segunda-feira, 30 de julho de 2012

Cultura, classe e nação, de Agustín Cueva

Tradução amadora de um trecho de um artigo de Agustín Cueva[1] publicado originalmente em Cuadernos Políticos, número 31, México D.F., 1982, pp. 81-91 (espanhol)


l. TEORIA DA CULTURA OU ANÁLISE MATERIALISTA HISTÓRICO DO CAMPO DENOMINADO CULTURAL?

Quando se examina o índice temático das obras escolhidas de Marx e Engels, termina-se inevitavelmente por descobrir uma incômodo problema: o conceito de cultura nem se quer aparece em tais índices[2]. E ao procurar em nossa própria memória perplexa, não se faz mais que reforçar essa visão: de um lado fica a convicção de que esses clássicos sim construíram as bases para uma explicação da cultura; mas que, de outro, está quase a certeza de que essa temática mal é mencionada em suas obras. Quando ela aparece explicitamente, é sempre de maneira tangencial[3], jamais, em todo caso, utilizam o término cultura como um conceito teórico, quer dizer, como um conceito destinado a produzir o conhecimento de um objeto determinado. Em A ideologia alemã, por exemplo, a cultura parece identificar-se com a “completa e multiforme produção de toda a terra (as criações dos homens)”[4]; expressão com a qual se indica um vasto e problemático campo de investigação que, sem embargo, não será analisado a partir de nenhuma teoria específica da cultura, senão com as categorias próprias do materialismo histórico (teoria dos modos de produção e las formações sociais).

Uma superficial revisão de certos textos de Lenin tendem a “tranquilizar-nos”, na medida em que este autor assim se refere explicitamente e com relativa frequência à cultura. Contudo, uma leitura mais atenta dos mesmos nos leva de novo na incerteza: Lenin nunca precisa o que se deve entender por cultura e, o que é pior, emprega-a nos mais variados sentidos: conhecimentos científicos ou técnicos, educação, literatura, arte, ideologia, hábitos, costumes, etc. Se trata, sem dúvida, de um uso simplesmente descritivo da palavra: com o qual abrange um campo vasto da realidade e não a um objeto teoricamente construído. Como logo se verá, cada conjunto particular de fenômenos culturais está sujeito a um tratamento político distinto por parte de Lenin.

Insuficiência dos clássicos do marxismo? Lacuna teórica que se deve que pular? Certamente não. Estamos de frente de um problema derivado da contextura da realidade e não de uma insuficiência da teoria, por las razones que de in- mediato pasamos a señalar. Em primeiro lugar, o que habitualmente denominamos cultura, ou seja, a “completa e multiforme produção de toda a terra” (ou de um país determinado, se se quer restringir geograficamente o problema), está constituída por um conjunto de fenômenos que não tem outro denominador comum que o de ser “criações dos homens”; quer dizer, produtos não naturais. Bem, parece evidente que similitude tão geral mal pode servir de fundamento para a conformação de um objeto teórico: elaborar uma “teoria da cultura” resulta, neste sentido, tão difícil como elaborar uma “teoria da natureza”.

Em segundo lugar, e como derivação do anterior, é patente que o campo cultural engloba um conjunto de fenômenos que, mais além do denominador comum já dito, possuem estatutos teóricos diferentes na medida em que correspondem a níveis diferentes da realidade social. A clássico proposta de classificar a cultura em pelo menos duas grandes categorias, “cultura material” e “cultura espiritual”, demonstra, mesmo que de maneira insatisfatória, a existência de uma percepção do problema presente em quase todos os autores que abordaram esta temática.

Terceiro: ao ser a cultura uma criação dos homens, é, quer se queira ou quer não, um produto social; não pode compreendê-la a margem de suas condições sociais de produção e, consequentemente, da estrutura social a partir da qual é produzida. Contrariamente ao que postula o pensamento idealista, não é a cultura que confere sentido à sociedade mas sim esta, através de suas estruturas e processos, que confere sentido à cultura; em outras palavras, a sociedade é que a determina.

