É interessante pensar como os aspectos político-culturais de meados do século xx que eram “subversivos” se inseriram dentro da lógica hegemônica, ou seja, do "sistema". [...]é preciso avaliar se esses elementos não são, por si só, e não apenas de maneira relacional, “conservadores”, ou não-diretamente revolucionários. Os direitos civis são direitos democráticos, que limitam ainda dentro do quadro político burguês e capitalista. Os "movimentos sociais" muitas vezes possuem uma base pequeno-burguesa, ou da classe média intelectualizada, não diretamente proletários. Ou seja, já seria de sua própria natureza uma propensão a serem incorporados, numa continuar no "sistema". Ilusão seria pensar uma continuidade direta, sem mediações, sem ganhos apenas parciais.
do blog O que não avança, retrocede?
Há um processo de fragmentação em identidades fechadas, e a ideologia culturalista e relativista que acompanha essa fragmentação. [...] Que futuro inesgotável para os investimentos mercantis, tal qual o surgimento - em forma de comunidade reivindicativa e de pretensa singularidade cultural - das mulheres, dos homossexuais, dos deficientes, dos árabes, que oportunidade! [...] Lógica capitalista do equivalente geral e lógica identitária e cultural das comunidades ou das minorias formam um conjunto articulado.
Badiou em São Paulo - a fundação do universalismo
O Estado democrático-liberal contemporâneo e a política anarquista "infinitamente exigente" estão envolvidos num relacionamento de parasitismo mútuo: [...] agentes anárquicos elaboram o pensamento ético para o Estado e o Estado realiza o trabalho de administrar e regular de fato a sociedade.
Zizek, Em defesa das causas perdidas
Se existe hoje um assunto consensual na esquerda brasileira é o caso Feliciano (PSC), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados desde o mês passado [1]. Com suas declarações homofóbicas e racistas, e sua conduta reacionária e impostora típica de um líder evangélico, Feliciano representa e reproduz o imaginário obscuro da ideologia dominante em nosso país, sobretudo no tocante costumes e direitos civis. Feliciano também é um elemento que reforça o time conservador no atual momento do país de reavaliação dos crimes da ditadura, que tem causado a mobilização e o "sair da toca" daqueles que enxergam o cair do mito da revolução de 64 um retrocesso à nação e uma oportunidade àqueles que finalmente conseguiram generalizar a desordem no seio da família, da religião, da propriedade e do Estado. A esquerda, assim, une forças junto com os movimentos LGBT e negro (não necessariamente de esquerda, ou revolucionário) para derrubar essa mais nova aberração da política nacional - aberração que é regra, e não exceção.
Para Safatle, em artigo da Folha, O primeiro embate, desse mês:
A maneira aguerrida com que o deputado Marco Feliciano e seus correligionários ocupam espaço em uma comissão criada exatamente para nos defender de pessoas como eles mostra a importância que dão para a possibilidade de bloquear os debates a respeito da modernização dos costumes na sociedade brasileira. Pois, tal como seus congêneres norte-americanos, apoiados pelo mesmo círculo de igrejas pentecostais, eles apostam na transformação dos conflitos sobre costumes na pauta política central. Uma aposta assumida como missão.
Durante os últimos anos, o conservadorismo nacional organizou-se politicamente sob a égide do consórcio PSDB-DEM. Havia, no entanto, um problema de base. O eleitor tucano orgânico é alguém conservador na economia, conservador na política, mas que gosta de se ver como liberal nos costumes. Quando o consórcio tentou absorver a pauta do conservadorismo dos costumes (por meio das campanhas de José Serra), a quantidade de curtos-circuitos foi tão grande que o projeto foi abortado. Mesmo lideranças como FHC se mostraram desconfortáveis nesse cenário.
Porém ficava claro, desde então, que havia espaço para uma agremiação triplamente conservadora na política brasileira. Ela teria como alicerce os setores mais reacionários das igrejas, com suas bases populares, podendo se aliar aos interesses do agronegócio, contrariados pelo discurso ecológico das "elites liberais". Tal agremiação irá se formar, cedo ou tarde.
