quarta-feira, 28 de agosto de 2013

As vergonhosas aventuras de uma filósofa: sobre compromissos metafísicos com o oportunismo

 [Augusto Machado]

Diz o discurso ideológico da filosofia que ela tem o compromisso com a verdade. Mas talvez, assim como o jornalismo, ela, dada sua capacidade de manipulação, esteja mais próxima das artes circenses. A sombra sofista persiste na ágora e a filosofia volta e meia retorna às suas origens!

Foi um choque (?), sobretudo para os manifestantes cariocas, que há meses tocam uma jornada de luta heroica contra um governo (da aliança governista) assassino e mafioso, as declarações da "filósofa" Marilena Chauí para a sombria PM rio. Para ela, facistas são os Black Blocks (grupos de autodefesa nas manifestações). E não a Polícia brasileira que persegue, fere, reprime arbitrariamente, tortura e até mata quem se levanta por uma causa justa. Nem as empresas e governos e controlam essa máquina feroz.

Parece que a filósofa vê "fascismo" em tudo que não condiz com seu PT. Em uma palestra para o PCdoB, recentemente, ela taxava toda a classe média de fascista. Seria uma defesa pura e sectária do proletariado? Obviamente que não. Agora são os manifestantes, que desejam por um basta na chacina e guetificação dos pobres cariocas, os fascistas. Quanto rigor conceitual!

Vejamos os malabarismos:

“Temos três formas de se colocar. Coloco os “blacks' na fascista. Não é anarquismo, embora se apresentem assim. Porque, no caso do anarquista, o outro [indivíduo] nunca é seu alvo. Com os “blacks', as outras pessoas são o alvo, tanto quanto as coisas”, disse ela. Chaui afirmou ainda que as manifestações de junho em nada se assemelham aos protestos de maio de 1968, na França.  Para ela, as reivindicações atuais dialogam com o poder constituído, o Estado. “O grande lema [em 1968] era: é proibido proibir porque nós somos contra todas as formas de poder. Não se reivindicou nada. [...] As manifestações de junho não disseram “não' a coisa nenhuma. Eles se dirigiram ao poder, ao Estado e pediram diminuição da tarifa, mais verba para educação, saúde, CPIs e auditorias contra a corrupção e contra a Copa. Fizeram demandas institucionais ao poder.”[Retirado da Folha]

Impossível não comentar:

1- No plano político ou militar há pessoas e "coisas", que encarnam instituições, ideologias, bandeiras. Para ela a luta política é uma luta de significações, ou melhor, só possível nas urnas!

2- Em qualquer blog adolescente se encontra uma definição de 68 como esta. Não se reivindicou nada nos EUA, na França, na Itália, nas ditaduras latino-americanas?

3- Junho não disse não? Nós que somos muito pessimistas ao ler "não queremos mais uma vida caótica!", onde na verdade haveria "queremos uma vida mais digna". Malabarismo sagaz! O fato é que essas demandas institucionais põem em cheque o próprio formato pobre do Estado e democracia brasileira.

Talvez a filósofa tenha se sentido um pouco um Adorno de saias e tupiniquim. O grande teórico alemão, nos levantes de 68, preferiu não sair de sua mansão de mármore para compreender e apoiar as ruas e chamar tudo que via uma ameaça ao seu recanto e de caráter fascista. O acontecimento mais marcante foi a ocupação estudantil na Universidade de Frankfurt, finalizada com a atuação da polícia chamada pelo próprio Adorno. Em sua entrevista "a filosofia muda o mundo ao manter-se como teoria" fala:

"O poeta Grabbe tem uma sentença: “Pois nada senão o  desespero pode salvar-nos”. Isto é provocador, mas nada tem de tolo. Não  vejo como condenar que se seja desesperançado, pessimista, negativo no  mundo em que vivemos."

Que destino negro esses dos grandes iluminados, viver num mundo de massas irracionais e violentas (sejam da classe média, ou da população rebelde e pobre)! Que o CNPQ e a PMERJ nos salve! Para eles, o anti-intelectualismo (ou seja, anti-academia burguesa) é o maior sinal de fascismo. E não a perseguição e eliminação sistemática da população pobre e dos movimentos populares. Veem no critério da prática um viés burguês, mas não veem em si um comportamento pior: aristocrático.

Em crítica a Adorno, Marcuse escreveu à época a legitimidade de ocupações de prédios, por exemplo, e que "na medida em que a democracia burguesa (em virtude de suas antinomias imanentes) se fecha à transformação qualitativa, e isso por meio do próprio processo democrático-parlamentar, a oposição extraparlamentar torna-se a única forma de "contestation": "civil disobedience", ação direta. E as formas dessa ação não seguem mais o esquema tradicional.". Um intelectual é mais honesto quando desce de se pedestal e reconhece que a história e as contradições na massa vão além que suas laudas e notas de rodapé fechadas.

O Batalhão de Choque coordena a repressão na rua; no quartel, quem dirige o batalhão ideológico é um intelectual "progressista" do PT. Tiro para todos os lados! Tudo em prol das instituições democráticas do Rio! Afinal, vivemos uma revolução no país - ordeira, claro, pois somos civilizados. E um processo de revolução avançado: estamos conseguindo até mesmo mexer numa das formas de opressão mais profundas no Brasil, a opressão contra a mulher... através da Bolsa família (sic, segundo Chauí), essa estranha espécie de revolução cultural que coexiste com a submissão estatal e econômica, e cuja direção revolucionária é um banco internacional... Essa dialética não conseguimos captar, talvez com um doutorado na USP possamos um dia. Ou melhor, com doutorado em oportunismo, possível em estágios nas centrais sindicais pelegas e partidos reformistas.

Quem sabe nos próximos acontecimentos vejamos uma uspiana do escalão de Chauí se juntando com a equipe das Olavetes (Pondé e cia) para mais algumas "alianças táticas" filosóficas. Pois no mercado eleitoral, a verdade é só mais uma mercadoria.

2 comentários:

  1. Isso nos faz repensar seriamente sobre as referências em pensadores da esquerda... Atualmente, para vocês, quais seriam as melhores referências de intelectuais?

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  2. A intelectualidade "acadêmica" no Brasil tem sofrido um recuo ideológico, movimento este que não é só nacional. Nesse sentido, seguindo a maneira de leitura de Hegel por Lenin, devemos utilizar análises, dados etc. úteis e complementá-las com uma fundamentação mais marxista. Descascando alguns, podemos encontrar muitas coisas úteis, já outros não sobrarão nada.

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