Por tudo isto, o que antes aparecia como um problema e limitação dos clássicos do marxismo, quase como uma insuficiência conceitual suas, na verdade é, no fundo, um movimento teórico necessário na medida em que corresponde, como dizíamos, à configuração mesma da realidade. E a que a cultura não é, em primeira instância, um fator constitutivo (determinante) da estrutura social, senão mais próximo de um campo empírico determinado por ela, não só teórica mas também metodologicamente, que impõe um deslocamento que consiste em situar-se momentaneamente do plano de sua existência fenomênica (mesmo colocando entre parênteses o conceito descritivo observado), para depois se situar no plano das estruturas e processos que lhe conferem sentido[5]. Isto sem prejuízo de que, em um segundo momento, se retorne à análise dialética de outro aspecto igualmente real do problema: do grau e das maneiras em que uma cultura historicamente constituída e determinada, sobredetermina por sua vez a forma concreta de desenvolvimento dos processos sociais e confere à formação social respectiva uma “fisionomia” nacional sui generis.

É o método de análise que aqui propomos a seguir.


2. A DIMENSÃO CLASSISTA DA CULTURA

Para o tratamento deste problema talvez o mais pertinente seja partir do conhecido texto de Lenin que diz o seguinte:

Em cada cultura nacional há elementos, por muito pouco desenvolvidos que estejam, de cultura democrática e socialista, pois em cada nação existem a massa trabalhadora e explorada, da qual suas condições de vida engendram inevitavelmente uma ideologia democrática e socialista. Mas em cada nação, há também uma cultura burguesa (e, muitas vezes, uma cultura reacionária e clerical) — e esta não só sob a forma de “elementos”, mas em forma de cultura dominante. Por isso a “cultura nacional” é, em general, a cultura dos latifundiários, dos sacerdotes e da burguesia[6].

Uma primeira ideia que cabe resgatar deste texto é a de que, nas sociedades antagônicas, a cultura não pode desenvolver-se sem sofrer algum tipo de determinação proveniente da estrutura de classes própria de cada formação social. Neste sentido existem, em todos os casos que Lenin tem em mente, uma cultura burguesa, uma cultura democrática e socialista e, eventualmente, uma cultura reacionária e clerical.

Uma segunda ideia importante está dada pela observação relativa ao diferente rango que cada uma dessas unidades culturais detém na respectiva formação social. Assim a cultura burguesa ocupa, neste caso, o lugar da cultura dominante, em razão do índice de predomínio que a burguesia adquiriu da estrutura econômico-social global. No qual quer dizer que existe, correlativamente, uma cultura dominada, que é a das classes subalternas.

Uma terceira ideia, estreitamente vinculada à anterior, consiste na observação de que a faixa ocupada por cada unidade cultural dentro de unidades sociais específicas confere a tais unidades possibilidades em princípio distintas de articulação. Por isso, a cultura democrática e socialista existe, nesse caso, sob as formas de simples elementos, da mesmo forma que a cultura burguesa está presente sob uma forma distinta: como entidade que, em virtude de ocupar a posição dominante, se encontra em melhores condições estruturais de articular-se a si mesma e de articular, dando-lhe um sentido, a maior parte dos elementos a ela subordinados.

Embora tomando como ponto de referência um campo bastante restringido da cultura, o do chamado folclore, Antonio Gramsci levanta uma reflexão similar a de Lenin. Na realidade, o pensador italiano define o folclore como “uma concepção de mundo não só não elaborada e assistemática [...] mas também múltipla; não só no sentido de diverso e contraposto mas também de estratificado […]”[7]

Em seguida veremos o que esta estratificação significa. Por enquanto, convém reter a ideia de que, para Gramsci, um importante segmento da cultura “popular” aparece como uma verdadeira amálgama, incapaz de articular-se na medida em que carece, segundo suas palavras, de “concepções elaboradas, sistemáticas e politicamente organizadas e centralizadas no seu desenvolvimento contraditório”.[8]

Observação que nos permite formular um quarto ponto que seja de que, tanto na opinião de Lenin como na de Gramsci, a cultura só pode articular-se realmente no embate com uma ideologia que a organize e confira sentido a cada um de seus elementos. Sem esse embate deste fator sistematizador e politicamente orgânico, a cultura mal pode superar sua espontânea condição de amálgama, uma vez que não é um “nível” formal estritamente falando. O que não quer dizer, é claro, que a cultura seja redutível à ideologia que a articula: se ele é capaz de "organizar" é precisamente porque eles são diferentes.