Contra essa nova articulação do conservadorismo e da direita (de face fundamentalista e contornos mais fascistizantes), vários protestos já foram realizados, alguns massificados, diga-se de passagem. Nas redes sociais a briga é constante, e toda organização de esquerda sente-se na obrigação de demonstrar publicamente seu repúdio ao caso. As sessões da Comissão tem se tornado um cenário no mínimo curioso: de um lado militantes e ativistas da esquerda, homossexuais, negros e outras minorias, jovens em sua maioria, contra o reacionarismo cristão de novo tipo que cresce no Brasil; do outro apoiadores de Feliciano pedindo a Deus que mantenha esse importante passo para a tão sonhada Jesuscracia brasileira (ver http://www.redebrasilatual.com.br/temas/politica/2013/03/partidos-negam-responsabilidade-por-cartaz-que-pede-jesuscracia-no-brasil). Para a esquerda e as minorias em busca de direitos progressistas, os evangélicos e população conservadora pobre - grande massa de apoio dos Felicianos da vida - são alienados, sem estudo, vítimas da TV e da Igreja. Para os cristãos, os manifestantes são no mínimo pessoas inconvenientes e arrogantes (e, no máximo, espíritos ruins que devem "combater").
Para qualquer pessoa progressista, o caso Feliciano é mesmo revoltante. Porém, há varias formas de lutar contra isso, formas que são embasadas em visões e análises da realidade. Tentaremos demonstrar que a forma majoritária de luta que a esquerda vem realizando contra esse caso é limitada, e em vários pontos, prejudicial, além de indicar algo mais geral, de um descaminho grave nas lutas e propostas políticas radicais. Ora, nem toda causa justa gera uma ação justa. Afinal, o que significa um Feliciano para um marxista?
Uma transformação necessário (pelos meios errados)
As "minorias" em nosso país (negros, indígenas, mulheres, pobres, homossexuais, pessoas com necessidades especiais), que são a maioria da população, sofrem brutalmente em nosso país, isso é um fato. As estatísticas medonhas de agressões e atentados contra essa população são coisas de outro mundo. Aliás, de um "mundo" saído de uma colonização, de uma escravidão que atravessou os séculos, e de uma dominação imperialista ainda presente e responsável pelo nosso último episódio histórico mais sombrio: a ditadura militar. Vale lembrar que todos esses períodos foram assessorados e apoiados pela Igreja (entendida de uma maneira geral, como aparelho ideológico) e posteriormente pela Mídia (a nova instituição que dita os costumes e forma o imaginário popular, criando os agentes sociais santificados ou endemoniados da vez). Resumindo, um mundo onde os direitos minimamente democráticos foram e são esmagados, para a continuidade de um modelo sócio-econômico e político dominante.
A transformação radical nesse quadro, ampliando e modificando o conteúdo dos direitos individuais e coletivos são urgentes em nosso país. E isso só será possível, para além de transformações legais ("políticas públicas" para falar a linguagem reformista e ingênua da esquerda da "redemocratização" e dos movimentos de minoria), que não são irrelevantes, mas insuficientes, com a mudança sistêmica de nossa posição subordinada no capitalismo global e das classes detentoras do poder de Estado. Isso quer dizer que, mesmo, dentro do capitalismo, a luta por maiores direitos humanos e marcos legais possam avançar, em diversos pontos, sem a alteração da estrutura de nossa sociedade, os limites aos direitos apenas vão modificar de local, mudar de forma, e não serem destruídos para criar novas formas de socialização e instituições radicalmente antagônica às atuais, que são anti-democráticas e anti-populares, baseadas na exploração e opressão da maioria.
Só uma sociedade que elimine a estratificação entre as classes, a opressão da maioria, pode gerar uma base para uma nova cultura sem submissão de qualquer ordem. Eis o que o marxismo aponta e sempre apontou, e eis o que difere da política pós-moderna [2], que se baseia na luta pelo reconhecimento, simbólico e discursivo, no empoderamento de identidades fragmentárias, e não questiona a base econômica e de classe da opressão - já que estes últimos são restos das "metanarrativas", principais inimigas da emancipação.
