, dos seus avanços e das suas lições. Explica como o comunismo evoluiu enquanto ciência viva, criativa e flexível, desde o seu início com Marx, passando por Lenine, até Mao e Bob Avakian. Este Manifesto fornece um enquadramento para o inicio de uma nova fase da revolução comunista. E deixem-me acrescentar que ninguém se pode considerar informado e actualizado sobre o pensamento humano emancipador se ainda não leu este Manifesto.
Agora, uma das coisas que ouvimos muito frequentemente ao discutirmos o comunismo com estudantes é o seguinte: «bem, pode ser uma boa ideia, mas na prática não funciona». Quero responder a isto, voltando justamente à Revolução Cultural e entrando naquilo que foi e no que conseguiu.

Algum enquadramento histórico

A Revolução Cultural de 1966-76 foi o ponto mais alto das revoluções socialistas do século XX e de toda a primeira fase da revolução comunista, iniciada com a Comuna de Paris. A Revolução Cultural foi a luta mais radical e de maior alcance da história humana pela eliminação da exploração e da opressão e para mudar a sociedade e criar novos valores e novas formas de pensar.[18]
Mas a «narrativa dominante» burguesa é que a Revolução Cultural foi uma purga vingativa dos seus opositores por parte de um Mao sedento de poder: uma orgia de violência sem sentido e de perseguição generalizada que mergulhou a China numa década de caos. Não há uma pinga de verdade nesta narrativa. Mas antes de eu entrar directamente nisso, quero enquadrar a Revolução Cultural falando um pouco sobre a sociedade chinesa antes da revolução de 1949.
A vasta maioria dos habitantes da China eram camponeses que trabalhavam a terra, mas que tinham pouca ou nenhuma terra própria. Viviam sob o domínio de proprietários rurais que controlavam a economia local e as vidas das pessoas. Os camponeses lutavam desesperadamente pela sobrevivência. Nos piores anos, muitos deles tinham de comer folhas e cascas de árvores, e não era incomum as famílias camponesas verem-se obrigadas a vender os filhos para pagarem as suas dívidas. A agricultura estava infestada de ciclos infindáveis de inundações e secas e fome. Para as mulheres, a sua existência era um inferno em vida: espancamentos pelos maridos, pés dolorosamente atados, casamentos arranjados e as jovens forçadas a tornar-se concubinas dos proprietários rurais e dos senhores da guerra.
Na maior cidade da China, Xangai, estima-se que as brigadas municipais de saúde pública recolhiam 25 000 cadáveres das ruas por ano. Ao mesmo tempo, os bairros controlados por estrangeiros resplandeciam. Num país com 500 milhões de habitantes, só havia 12 000 médicos treinados em medicina moderna e morriam 4 milhões de pessoas por ano devido a doenças epidémicas ou infecciosas.[19]
É por coisas destas que as pessoas fazem revoluções. Foi por isto que milhões de pessoas na China participaram conscientemente na luta liderada por Mao pela tomada do poder de estado e pela criação de uma nova sociedade.