Gramsci é muito claro ao distinguir diversos “estratos” no interior dessa amálgama que em principio constitui a cultura “popular” espontânea. Assim, quando se refere à “moral do povo”, ou seja, a esse “conjunto determinado (no tempo e no espaço) de máximas para a conduta prática e de costumes que dela se derivam o que são produzidos”, observa que:

Também nesta esfera se debem distinguir diversos estratos: os fossilizados, reflexo de condições de vida passada e, por conseguinte, conservadores e reacionários, e os que constituem uma série de inovações, por sua vez criadoras e progressistas, espontaneamente determinadas por formas e condições de vida em processo de desenvolvimento e em contradição com a moral dos estratos dirigentes — ou somente distintos dela.[9]

Reflexão que nos previne contra toda interpretação empirista do que deve se entender por cultura de classe. Com efeito, em tudo em que o povo produz, pensa ou pratica, constitui automaticamente tal tipo de cultura, na medida em que entre suas expressões culturais há também uma boa dose de elementos “fossilizados” e de práticas e normas simplesmente neutras em termos classistas. Supor o contrário, a partir de certo romanticismo, jamais conduz para além de posições populistas.

Sintetizando o que foi dito até aqui, poderíamos, pois, afirmar que as sociedades antagônicas geram efetivamente culturas classistas, que se podem definir como setores e planos pelo menos, determinados por práticas sociais que realmente correspondem aos interesses objetivos de determinadas classes.



3. A DIMENSÃO NÃO CLASSISTA DA CULTURA

A definição que acabamos de formular sugere que nem toda “completa e multiforme produção de toda a terra” se constitui ou pode constituir-se em cultura de classe, mas sim unicamente uma parte dela. Seria verdadeiro isto e, se sim, como se explica do ponto de vista do materialismo histórico quando nos referimos a sociedades classistas? Comecemos por citar a opinião que a este respeito dão os autores soviéticos, Rosental e Judin, em seu Dicionário filosófico abreviado. Dizem:

Em uma sociedade antagônica, a cultura espiritual é uma cultura de classe. A cultura dominante é a cultura da classe dominante. Ao desenvolver-se como consequência das contradições sociais, é um instrumento de luta de classes. Nesta lucha, as diversas classes utilizam meios culturais tais como a escola, a ciência, a imprensa, as artes, etc, para alcançar seus objetivos.[10]

Os autores parecem sugerir, pois, que só a cultura “espiritual” é uma cultura de classe nas sociedades antagônicas; não é, portanto, a cultura “material”. Porém ao nosso ver esta distinção, ao estar basada na vaga dicotomia “espírito-matéria” e não nas categorias do materialismo histórico, aprofunda o problema em lugar de resolvê-lo. A imprensa que se referem é “espírito” ou “matéria”? A ciência, atividade “espiritual” ao que parece, forma realmente parte de uma cultura de classe nas sociedades classistas?

Em sua ânsia de resolver o problema, Rosental e Judin incorrem em um segundo erro teórico que consiste em confundir o que é propriamente uma cultura de classe (no sentido que assinalamos) com o que é uma questão bem distinta: a utilização pelas classes de certos elementos culturais como instrumentos de luta. Os conhecimentos em matéria de aeronáutica, por exemplo, não formam parte de nenhuma cultura de classe, no máximo uma sociedade capitalista eles podem ser utilizados para reprimir os setores populares ou destinar-se ao uso preferencial de determinada classe. São duas ordens de problemas totalmente distintos na medida em que em um caso estamos ante objetos internamente estruturados de acordo com uma lógica de classe e no outro não.

Que tratamento deu Lenin a esta questão e como chegou a estabelecer uma diferenciação entre o que é propriamente uma cultura de classe e o que em rigor não é?

Em suas conhecidas Notas críticas sobre la cuestión nacional Lenin foi muito enfático ao afirmar:

Ao proclamar a consigna de “cultura internacional da democracia e do movimento proletário mundial”, tomamos de cada cultura nacional só seus elementos democráticos e socialistas, e os tomamos única e exclusivamente como contrapeso à cultura burguesa e ao nacionalismo burguês de cada nação.[11]

No entanto, seis anos mais tarde uma consigna que parecia contradizer flagrantemente a anterior:

Deve-se tomar toda cultura que o capitalismo tem deixado e construir com ela o socialismo. Deve-se tomar toda a ciência, a técnica, todos os conhecimentos, a arte. Sem eles não podemos construir a vida da sociedade comunista. E esta ciência, esta técnica, esta arte, estão nas mãos e nos cérebros dos especialistas.[12]