Só uma sociedade que elimine a estratificação entre as classes, a opressão da maioria, pode gerar uma base para uma nova cultura sem submissão de qualquer ordem. Eis o que o marxismo aponta e sempre apontou, e eis o que difere da política pós-moderna [2], que se baseia na luta pelo reconhecimento, simbólico e discursivo, no empoderamento de identidades fragmentárias, e não questiona a base econômica e de classe da opressão - já que estes últimos são restos das "metanarrativas", principais inimigas da emancipação.
A experiência do socialismo no século XX, que obviamente teve seus erros, são os maiores exemplos dessa necessidade de transformação estrutural para a modificação radical dos costumes e dos direitos. Em vez de simbolizar o fim das individualidades e do direito das minorias, como dizem os teóricos do totalitarismo, o socialismo não só foi vanguarda na libertação de setores e povos oprimidos, como também colaborou para pressionar os países do bloco capitalista a modificar seus marcos legais e morais (a construção da cidadania não foi espontâneo do Estado burguês, mas arrancada em grande parte pelas massas).
Alguns breves exemplos. O marxismo, e a prática comunista, defende a auto-determinação dos povos e das raças/etnias, e seu princípio é o internacionalismo proletário. O apoio, inclusive material, de qualquer luta contra a opressão e exploração sempre foi um princípio para os Estados socialistas, mesmo esta luta não sendo comunista!
A URSS em seu início teve uma legislação extremamente avançada em relação aos costumes e à família. A luta contra a prostituição, a legalização do divórcio, do aborto, o fim da servidão patriarcal semi-feudal que as mulheres viviam, representam isso.
Lenin disse em 1919, num texto presente na compilação O Socialismo e a Emancipação da Mulher (http://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/soc_eman_mulher/index.htm) o seguinte:
E mais, Lenin já apontava que o Direito é apenas uma batalha a ser ganha: "A igualdade diante da lei não é ainda a igualdade efetiva", disse em seu discurso Às operárias. O marxismo tem plena consciência de que é preciso uma radicalização da igualdade, para além do formato liberal (do Direito), que só é capaz na revolucionarização da cultura, do modo de viver e pensar mais cotidiano. E isso a revolução cultural chinesa mostrou muito bem, fazendo do cotidiano, política, e a política, cotidiano [3]. Sem esquecer da base material, que é determinante em última instância - e provou ser, com o fracasso das experiências socialistas.
Mas o marxismo, diferentemente da política pós-moderna (ou pós-política) defende essas questões não as fetichizando. A política pós-moderna fetichiza as diferenças, faz uma política do estético, e coloca o comportamental acima das questões econômicas, políticas e ideológicas centrais. Desvincula a cultura da estrutura social, para enfim declarar uma guerra arbitrária e contingente no nível da superestrutura. Uma guerra onde a aparência vale mais que a força. Assim como os líderes evangélicos levantam os costumes como programa central, a política pós-moderna também.
E umas das provas da fraqueza do marxismo (e da esquerda que se diz marxista) hoje é a aceitação tácita de tudo que se coloca em jogo nas reivindicações políticas do povo, inclusiva essa fetichização pós-moderna. Em vez de guiar e esclarecer, segue e é esclarecido.
Novamente Lenin. Apesar de ver a importância nas transformações dos costumes, este apontava para os riscos de radicalismo e de ideologia burguesa e pequeno-burguesa nas reivindicações das "minorias". O marxismo não é a favor da destruição de toda moral, mas sim uma moral que condiz com as classes trabalhadoras, que precisam se disciplinar para construir um novo mundo de sujeitos iguais. Então, obviamente, todo excesso tende a ser condenado, e visto como prejudicial à causa das classes trabalhadoras. Isso incluiu a permissividade sexual nos países socialistas, que, infelizmente e de maneira errônea, condenou também a homossexualidade, entendida como perversão sexual "burguesa". Mas é preciso lembrar que todos somos vítimas de nosso tempo, e a homossexualidade era reprimida não só nos países socialistas Normalmente nesse polêmico ponto somos demais tolerantes com o capitalismo, e exageradamente críticos ao socialismo do século XX.