Distorções comuns sobre a Revolução Cultural


Médicos pés-descalços

Cartaz chinês da Revolução Cultural com as frases:
«Destruir o velho mundo. Construir o novo mundo», 1966.
1ª Distorção: Os chamados peritos na China como Roderick MacFarquhar falam na obsessão de Mao com a revolução, com o combate ao revisionismo e o impedir a contra-revolução, como se Mao estivesse a imaginar ou a manipular os inimigos para satisfazer os seus caprichos políticos. A verdade é que a revolução de 1949 acabou com o domínio estrangeiro, os grandes capitalistas e os grandes proprietários rurais. Mas, logo desde o inicio, houve importantes forças nessa revolução cuja perspectiva da sociedade não passava de transformar a China numa grande potência industrial que tivesse o seu lugar na economia mundial e no sistema internacional de estados-nações. Essas forças converteram-se numa nova classe capitalista centrada no interior do Partido Comunista da China e do estado e, por volta de meados dos anos 1960, estavam a posicionar-se para tomarem o poder. Os seus líderes, como Liu Shaoqi e Deng Xiaoping, tinham objectivos coerentes e um programa coerente para a China: acabar com o socialismo, restaurar a exploração em nome da eficiência e abrir a China ao capital estrangeiro em nome da interacção com o mundo moderno. Foi por isto que Mao advertiu contra o revisionismo, que é um programa e um ponto de vista capitalista expressos numa terminologia marxista.
2ª Distorção: Os relatos burgueses descrevem a Revolução Cultural como uma horrível tentativa de Mao de incentivar as pessoas à histeria generalizada.
A verdade é que a Revolução Cultural foi um levantamento popular revolucionário em que participaram centenas de milhões de pessoas numa profunda e intensa luta sobre o rumo da sociedade:
Iria a China socialista avançar na via socialista para o comunismo: para uma comunidade mundial da humanidade sem classes, onde tenham sido eliminadas todas as formas de exploração e desigualdade social, onde o homem tenha deixado de dominar a mulher, onde já não existam nações dominantes e nações dominadas e em que o próprio mundo já não esteja dividido em nações, onde tenha sido eliminada a divisão da sociedade entre os que trabalham sobretudo com as suas mãos e os que trabalham sobretudo na esfera das ideias, onde já não seja necessário um estado para impôr o domínio de um grupo da sociedade sobre o outro?
Ou iria a China socialista tomar a via capitalista de regresso à exploração intensa, à aglomeração nas cidades de migrantes desesperados à procura de trabalho, à subordinação da mulher e ao ressurgir da prostituição e da objectificação da mulher – em suma, iria a China tornar-se na China de hoje?
3ª Distorção: A narrativa burguesa sobre a Revolução Cultural fala em «desastrosa implementação das utópicas fantasias» de Mao.
A verdade é que Mao e os revolucionários que lideraram a Revolução Cultural tinham objectivos coerentes e visionários. Que objectivos eram esses?
  • Mobilizar as pessoas na sociedade para derrubarem essas novas forças capitalistas e revolucionarem o próprio Partido Comunista.
  • Revigorar a revolução, submetendo todos os níveis de autoridade e governação à crítica e ao questionamento das massas.
  • Promover os valores socialistas de «servir o povo» e pôr em primeiro lugar os interesses da humanidade mundial e combater a moral capitalista de maximização do auto-lucro e auto-enriquecimento, bem como a mentalidade confuciana de se curvar perante a autoridade e as convenções.
  • Reconfigurar e revolucionar as instituições e a estrutura da sociedade: a) para criar um sistema de ensino que, em vez de produzir uma elite privilegiada, contribua de facto para a elevação do conhecimento e das capacidades da sociedade e para a eliminação das grandes divisões da sociedade; b) forjar uma nova cultura revolucionária, como as obras revolucionárias modelo na ópera e no ballet que punham uma nova ênfase nos operários e camponeses e na sua resistência à opressão (em vez dos velhos dramas sobre a corte imperial) e que criaram poderosas imagens de mulheres revolucionárias fortes e independentes; c) criar novas instituições de base dentro das fábricas, escolas e hospitais que verdadeiramente dêem poder ao povo.
Eram estes os objectivos cruciais da Revolução Cultural; não era nenhum «utopismo louco».

Uma verdadeira revolução


Médicos pés-descalços

Uma foto oficial do início da década de 1970, de promoção
do movimento dos médicos pés-descalços

Sejamos claros, a Revolução Cultural foi uma verdadeira revolução. Perturbou a rotina da vida normal; fervia de invenção e inovação; inspirou dezenas de milhões de pessoas mas também chocou e perturbou dezenas de milhões logo no seu início. As escolas fecharam; os jovens foram para os campos para se ligarem aos camponeses, os estudantes de Pequim foram a Xangai fomentar protestos nas fábricas, os trabalhadores foram encorajados a erguer as suas cabeças e perguntar: «Quem de facto manda aqui?» Isto tornou-se muito desordenado. Havia um debate político e intelectual generalizado: reuniões de rua, protestos, greves, manifestações, aquilo que ficou conhecido como «cartazes de grandes caracteres» que continham comentários e críticas às políticas e aos líderes. O papel e a tinta eram fornecidos gratuitamente, os edifícios públicos eram disponibilizados para reuniões e debates.[20] Era uma sociedade em mudança e a mudar o mundo de uma forma cada vez mais consciente. Nunca houve, na história mundial, um movimento revolucionário com esta dimensão e este nível de consciência. Mao via os jovens como força catalízadora para despertar e mobilizar a sociedade. Em 1966-67 havia em Pequim mais de 900 jornais em circulação.
No Outono de 1966, havia em Xangai cerca de 700 organizações nas fábricas. Por fim, os operários revolucionários, sob a direcção maoista, conseguiram unir vastos sectores da população da cidade para derrubar os seguidores da via capitalista que estavam no comando da cidade. E o que se seguiu foi extraordinário: as pessoas começaram a experimentar novas instituições de autoridade política da cidade; e a liderança maoista pôde analisar e retirar lições dessa experiência e desses debates.[21] Nos campos, os camponeses debatiam como é que os valores confucianos e o sistema patriarcal ainda influenciavam a vida das pessoas.

