Nossa nação saiu recentemente de mais um “show da democracia”:
as eleições municipais. Buscaremos expor algumas reflexões sobre o tema.
A inerência da corrupção
“Uma vez [e somente aí!] desaparecidas as diferenças de classe ao longo do
desenvolvimento e estando concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos
associados, então o poder público perde o caráter político”
Marx
O modelo de Estado brasileiro, proveniente de um longo
processo colonial e de subordinação às elites estrangeiras vinculadas com as
locais, é caracterizado por uma forte tendência corruptiva seja nos níveis mais
elementares e locais, até mesmo nas altas esferas. Esse traço não é
consequência de uma natureza humana ou tupiniquim, imutável, cujas supostas
provas são inúmeras. Na verdade, como dito, tem sua funcionalidade, quer seja,
garantir a reprodução de uma formação social subornada aos interesses das
classes dominantes locais em consonância com as necessidades do sistema
econômico global hegemônico no momento, o imperialismo.
A corrupção zomba do conceito e pretensão da esfera pública,
surgida somente com a sociedade burguesa. Vale ressaltar que a esfera pública
pura, como quer a ideologia burguesa ou pequeno-burguesa (com seus protestos
moralistas anti-corrupção) é uma ilusão, já que a organização estatal e social, e sua administração, diz sempre respeito a interesses objetivos econômicos, de classes, e não da
sociedade como um todo. Porém, sua efetividade e tamanho são variáveis. Há
países capitalistas com esfera pública e política mais representativa e efetiva, outros
menos etc. O fato é que a corrupção é persistente, e como um fantasma de outras
épocas não-liberais, coloca a esfera pública como serviçal dos interesses
privados. E no Brasil, ganha ares assombrosamente cínicos.
Legitimidade do Estado e a farsa eleitoral
Se a corrupção é peça integrante da máquina estatal, podemos
questionar o quanto isso afeta a legitimidade (e a falsidade desta) do status
quo.
Nas sociedades democráticas, de Estado de Direito, as
eleições e respeitos as normas legais são tidas como termômetros do nível de
legitimidade do Estado. Se estas são respeitadas e consideradas, eis a prova
quantitativa (democrática) de que o status quo é legitimo. E o contrário também
é verdadeiro. Mas a eleição seria um bom critério para revelar a legitimidade
de um modelo econômico-político? Os reformistas, os maiores
interessados na conservação da mamata da máquina “pública”, acreditam que sim.
Como diz Lenin em Estado e Revolução, eles “partilham e fazem o povo partilhar
da falsa concepção de que o sufrágio universal, no Estado atual, seja capaz de
manifestar verdadeiramente e impor a vontade da maioria dos trabalhadores”.
Ora, a corrupção, mais propriamente a troca de favores se
utilizando da esfera pública como moeda de troca, não poderia facilmente
falsear (ou melhor, corromper) essa prova? E não é essa uma realidade gritante no nosso país, dos
clientelismos, assistencialismos patrimonialismos, coronelismos e afins?
Logicamente, os favorecidos pela corrupção vão legitimar e
mobilizar “consideração” ao Estado, não como fim em si mesmo, por acharem que influenciam significativamente as escolhas políticas (democracia), mas como meio de
continuar sua posição “privilegiada”. Um exemplo são os cargos indicados pela
sociedade política, o mar de contratações “partidárias” que inundam todas as
esferas da federação. Uma burocracia mais ou menos estável se forma, e esta precisa forçar a simulação de legitimidade para a perpetuação de sua condição.
Antes de pensarmos de maneira moralista, é importante
perceber o quão útil e necessário (para o sistema) essa prática é em nossos
tempos - o nos outros também, onde houver regime de dominação. E com os constantes cortes na esfera pública propriamente dita, o
desemprego estrutural etc., se utilizar da troca de favores é uma forma de
sobrevivência, um jeito de “ganhar a vida”, para uma parte considerável da
população, que não se encaixa verdadeiramente na burocracia estatal, mas barganha por pequenos e médios assalariamentos ou negócios. Esse jeitinho não é "brasileiro", mas sim efeito de uma formação brutalmente desigual, onde técnicas de sobrevivência e "cordialidade" frente às normas para a aquisição de níveis mínimos de vida se estruturaram por vários setores populares.
Entendamos de vez o circo democrático de legitimação que são
as eleições: quanto mais pessoas (físicas e jurídicas) dependerem dos “favores”,
maior será a farsa, mais simulacro gera. Eis a face econômica e política que surge determinando em última instância os processos ditos puramente "técnicos" e judiciais.