O Lenin de 1919 contradisse realmente o Lenin de 1913? Certamente não. Em 1920 voltou a insistir que “não se pode banir nem destruir os intelectuais burgueses”, ou seja, a esses especialistas dos que falava um ano antes; porém simultaneamente advertiu que:

[...] deve-se vencê-los, transformá-los, refundi-los, reeducá-los, assim como deve-se que reeducar, ao preço de uma luta, sobre a base da ditadura do proletariado, os próprios proletários, os quais tampouco se soltaram de seus preconceitos pequeno-burgueses subitamente, por milagre, sob a prescrição divina, sob o efeito de um lema, de uma resolução, de um decreto, senão somente ao preço de uma luta de massas, prolongada e difícil, contra as influências pequeno-burguesas nas massas.[13]

Que pensava definitivamente Lenin sobre a cultura “espiritual” herdada do capitalismo? Que era ou não uma cultura de classe? Que devia assimilá-la ou que devia derrotá-la? Cremos que o ponto chave para entender sua posição sobre este assunto — posição que nada tem de contraditória — consiste em por em evidência que sua análise do problema cultural passa por um esquema teórico que não guarda relação alguma com la dicotomia “espírito/matéria”, e sim está referindo-se a diferentes planos estruturais do todo social.

Com efeito, quando afirma que de cada cultura nacional deve-se tomar somente seus elementos democráticos e socialistas, Lenin alude a determinada dimensão da cultura: a que tem a ver com as ideais, representações, costumes, hábitos, etc, vinculados ao plano das relações sociais de produção; quer dizer, às relações de exploração e dominação-subordinação que mantêm uns homens em relação a outros (relações de classe). E neste plano, claro, o socialismo mal pode fazer sumir esta cultura: tem que vencê-la. Tem, entre outras coisas, que reeducar seus portadores, impulsando uma luta de massas capaz de estabelecer a hegemonia ideológico-cultural do proletariado (revolução cultural).

Por outro lado, quando Lenin fala de “tomar toda a cultura que o capitalismo deixou”, se refere sem dúvida a outra dimensão dessa cultura: concretamente, a todos os conhecimentos e maneiras de fazer (técnicas) que implicam variados graus do domínio do homem sobre a natureza; isto é, a parte da cultura que tem a ver com o desenvolvimento das forças produtivas, seja em seu aspecto “material” como “espiritual”. Por isto aqui inclui também a arte, que em certo nível é uma prática encaminhada ao domínio “espiritual” da natureza (seja da exterior ao homem ou de sua própria). E não inclui aqui a cultura enquanto portadora de determinadas ideologias, a qual é objeto de outro nível de análise (veremos esse ponto nas reflexões do próprio Lenin sobre a obra de Tolstoi).[14]

Esta pequena revisão das diferenciadas tomadas de posição de Lenin com respeito à “cultura” parecem concordar com nossa tese de que a órbita cultural vinculada ao desenvolvimento das forças produtivas não constitui uma cultura de classe propriamente dita, por mais que em uma sociedade antagônica esta órbita esteja, como é natural, instrumentalizada pela classe dominante.

Esta distinção é de vital importância no plano político por duas razões: a] porque negando a existência das culturas de classe nos conduzimos inexoravelmente a um desvio de direita, e a posição contrária, de reduzir toda a cultura em termos classistas, nos conduzimos a um erro de esquerdismo; e b] porque aquela distinção determina duas formas diferenciadas da luta de classes: luta pela abolição da cultura de classe de seu adversário, em um caso; luta pela expropriação dos elementos culturais não classistas que esse adversário acumulou, por outro lado.



[1]Agustin Cueva Dávila, sociólogo equatoriano, morreu no dia lº de maio de 1992, vítima de câncer. Nestes tempos difíceis, nos quais na América Latina os sonhos de uma transformação radical se evaporaram e as utopias socialistas estão fora de moda e em descendente popularidade, Agustin Cueva foi daqueles intelectuais que até o fim de sua vida manteve-se fiel às suas crenças políticas e ideológicas. Ainda que nunca tivesse se filiado a um partido de esquerda, sua formação maoísta (de juventude) jamais o abandonou inteiramente, embora tenha se matizado em sua idade madura. Crítico da burocracia e do dogmatismo dos Partidos Comunistas latino-americanos, caracterizou-se, entretanto, por posição militante antitrotskista.” PRADO, Maria Lígia Coelho. A trajetória de Agustin Cueva. Estud. av.,  São Paulo,  v. 6,  n. 16, Dec.  1992 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141992000300015&lng=en&nrm=iso>.
[2] 1 Cf., por exemplo: C. Marx, F. Engels, Obras escogidas, 3 vol. ed. Progreso, Moscú, 1973.