E quanto à violência?

Os relatos ocidentais típicos fazem acusações de que ataques violentos a pessoas e a eliminação física de opositores tinham a bênção oficial de Mao – e que, quer fosse uma política ou não, a violência arruaceira era a norma. Estas duas alegações são falsas.
A orientação de Mao para a Revolução Cultural foi claramente especificada em documentos oficiais amplamente divulgados. Na Decisão em 16 Pontos, que guiou a Revolução Cultural, declarava-se: «Onde houver debate, deve ser conduzido através da argumentação e não da força.[22] Sim, houve violência durante a Revolução Cultural. Mas: a) ela não foi a principal característica da Revolução Cultural – as principais formas de luta foram os debates de massas, a mobilização política das massas e a crítica de massas; b) quando os jovens activistas Guardas Vermelhos e outros recorreram à violência, isso foi claramente condenado e combatido pela liderança revolucionária maoista – por exemplo, em Pequim, os operários, sob a orientação de Mao, entraram nas universidades para impedirem as lutas entre facções de estudantes e para os ajudarem a resolver as suas diferenças; e c) muita da violência que ocorreu durante a Revolução Cultural foi de facto incitada por altos quadros seguidores da via capitalista que tentavam defender as suas posições privilegiadas.
Essa Decisão em 16 Pontos não foi uma directiva de circulação restrita entre os círculos internos do partido que de alguma forma tenha escapado à atenção dos nossos brilhantes estudiosos académicos. De facto, foi divulgada em toda a China como orientação sobre as metas, os objectivos e os métodos dessa revolução!

Êxitos reais e sem precedentes

A Revolução Cultural conseguiu coisas surpreendentes e sem precedentes.


  • Dizem-nos que Mao era anti-ensino e anti-intelectual. É falso.
  • Quantos de vocês sabem que durante a Revolução Cultural o número de matrículas nas escolas secundarias das zonas rurais subiu de 14 para 58 milhoes?[23] Ou que o número de matrículas de operários e camponeses nas universidades disparou? A razão porque Mao é etiquetado de «anti-ensino» é que a Revolução Cultural desafiou a ideia elitista burguesa de que o ensino é uma escada para as pessoas «sobressaírem» ou uma forma de usarem as capacidades e o conhecimento para obterem vantajas sobre os outros.
    Não era nenhum anti-intelectualismo, mas antes uma questão de pôr o conhecimento ao serviço de uma sociedade que estava a acabar com as desigualdades sociais. Os antigos currículos universitários foram revistos. O estudo foi combinado com o trabalho produtivo. Os velhos métodos de ensino que viam os estudantes como receptores passivos do conhecimento e os professores e instrutores como autoridades absolutas foram criticados.



  • Dizem-nos que Mao não se preocupava com a vida humana. É falso.