Para tentar resumir, a visão marxista afirma que não há uma relação direta entre fim da opressão das "minorias" e o socialismo, mas sem socialismo é impensável uma sociedade sem opressão. Então se essa luta não se balizar por um viés revolucionário, será emperrada - e o pior, distorcida.
Apoio de asiáticos ao Partido dos Panteras Negras no EUA: exemplo de "unidade na diversidade" marxista |
A URSS em seu início teve uma legislação extremamente avançada em relação aos costumes e à família. A luta contra a prostituição, a legalização do divórcio, do aborto, o fim da servidão patriarcal semi-feudal que as mulheres viviam, representam isso.
Lenin disse em 1919, num texto presente na compilação O Socialismo e a Emancipação da Mulher (http://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/soc_eman_mulher/index.htm) o seguinte:
Em nenhuma república burguesa (isto é, onde existe a propriedade privada da terra, das fábricas, das minas, das ações, etc.) mesmo na mais democrática, em nenhum lugar do mundo, mesmo no país mais avançado, a mulher goza de plena igualdade de direitos. E isso apesar de haverem decorrido 130 anos desde a grande revolução francesa democrático-burguesa.
Em palavras, a burguesia democrática promete a igualdade e a liberdade, mas, de fato, até mesmo a república burguesa mais avançada não deu à metade feminina do gênero humano, a plena igualdade jurídica com o homem, nem a libertou da tutela e da opressão deste último.
E mais, Lenin já apontava que o Direito é apenas uma batalha a ser ganha: "A igualdade diante da lei não é ainda a igualdade efetiva", disse em seu discurso Às operárias. O marxismo tem plena consciência de que é preciso uma radicalização da igualdade, para além do formato liberal (do Direito), que só é capaz na revolucionarização da cultura, do modo de viver e pensar mais cotidiano. E isso a revolução cultural chinesa mostrou muito bem, fazendo do cotidiano, política, e a política, cotidiano [3]. Sem esquecer da base material, que é determinante em última instância - e provou ser, com o fracasso das experiências socialistas.
Mas o marxismo, diferentemente da política pós-moderna (ou pós-política) defende essas questões não as fetichizando. A política pós-moderna fetichiza as diferenças, faz uma política do estético, e coloca o comportamental acima das questões econômicas, políticas e ideológicas centrais. Desvincula a cultura da estrutura social, para enfim declarar uma guerra arbitrária e contingente no nível da superestrutura. Uma guerra onde a aparência vale mais que a força. Assim como os líderes evangélicos levantam os costumes como programa central, a política pós-moderna também.
E umas das provas da fraqueza do marxismo (e da esquerda que se diz marxista) hoje é a aceitação tácita de tudo que se coloca em jogo nas reivindicações políticas do povo, inclusiva essa fetichização pós-moderna. Em vez de guiar e esclarecer, segue e é esclarecido.
Novamente Lenin. Apesar de ver a importância nas transformações dos costumes, este apontava para os riscos de radicalismo e de ideologia burguesa e pequeno-burguesa nas reivindicações das "minorias". O marxismo não é a favor da destruição de toda moral, mas sim uma moral que condiz com as classes trabalhadoras, que precisam se disciplinar para construir um novo mundo de sujeitos iguais. Então, obviamente, todo excesso tende a ser condenado, e visto como prejudicial à causa das classes trabalhadoras. Isso incluiu a permissividade sexual nos países socialistas, que, infelizmente e de maneira errônea, condenou também a homossexualidade, entendida como perversão sexual "burguesa". Mas é preciso lembrar que todos somos vítimas de nosso tempo, e a homossexualidade era reprimida não só nos países socialistas Normalmente nesse polêmico ponto somos demais tolerantes com o capitalismo, e exageradamente críticos ao socialismo do século XX.