[3] Isto ocorre inclusive em uma obra como La ideologia alemana, onde cultura é mencionada poucas vezes e sobretudo para indicar que está intimamente vinculada ao processo de produção material e que se enriquece com o incremento do intercâmbio universal.

[4] A passagem completa a partir do qual extraímos essa definição diz: "Está claro, portanto, explicado acima, que a verdadeira riqueza espiritual do indivíduo depende inteiramente da riqueza de suas relações reais. Só assim se liberam os indivíduos concretos das diferentes travas nacionais e locais, se colocam em contato prático com a produção (incluindo a espiritual) do mundo inteiro e se colocam em condições de adquirir a capacidad necessária para poder disfrutar desta completa e multiforme produção de toda a terra (as criações dos homens)”. Carlos Marx- Federico Engels. La ideologia alemana, ed. Pueblos Unidos, Buenos Aires, 1973. p.39.

[5] Em seu livro Sociedad, formação económico-social y cultura, Luis F. Bate chega à conclusão de que “a categoria de cultura não é e nem pode ser considerada como categoria explicativa central de nenhuma disciplina da ciência social”; mas que “no entanto, é indispensável precisar com clareza as relações categoriais, objetivas e lógicas, entre o aspecto cultural da sociedad e a categoria explicativa fundamental de formação económico-social”, ed. de Cultura Popular, México, 1978, pp. 194-95.

[6] Notas críticas sobre la cuestión nacional, citado segundo o texto presente em Lenin, Escritos sobre la literatura y el arte, ed. Península, Barcelona. 1975, pp. 160-61.

[7] Antonio Gramsci, Cultura y literatura, ed. Península. Barcelona, 1977, p. 330.

[8] Loc. cit.

[9] Ibid., p. 331.


[10] Ed. Quinto Sol, México, s.f., p. 105.

[11] Op. cit., p. 161.

[12] Los éxitos y las dificultades del poder soviético, recopilado en op. cit., p. 156. José Carlos Mariátegui, formula una reflexión similar: “El socialismo presupone la técnica, la ciencia, la etapa capitalista; y no pode importar el menor retroceso en la adquisición das conquistas da civilización moderna, sino por el contrario la máxima y metódica aceleración da incorporación de estas conquistas en la vida nacional”, ldeología y política, Ba. ed., ed. Amauta, Perú, 1977, p. 161.

[13] La enfermedad infantil del comunismo: el “izquierdismo”. pasaje recopilado en op cit., p. 160.

[14] Op. cit., pp. 121-51.

terça-feira, 24 de julho de 2012

"A existência é um escândalo": os erros do filme Cronicamente inviável (2000), de Sérgio Bianchi

 [Augusto Machado]

Sérgio Bianchi é um cineasta brasileiro que nas últimas décadas ganhou destaque e prêmios por seus filmes e temáticas “polêmicas”. O artista se debruça sobre nossa nação, sociedade e cultura brasileira com acidez e por vezes brutalidade pouco vistas.

Seu filme de 2000, Cronicamente Inviável, Bianchi tenta descrever e analisar a decadência da identidade e vida nacional. É um filme desconfortante: recortando pedaços sociais do Brasil de hoje, da miséria do povo à corrupção do dia-a-dia, da hipocrisia e mediocridade ao jeitinho brasileiro trambiqueiro, da cordialidade à violência caótica, o cineasta nos apresenta um verdadeiro teatro dos horrores (muito antigo por sinal) da vida privada e pública na sociedade brasileira, onde não escapa nenhuma classe ou região. Seja o baiano pobre ou o carioca do centro, seja o sulista trabalhador ou da elite: todos estão no mesmo barco pobre que é nossa nação, história e gente. Nossa cultura é um amontoado irracional: cronicamente inviável.

Seríamos um projeto de nação e de povo que deu errado? Há um culpado maior? Seríamos todos nós? Estaríamos para sempre presos nesse enredo? Essas são as perguntas colocadas pelo autor, implicitamente, durante o decorrer do roteiro. A resposta é sempre pessimista, com um ar de irracionalismo. Em várias cenas, a violência, física ou simbólica, presentes em todas as esferas da vida carioca, regadas cinicamente ao som da bossa nova de Tom Jobim é um exemplo de como o artista pretende expor a contradição quase insolúvel de nossa realidade nacional caótica. No fundo parece mesmo que fomos determinados, ou pela nossa trágica história, ou pelo cínico acaso da existência, ou pela natureza humana ou étnico-racial, à mais simples e brutal barbárie sem fim.