  • A China, um país relativamente atrasado, alcançou algo que o país mais rico do mundo, os EUA, não têm conseguido fazer: fornecer cuidados de saúde universais. Como resultado da Revolução Cultural, foi estabelecido um sistema de saúde que respondeu e resolveu as necessidades dos camponeses das zonas rurais da China, os quais constituíam 80 por cento da população chinesa.
    Em pouco mais de uma década após a tomada do poder em 1949, a revolução conseguiu eliminar doenças epidémicas como a varíola e a cólera. Foram lançadas campanhas de massas para combater o vício do ópio.[24] E juntamente com a mobilização das massas, houve educação em massa. Isto era uma característica muito importante e definidora dos cuidados de saúde na China socialista: maximizar a participação da comunidade e a consciência e responsabilidade das massas em relação às questões e preocupações da saúde. Houve simultaneamente uma distribuição centralizada dos recursos de saúde necessários e uma grande descentralização.[25]
    Um dos mais entusiasmantes desenvolvimentos da Revolução Cultural foi o que ficou conhecido como movimento dos «médicos pés descalços». Eram jovens camponeses e jovens urbanos enviados para os campos que tinham sido rapidamente treinados em cuidados de saúde básicos e numa medicina virada para satisfazer as necessidades locais e capaz de tratar as doenças mais comuns. Em 1975, havia 1,3 milhões desses «médicos pés descalços».[26]
    Os resultados foram espantosos. A esperança de vida no tempo de Mao duplicou de 32 anos em 1949 para 65 anos em 1976.[27] Amartya Sen, o economista galardoado com o Prémio Nobel, fez um cálculo: se a Índia tivesse o mesmo sistema de saúde que a China no tempo de Mao, teriam morrido na Índia menos 4 milhões de pessoas por ano. Isto equivale a um total de mais de 100 milhões de mortes desnecessárias na Índia desde a independência em 1948.[28]
    Digam-me qual é o sistema económico-social que valoriza a vida humana… e qual é o que não o faz.

    4ª Parte – A natureza humana pode ser mudada


    Médicos pés-descalços

    Cartaz de divulgação do movimento dos médicos pés-descalços
    As pessoas dizem que o comunismo não pode funcionar porque vai contra a natureza humana... que as pessoas são egoístas e só pensam nos seus próprios interesses... que não terão nenhum incentivo para trabalharem se não puderem competir para passarem à frente dos outros. Mas isto não são declarações científicas que descrevem uma natureza humana imutável. São declarações sobre a natureza humana no capitalismo, sobre como as pessoas são condicionadas a pensar e a agir NESTA sociedade. O capitalismo produz e requer uma certa forma de pensar: a do «primeiro eu», a de que «o vencedor fica com tudo» e que «a cobiça é uma coisa boa». E esta perspectiva e estes valores marcam tudo, todas as instituições e todas as relações na sociedade. As pessoas têm de competir pelo emprego, pela habitação, por um lugar no sistema de ensino. Também têm de competir e de se aperfeiçoarem no «mercado» das relações humanas. Será, então, surpreendente que nesta sociedade as pessoas sejam indiferentes, insensíveis e mesmo cruéis umas para com as outras?
    É isto que o socialismo, a revolução socialista, muda. Abre toda uma nova esfera de liberdade para as pessoas mudarem as suas circunstâncias e a sua forma de pensar. E foi isto que aconteceu durante a Revolução Cultural.
    Na China, durante a Revolução Cultural, havia um sistema económico baseado na utilização dos recursos em benefício da sociedade e da revolução mundial. Foram criadas novas relações sociais e novas instituições que permitiam que as pessoas cooperassem entre si e contribuissem o máximo possível para uma sociedade libertadora e para a emancipação da humanidade. O sistema educativo promovia os valores de servir o povo, de não usar o conhecimento para a auto-promoção individual mas sim para melhorar a sociedade e a humanidade. Durante a Revolução Cultural, as pessoas mediam as suas vidas e os actos dos outros pela lente moral de «servir o povo».
    Vocês podem ler entrevistas e livros de académicos como Dongping Han, Bai Di e Mobo Gao. Estes autores cresceram durante a Revolução Cultural e participaram nela – e escrevem sobre o que foi crescer no ambiente social da Revolução Cultural, o que para eles significava estarem num enquadramento social que valorizava a cooperação e a solidariedade. Contam como isso afectou a atitude deles em relação a outras pessoas, o seu sentido de responsabilidade social e a forma como a Revolução Cultural influenciou o que eles sentiam ser importante e significativo na vida.[29]
    Uma vez mais, não estou a falar de nenhum tipo de utopia e também não estou a dizer que tudo foi feito de uma forma perfeita na China maoista. Mas mudou as pessoas – porque a sociedade socialista cria este novo enquadramento que permite às pessoas mudarem-se a si próprias de uma forma consciente.
    E quando em 1976 o capitalismo foi restaurado na China e regressaram as velhas relações económicas do «cão come cão», as pessoas mudaram novamente: de regresso à velha perspectiva do «eu contra ti» e «cada um por si». As pessoas mudaram, não porque de alguma forma se tenha reafirmado uma natureza humana primordial, mas sim porque a sociedade regressou ao capitalismo.
    (continua)