Para tentar resumir, a visão marxista afirma que não há uma relação direta entre fim da opressão das "minorias" e o socialismo, mas sem socialismo é impensável uma sociedade sem opressão. Então se essa luta não se balizar por um viés revolucionário, será emperrada - e o pior, distorcida.
Safatle exagera, no mesmo artigo comentado no início do texto, ao afirmar, num nível bem "pós-político": "A luta dos homossexuais por respeito e reconhecimento institucional pleno é, atualmente, o setor mais avançado da defesa por uma sociedade radicalmente igualitária". Se por um lado, é claro para um marxista que uma demanda particular pode explodir numa universalidade - vide o caso do proletariado, que emancipa-se emancipando a todos - é um equívoco colocar na política pós-moderna de reconhecimento, limitada às instituições burguesas, a centralidade de transformação social. Safatle esquece seus próprios mestres "pós-marxistas" com quem estudou, Zizek e Badiou, que apontam a total integração da política pós-moderna com o capitalismo/democracia atual; a estreita relação entre movimentos aparentemente emancipadores, mas que na prática perpetuam a dominação capitalista e a prática-ideologia consumista e liberal - vide os mercados para gays, para mulheres "poderosas", para negros, para ambientalistas.
Não é me contrapondo à opinião de um representante conservador do "sistema" que eu estarei comprovando minha postura contra-hegemônica. Para o teatro liberal e ideológico, é preciso gerar a sensação de liberdade para gerar desconhecimento e legitimar a dominação. Uma analogia grosseira: se minha prática não vai até a raiz, ela só muda os ramos da superfície. E essa mudança, mesmo não desejada de início, pode ser essencial para a perpetuação e renovação dessa árvore. Novamente, o caminho do inferno é pavimentado por boas intenções.
A "luta contra Feliciano" somente no nível dos costumes é reforçar o próprio campo fetichizado que ele representa. O marxismo combate ideologia com ciência e com apoio da massa, e não com mais ideologia e estética/ética vanguardista (exemplo: "beijaços" e protestos carnavalescos), como quer os movimentos de esquerda hegemonizados pela ideologia burguesa e pequeno-burguesa. Se essa luta for reduzida ao embate juventude classe-média esclarecida, que faz questão de distinguir-se enquanto tal, versus a população pobre "alienada" e intolerante, o final já está dado: nada de progressista sairá dali, perderemos mesmo espaço. Pois os próprios homossexuais e negros estarão eliminando o seu potencial, quer seja, se unir à grande massa, fazer-se o que já é, buscar as grandes demandas democráticas de nosso país, realizando uma transformação radical dos costumes no Brasil, ligando os problemas culturais articulados às suas bases materiais. Fazer política, e não pós-política. Unir forças para a revolução, não dividir-se ("afirmando-se") para sermos dominados.
Um último comentário. Além de o combate a Feliciano ser fetichizado, inclusive por aqueles que se dizem marxistas, é desarticulado e exagerado. Novamente, o marxismo segue, e não guia, com sua visão científica do mundo. Enquanto uma onda repressiva e militarizante assola nosso povo de norte e sul do país, nossa nação sofre com as consequências da crise, Feliciano realmente tem o peso que se mostra ter? Sem prioridade a construção de qualquer coisa fica dificultada com a aleatoriedade das demandas do real, que é múltiplo e fluido.
Posfácio válido: 68 como descoberta da importância do mundo cultural/ideológico da política e como início da pós-política
Maio 68, de Miró: a ausência de uma proposta, a rebeldia pela rebeldia |
Se existe um episódio que marcou a história dos costumes no ocidente capitalista foi o "68", sobretudo o maio francês. A "revolução" realizada ali, capitaneada pelos jovens, mulheres, ambientalistas, negros etc. representou ao mesmo tempo a falência do marxismo de tipo ortodoxo-dogmático e revisionista na política (vide o abandono da URSS como modelo e busca de outras experiências socialistas) e o surgimento de uma política "pós-moderna", marcada pelo radicalismo, e pelo grande peso dado ao cultural e artístico. Esse "neoanarquismo" proveniente de 68 aponta certamente para a importância do cultural e ideológico na luta de classes, ampliando o conceito da mesma, mas propõe uma atuação sectária e quase que puramente negativa.