Essa forma de colocar à questão na realidade retrata as contradições ideológicas das “classes médias” (Sergio Bianchi é um artista de setor urbano da região sul-sudeste formado na USP) em busca de um engajamento político, através da arte, que busca resolver ou pelo menos expor os “problemas sociais” que percebem em seus cotidianos.

Diante o caos da sociedade brasileira e a ausência de uma classe organizada politicamente com força social capaz de levar a cabo a tarefa histórica de resolução de problemas que há séculos se arrastam, um sujeito da camada média urbana, ideologicamente, tende a cair num profundo dilema com fortes tendências moralistas e existenciais. E esse dilema só pode ter soluções extremamente dramáticas e esteriotipadas. Podemos ver isso no filme, que nada mais faz que retratar uma interpretação dita científica do povo brasileiro: a do famoso “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. Parece que a versão subjetivista weberiana de tipos ideais para explicar o “caso brasileiro”, é a que mais agrada essas camadas sociais.

Esse doloroso dilema é encarnado pelo alter ego do cineasta, um personagem velho que viaja pelo Brasil como um espectador do absurdo relatando o a vida nacional com asco, e é de fato a voz do roteirista do filme. A leitura que este personagem faz da realidade que vê tem fortes traços fatalistas.

Já que, aos olhos do artista, fomos condenados pelo Destino, como um personagem kafkiano, a vagar por este inferno com risco de, de repente, ter uma morte sem sentido e brutal, existiria alguma solução para pelo menos amenizar esse fado? Para nos dar uma "solução", então o autor parece se projetar no personagem imigrante de sangue polonês, trabalhador, que depois de sofrer muitas injustiças e ver o podre da hipocrisia da classe média filantrópica, bem intencionada e hipócrita, vê na defesa, pelo menos verbal, do terrorismo como solução. Solução, niilista, diga-se de passagem, tipicamente pequeno-burguesa: diante do estranhamento no mundo social devastado, entendido como karma existencial, a crítica moral mais contundente é o terrorismo individual, com estética messiânica.

Fica claro que as críticas progressistas que a obra tenta realizar, como o extermínio indígena que fez surgir a farsa burguesa de unidade nacional harmônica, a violência policial de um lado, e a hipocrisia das elites ou subelites de outro, frente à miséria do povo, entre outras, não escapam do viés fatalista, sem esperanças no povo ou na história. Bianchi se torna uma metralhadora que atira em todos, sem perdão, ou pelo menos, nos esteriótipos das classes e populações regionais frutos de uma observação individual e parcial do artista, possivelmente feita dentro de seu carro com ar-condicionado e vidro fumê. Questões importantes colocadas pelo filme como: como nossa formação e configuração cultural e ideológica impactam na nossa história e nossa atuação e escolhas políticas? Qual são as características culturais das classes sociais brasileiras, suas contradições e possibilidades? Entre outras, são escurecidas desde o início pelo fatalismo irracional e estereotipado do artista. A arte aqui serve mais para a expressão pura e simples da angústia do artista que para uma busca concreta e coletiva de uma práxis transformadora das contradições que nos rodeiam.

Terminando de ver o filme, não há dúvidas: do fracasso nacional, culpado somos todos, logo o culpado maior não há; somos todos vítimas, e ao mesmo tempo cúmplices. Nossa história é uma tragédia, onde não cabem explicações sócio-históricas como colonialismo, imperialismo... Está mais para condição ontológica do que condição histórica. Por isso precisamos nos mutilar moralmente, atacar nossa hipocrisia e nossa má sorte, radicalizando às vezes, mas sem muita esperança.

Bem, são poucos que podem ter este deleite martirizante que não deixa de ser egocêntrico. Àqueles que a realidade não os deixam respirar e os chamam a agir, não há tempo para crônicas quietistas. "A existência é um escândalo" nos dizia o jovem Sartre, e também parece nos dizer Bianchi, só que se referindo a existência brasileira. Só nos resta pensar se isso é uma dor agradável para aqueles que podem fugir dela numa férias em NY ou em Paris.