    NOTAS

    [2] A revolução russa de 1917 trouxe a emancipação política e social dos judeus num país com uma história de anti-semitismo virulento e de violentos pogroms contra os judeus. A igualdade de direitos dos judeus manteve-se com José Estaline nos anos 1930 e durante a II Guerra Mundial. Em contraste, nos anos 1930, os judeus na Hungria, Roménia e Polónia enfrentaram movimentos fascistas organizados e um anti-semitismo institucional – e, mais tarde, os campos da morte. Ver Arno Mayer, Why Did The Heavens Not Darken? [Porque é que os céus não escureceram?] (Nova Iorque: Pantheon, 1988), págs. 55-89. [regressar]
    [3] No início da Revolução Cultural, Mao promoveu as palavras de ordem «É justo revoltarmo-nos contra os reaccionários» e chamou o povo a «bombardear o quartel-general» dos seguidores da via capitalista que estavam a levar a cabo políticas elitistas e opressoras. O fornecimento de materiais para cartazes e jornais, a utilização gratuita dos comboios pelos estudantes e o encorajamento na imprensa foram algumas das formas chave como a crítica e a luta de massas foram promovidas. Ver a «Decisão do Comité Central do Partido Comunista da China sobre a Grande Revolução Cultural Proletária» (Adoptada a 8 de Agosto de 1966, Pequim, Edições em Línguas Estrangeiras, 1966); também disponível online em inglês em: www.marxists.org/subject/china/peking-review/1966/PR1966-33g.htm. [regressar]
    [5] Acerca das ameaças nucleares e planos de guerra nuclear contra a China maoista do início dos anos 1950, ver John Wilson Lewis e Xue Lita, China Builds the Bomb [A China Constrói a Bomba] (Stanford: Stanford University Press, 1988), capítulos 1 e 2; Rosemary J. Foot, “Nuclear Coercion and the Ending of the Korean Conflict” [«A Coerção Nuclear e o Fim do Conflito Coreano»], International Security, Inverno de 1988/89 (Vol. 13, nº 3); Matthew Jones, “Targeting China: U.S. Nuclear Planning and ‘Massive Retaliation’ in East Asia, 1953-1955”: [«Visando a China: Os Planos Nucleares Norte-Americanos e a ‘Retaliação em Massa’ na Ásia Oriental, 1953-1955»], Journal of Cold War Studies, Outono de 2008 (Vol. 10, nº 4); e "For Eisenhower, 2 Goals if Bomb Was to Be Used" [«Para Eisenhower, 2 Objectivos se a Bomba Viesse a Ser Usada»], The New York Times, 8 de Junho de 1984, e Bernard Gwertzman, "U.S. Papers Tell of '53 Policy to Use A-Bomb in Korea" [«Documentos Norte-Americanos Revelam a Decisão de 1953 de Usar a Bomba Atómica na Coreia»], The New York Times, 8 de Junho de 1984. [regressar]
    [6] Sobre a abordagem e os sucessos da revolução bolchevique no alargamento do ensino às nacionalidades minoritárias, no assegurar da igualdade de idiomas e na promoção do ensino em línguas nativas, ver, por exemplo, Jeremy Smith, “The Education of National Minorities: The Early Soviet Experience” [«A Educação das Minorias Nacionais: A Experiência Inicial Soviética»], Slavonic and East European Review (Vol. 75, nº 2), Abril de 1997. [regressar]
    [7] Jung Chang e Jon Halliday, Mao: A História Desconhecida (Portugal: Bertrand Editora, 2005 e Companhia das Letras, 2006; Brasil: 2005; EUA: Nova Iorque, Alfred A. Knopf, 2005), Capítulo 40, págs. 426-439 da edição norte-americana. [regressar]