Althusser, em Sobre a reprodução, identifica esse desvio da seguinte maneira: uma postura anti-socialista (logo, anti-marxista) de igualar por completo repressão com ideologia, violência com discurso (um resumo seria o foucaultiano saber-poder). "Exploração tornou-se praticamente repressão [para essa corrente]", diz o autor. Ou seja, o funcionamento invisível e sem coerção direta da sociedade e dos sujeitos, característico da ideologia, foi confundido com repressão direta. O radicalismo pós-moderno vê, assim como uma teoria da conspiração, a "alienação" como um processo maquiavélico limitado à superestrutura (por isso o combate também tem que ser só aí), e todo e qualquer discurso ou prática de autoridade anti-emancipadora por si só. "Tudo, já!" os jovens gritavam, politizando tudo, mas de maneira apenas superficial.
Ora, na última ocupação da reitoria da USP, vimos a pichação "ocupe a reitoria que há dentro de você!". Nada mais 68, nada mais estético e fetichizador. Dessa vez como farsa, e não como tragédia.
Althusser continua
A repressão torna-se, assim, o centro dos centros, a essência da sociedade de exploração de classe capitalista. [...] Daí a necessidade da 'revolta' contra a 'autoridade do saber' [e toda a autoridade, diga-se de passagem]; daí a rebelião 'antiautoritária' contra a repressão do saber; daí, a interpretação retrospectiva dos acontecimentos de Maio e seus resultados, considerados natural e necessariamente centrados na Universidade e nas Escolas [ou seja, na infraestrutura que molda a "consciência"] nas quais seria exercido diretamente, no estado originário e nascente, a repressão [...] E o movimento revolucionário, ao qual os proletários são [apenas] convidados, pode (para não dizer deve) ser dirigido pelos mencionados intelectuais.
Ou seja, mais uma vez o paradigma racionalista da conscientização, pretensamente progressista, já debatido por nós... http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/12/por-uma-nova-teoria-da-ideologia.html
O primado da superestrutura é ineficaz e cega uma ação política justa. Por isso, tende a se isolar, a se esquizofrenizar - criação de comunidades idílicas, terrorismo individual etc, etc... Eis a essência da política pequeno-burguesa, eis a essência da pós-política!
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1- Nem tão consensual assim: as cúpulas dos partidos reformistas e da base governista preferem se esquivar da polêmica com fins eleitoreiros - prática mais que conhecida e propagada. E mais, os conchavos com setores evangélicos e seus seguidores cada vez mais numerosos são essenciais para o capital político-parlamentar desses partidos. Aliás, como de maneira ridícula dizem os governistas, "tudo para não deixar a direita subir", mesmo a burguesia, o latifúndio e toda a direita com vaga do lado e acima do governo. O viés conciliador do oportunismo se mostra claramente. Ver: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1262640-dilma-foge-de-polemica-para-manter-paz-com-evangelicos.shtml
2- Em nosso texto Contra os direitos humanos? (http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/04/contra-os-direitos-humanos.html) comentamos sobre a característica principal da política dita pós-moderna (era tida como pós-ideológica), quer seja, a culturalização dos problema políticos.
3- Sobre a revolução cultural chinesa, leia nossos posts: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2013/03/viva-todas-as-lutadoras-do-povo-viva-o.html ; http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/08/tudo-o-que-vos-disseram-sobre-o.html ; http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/08/prefacio-de-joan-robinson-1970.html
Interessantes considerações, companheiros. Serve-nos de elementos para se pensar em formas de organização e luta de classes. Quais as pautas do movimento negro, LGBT, feminista, estudantes, juventude, das "minorias" ou dos "oprimidos"? Uma pauta cidadã, legalista, democrática? Ainda que discordemos de tal orientação - apontando para uma outra orientação radicalmente transformadora do modo de produção capitalista - ao mesmo tempo podemos rejeitar a "pauta cidadã"? E a rebeldia cultural ora analisada? O que poderíamos propor em seu lugar? Abraços
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