terça-feira, 20 de março de 2012

A obesidade nas obras de Botero: muito além de um mero detalhe

 [Augusto Machado]


Mês que vem (19/03, mais precisamente) se comemora o aniversário de um dos mais renomados artistas da América Latina da contemporaneidade: Fernando Botero. 

Escultor, pintor, pai, e em breve, um homem de 8 décadas de vida, Botero nasceu na Colômbia e teve a oportunidade de estudar e trabalhar em grandes instituições do mundo da arte. Mas ao invés de se vender à estética virtualizada e "líquida" da pós-modernidade, atual período de total falência ideológica do imperialismo, nosso artista buscou em suas origens culturais criar uma estética próprio, de um concreto quase obseno, que o deixou famoso em todo mundo: as formas "gordinhas".

Longe de retratar ou querer denunciar as sociedades do centro do sistema com uma população cada vez mais obesa, graças a um estilo de vida sedentário e uma alimentação "moderna" de baixos valores nutricionais mas muitas calorias e carboidratos, a obesidade nas obras de Botero, que não só atingem figuras humanas, mas também animais, não são nada "empíricas". É uma obesidade quase ontológica, por demais abstrata, de um mundo formado por seres que transgridem a própria forma, de uma essência que incomoda. Que significaria isso? Qual representação ou sentimentos o artista quer expressar, qual ideia sobretudo sobre o humano subjacente?

Botero eleva a gordura a um nível do erótico, mas também da ingenuidade, da jocosidade, da melancolia, ou seja, do humano. Contrapondo-se a um ideário de perfeição corporal de uma beleza do magro propagada pela mídia internacional, resultado de uma era onde a biopolítica implementa sua ditadura mais cruenta, as figuras de Botero, gordas, disformes, altas ou baixa demais, de membros e troncos quase inflados feito balões, forçam-nos a identificá-las como humanos, vivos, e além disso portadores de personalidade, cultura, desejo. Mas os gordos em suas obras não são os diferentes, o que sustentaria um discurso relativista, como dito, é próprio da natureza e a todos nos interpela.

Quando Botero retrata cenas cotidianas das camadas populares, a gordura ganha um ar de fragilidade, quase infantil de pureza, apesar dos grandes e parrudos corpos, ou da nudez e malícia. Quando se retraram cenas burguesas, ou "revisões" de grandes obras, temos um ar de ironia, onde percebemos suas decadências, se tornando quase um teatro dos horrores de sujeitos desajeitados. Quando retrata episódios históricos, ou cenas políticas a gordura ganha um ar quase insuportável: numa cena onde está em ação o Terror, um ponto de inflexão decisivo, da vida ou da história, dialeticamente, a forma mais irrealista (ou seria hiperrealismo?) de nos representar, talvez seja a mais eficiente para nos identificarmos (não acontece isso com Guenirca?).

A obra de Botelho fala de nós próprios, de homens em conjunto e comuns na história e em seus conflitos. A gordura é o que nos une ou nos separa, nos fortalece e nos fragiliza, nos torna iguais ou antagônicos. Em um mundo de ilusão, de fingimento, de virtualidade, a estética não-realista boterista é um exercício de desmistificação da realidade, a construção de um mundo sem photoshop. A singela e estrondosa gordura se torna uma arma materialista contra a ideologia.

A carne humana e o Terror: Botero em Abu Ghraib

A seguir disponibilizamos algumas imagens de uma recente coleção de forte cunho político do artista: Abu Ghraib. O objetivo maior dessa coleção é a denúncia do terror da invasão imperialista do Iraque e das práticas de tortura realizada por países e organismos "humanitários" ou "defensores da democracia" sobre os povos oprimidos. Cenas como as de Abu Ghraib, cujo mundo todo presenciou como se um espetáculo fosse, não são episódios raros na história do capitalismo ou do imperalismo ianque: aconteceu e acontece ainda, em diversas partes do mundo e fazem parte da espinha dorçal dos aparelhos repressivos e terroristas do imperialismo, fundamentais para a continuidade da exploração econômica em escala global. O colombiano aqui denuncia um modelo civilizatório que precisa de uma barbárie para sua continuidade e "normalidade" bem semelhante à barbárie espanhola que dizimou os povos pré-colombianos de sua terra. De extrema historicidade a obra se torna um próprio auto-retrato, já que, enfim, estamos todos nesse mesmo processo histórico.

Acreditamos que estas obras não nos passam um quietismo pessimista, de um mundo sem saída, mas representam um mundo crual que precisamos conhecer, friamente, para transformar: é um chamado à transformação, à resistência e à esperança.





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