    [8] Mao Tsetung, "Talks at the Wuchang Conference, 21-23 November 1958" [«Intervenções na Conferência de Wuchang, 21-23 de Novembro de 1958»], em Roderick MacFarquhar, Timothy Cheek e Eugene Wu, eds., The Secret Speeches of Mao Tsetung [Os Discursos Secretos de Mao Tsé-tung], (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1989), págs. 494-495. Chang e Halliday usam a mesma fonte em língua chinesa, mas traduzem-na de forma ligeiramente diferente. [regressar]
    [9] Roderick MacFarquhar, Michael Schoenhals, Mao's Last Revolution [A Última Revolução de Mao] (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2006), pág. 102. [regressar]
    [10] Ibid., pág. 515, nota 2. [regressar]
    [11] Andrew J. Nathan, "The Bloody Enigma" [«O Enigma Sangrento»], The New Republic, 30 de Novembro de 2006. A declaração que MacFarquhar atribui a Mao é proeminentemente invocada por outros «respeitados» estudiosos da China numa recensão crítica mais recente na The New York Review of Books; ver Jonathan Mirsky, "How Reds Smashed Reds" [«Como os Vermelhos Venceram os Vermelhos»], 11 de Novembro de 2010. [regressar]
    [12] Esta alegada declaração de Mao cuja fonte é A Última Revolução de Mao foi desde essa altura removida da entrada da Wikipedia sobre a Revolução Cultural. [regressar]
    [13] "An Open Letter from Raymond Lotta to Roderick MacFarquhar" [«Uma Carta Aberta de Raymond Lotta a Roderick MacFarquhar»], Revolution #198, 11 de Abril de 2010. [regressar]
    [14] Bob Avakian, "Naomi Klein's The Shock Doctrine and its Anti-Communist Distortions—Unfortunately, No Shock There" [«A Doutrina do Choque de Naomi Klein e as Suas Distorções Anticomunistas – Infelizmente, Nao Há Aí Nenhum Choque»], Revolution #118, 3 de Fevereiro de 2008. [regressar]
    [15] Naomi Klein, A Doutrina do Choque (SmartBook, 2009, edição original: New York: Henry Holt and Company, Inc., 2008), pág. 20 da edição original. [regressar]
    [16] Mao Tsetung, "Introducing a Cooperative" [«Apresentação de uma Cooperativa»], em Selected Readings from the Works of Mao Tsetung [Leituras Seleccionadas das Obras de Mao Tsé-tung] (Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras, 1971), págs. 499-501. [regressar]
    [17] Op. cit., disponível em português em www.paginavermelha.org/documentos/pcr-manifesto.htm e em inglês em revcom.us/Manifesto/Manifesto.html [regressar]
    [18] Para uma avaliação histórico-teórica da Revolução Cultural, ver Bob Avakian, Mao Tsetung's Immortal Contributions [As Contribuições Imortais de Mao Tsé-tung] (Chicago: RCP Publications, 1979), capítulos 5 e 6; e Comunismo: O Início de uma Nova Fase, op. cit., II. [regressar]
    [19] Jonathan D. Spence e Annping Chin, The Chinese Century [O Século Chinês] (Nova Iorque: Random House, 1996), pág. 84; Fredric M. Kaplan, Julian M. Sobin, Stephen Andors, Encyclopedia of China Today [Enciclopédia da China de Hoje] (Nova Iorque: Harper & Row, 1979), pág. 233. [regressar]
    [20] Sobre as fases iniciais da Revolução Cultural, ver Jean Daubier, História da Revolução Cultural Chinesa (Portugal, Editorial Presença, 1974) e Han Suyin, Wind in the Tower [Vento na Torre] (Boston: Little, Brown, 1976), capítulos 3 a 5. [regressar]
    [21] Sobre as lutas de massas em Xangai, ver Daubier e também Elizabeth J. Perry e Li Xun, Proletarian Power: Shanghai in the Cultural Revolution [Poder Proletário: Xangai na Revolução Cultural] (Boulder: Westview Press, 1997). Sobre a forma como Mao analisava as experiências das massas e dirigia a luta pela criação de novas instituições de poder, ver Raymond Lotta, Nayi Duniya e K.J.A., "Alain Badiou's 'Politics of Emancipation': A Communism Locked Within the Confines of the Bourgeois World" [«A ‘Política de Emancipação’ de Alain Badiou: Um Comunismo Fechado Dentro dos Limites do Mundo Burguês»], Demarcations, Verão-Outono 2009, capítulo 6, II. [regressar]