Então, é preciso desmascarar a farsa eleitoral para além do
elogio ao boicote/abstenções (que inclui também apoliticismo e situações circunstanciais).
Mas também como um jogo extremamente corrupto, inclusive pelo poder manipulador da
propaganda e do dinheiro para a mesma, em que boa parte do povo participa não
por acreditar no Estado atual, mas por depender de uma ou outra migalha da
esfera pública comandada por caciques que mais se assemelham a diretores de um
teatro dos horrores, ou de um mercado macabro de siglas-fantoches. Ou mesmo por não ver outra opção no horizonte.
E como
dizia Lenin, a massa só aprende pela experiência própria, com várias e duras
lições ao longo do tempo, coordenada e sistematizando suas vitórias e derrotas. Não há outro remédio.
O alto preço pago pelo Estado (ou mesmo pelos “movimentos
sociais” reformistas, como a falida UNE, correndo atrás de jovens incautos para votarem) em
propagandas que beiram ao ridículo para convencer o povo dos prestígios de
exercer sua cidadania, já é um indício de luta de classes: quando a movimentação
do outro lado é grande, é porque há preocupação, e o lado de cá não parece tão
acomodado quanto parece. Que os reformistas continuem sua lengalenga e roubalheira:
seus dias estão cada vez mais contados assim. Mal sabem eles que o povo há muito desiludido (para a pequena-burguesia perdida, um bando de "alienados") pouco se importa com as fachadas criadas por eles, e podem muito bem sair do jogo quando uma verdadeira alternativa lhe for dada.
Saudações, companheiros! O que a burguesia chama democracia, eu digo ser uma ditadura. A legalidade, a burocracia, todas com sua pretensa imparcialidade, são uma falsa representação da realidade: o Estado é um aparelho tipicamente burguês, portanto, inimigo das classes populares. O grande problema é como esclarecer isso à trabalhadora e ao trabalhador, ideologicamente esgotados por um cotidiano de luta desesperada pela sobrevivência. Que mil grupos de estudos e debates se multipliquem pelo mundo. Especificamente sobre as eleições, há um texto, "Teoria materialista do Estado" do Joachim Hirsch, que pode ser esclarecedor em algum sentido. Apesar de que fundamental é a leitura do "Poder e classes sociais" do Poulantzas. Nele, o sistema eleitoral, entre outros, serve para reproduzir as relações de produção capitalistas, permitindo com que se altere o governo (gestor), mas sem alteração no modo de produção. Abraço.
ResponderExcluirSaudações, companheiros! O que a burguesia chama democracia, eu digo ser uma ditadura. A legalidade, a burocracia, todas com sua pretensa imparcialidade, são uma falsa representação da realidade: o Estado é um aparelho tipicamente burguês, portanto, inimigo das classes populares. O grande problema é como esclarecer isso à trabalhadora e ao trabalhador, ideologicamente esgotados por um cotidiano de luta desesperada pela sobrevivência. Que mil grupos de estudos e debates se multipliquem pelo mundo. Especificamente sobre as eleições, há um texto, "Teoria materialista do Estado" do Joachim Hirsch, que pode ser esclarecedor em algum sentido. Apesar de que fundamental é a leitura do "Poder e classes sociais" do Poulantzas. Nele, o sistema eleitoral, entre outros, serve para reproduzir as relações de produção capitalistas, permitindo com que se altere o governo (gestor), mas sem alteração no modo de produção. Abraço.
ResponderExcluirEsse texto, assim como tantos outros do blog, infelizmente são muito mais intuitivos do que analíticos e sistemáticos. Fruto da falta de acúmulo teórico e das limitações subjetivas de quem o escreve, sem dúvida. Mas se servir pelo menos de ponta pé para articular outras reflexões, já vale.
ResponderExcluirObrigado pelas indicações, camarada. Pessoalmente, nunca li Hirsch, mas me interesso pela temática. Poulanztas tive oportunidade de ler, não só Poder... É um grande teórico, conseguiu fechar várias lacunas e arestas que a tradição da política e do direito de Lenin, Gramsci, Althusser, Mao deixaram. Há vários conceitos dele que tento usar em minhas reflexões. Também publicamos um trecho de uma obra dele aqui: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/08/as-classes-sociais-na-teoria-marxista.html . E o utilizamos aqui também: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/05/o-que-nao-avanca-retrocede.html.
Estamos abertos a mais indicações!
Abraço, Augusto M.
Companheiros, lerei os dois link´s indicados e lá farei mais comentários. Abração. VINÍCIUS
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