    [22] Do Ponto 6 da «Decisão do Comité Central do Partido Comunista da China Sobre a Grande Revolução Cultural Proletária», op. cit., e em: www.marxists.org/subject/china/peking-review/1966/PR1966-33g.htm. [regressar]
    [23] Suzanne Pepper, "Chinese Education after Mao" [«O Ensino na China Depois de Mao»], China Quarterly, Março de 1980 (nº 81), págs. 6-7. Para ler estudos relevantes sobre a expansão do ensino nos campos e a transformação da educação durante a Revolução Cultural, ver Dongping Han, The Unknown Cultural Revolution: Educational Reforms and Their Impact on China's Rural Development [A Revolução Cultural Desconhecida: As Reformas Educativas e o Seu Impacto no Desenvolvimento Rural da China] (Nova Iorque: Garland Publishing, 2000); e Ruth Gamberg, Red and Expert: Education in the People's Republic of China [Vermelho e Especialista: O Ensino na República Popular da China] (Nova Iorque: Schocken, 1977). [regressar]
    [24] Ver Kaplan, et al., op. cit., págs. 233 e 242; e C. Clark Kissinger, "How Maoist Revolution Wiped Out Drug Addiction in China" [«Como a Revolução Maoista Erradicou o Vício das Drogas na China»], Revolutionary Worker #734, 5 de Dezembro de 1993. A versão completa deste ensaio, Uma questão de poder: Como a China revolucionária acabó com as drogaa, saiu no Revolutionary Worker (actualmente Revolution) #476, 10 de Outubro de 1988, e foi reimpresso sob a forma de folheto (Chicago: RCP Publications, 1988). [regressar]
    [25] Victor W. Sidel e Ruth Sidel, Serve the People: Observations on Medicine in the People's Republic of China [Servir o Povo: Observações sobre a Medicina na República Popular da China] (Boston: Beacon Press, 1973), págs 22-24. [regressar]
    [26] Teh wei Hu, "Health Care Services in China's Economic Development" [«Os Serviços de Saúde no Desenvolvimento Económico da China»], em Robert F. Dernberger, editor, China's Development Experience in Comparative Perspective [A Experiência do Desenvolvimento da China numa Perspectiva Comparada] (Cambridge: Harvard University Press, 1980), págs. 234-238. [regressar]
    [27] Penny Kane, The Second Billion [O Segundo Milhar de Milhão] (Hammondsworth: Penguin, 1987), pág. 172. [regressar]
    [28] Ver Jean Dreze e Amartya Sen, Hunger and Public Action [Fome e Acção Pública] (Oxford: Clarendon Press, 1989), págs. 205 e 214. Noam Chomsky usa as taxas de mortalidade comparadas de Dreze e Sen para chegar a esta estimativa de 100 milhões de mortes desnecessárias na Índia (ver "Millennial Visions and Selective Vision, Part One" [«Perspectivas Milenáres e Perspectivas Selectivas, 1ª Parte»], Revista Z, 10 de Janeiro de 2000). [regressar]
    [29] Ver Bai Di, “Growing Up in Revolutionary China” [«Crescer na China Revolucionária»], Entrevista, Revolution #162, 12 de Abril de 2009, http://revcom.us/a/161/Bai_Di_interview-en.html; Dongping Han, “The Unknown Cultural Revolution: Life and Change in a Chinese Village” [«A Revolução Cultural Desconhecida: Vida e Mudança numa Aldeia Chinesa»], Entrevista, Revolution #176, 6 de Setembro de 2009, http://revcom.us/a/175/dongping_han_full_QA-en.html; Mobo Gao, Gao Village [A Aldeia Gao] (Honolulu: University of Hawai’i Press, 1999). [regressar]