[Augusto
Machado]
O século
XX marca o ápice de influência política e cultural do marxismo em todo o mundo.
Sob esta bandeira se organizaram partidos e movimentos de massa que realizaram
as revoluções e revoltas que caracterizam o século onde o fim do capitalismo
parecia enfim decretado. Mas a era das revoluções proletárias subitamente se
corroeu e “a maré recuou e deu lugar a um tsunami neoliberal”, hoje hegemônico
e de forte apoio cultural e político em diversos cantos do mundo. Eis retorno
triunfal de uma ofensiva do imperialismo.
Depois
das duas últimas décadas do século XX a esperança de uma alternativa sistêmica
e concreta ao capitalismo parece ter sumido do horizonte político e teórico em
grande parte. “O trabalho perdeu sua força”, como diz o autor, suas
organizações e ideologias foram desmanteladas, ao mesmo tempo em que o capital
se reestruturava no centro e retomava as regiões antes do bloco socialista. A
esquerda, segundo o autor, sobrevive timidamente através dos novos Fóruns
Mundiais, cúpulas, congressos, movimentos antiglobalização, de imigrantes, da
resistência árabe, ou em alguns governos mais experimentais como na América
Latina etc. Mas a velha política socialista (e até mesmo social democrata),
esta está bem apagada, aproximando-se a um conjunto de seitas sem
expressividade de massa e poder social efetivo, com poucos indícios de retorno.
“Nos países onde o sistema permite, o apoio a esse tipo de política varia entre
5% a 20% [...] o subdesenvolvimento da teoria política marxista, juntamente com
a reestruturação das sociedades capitalistas, torna improvável que uma política
socialista ascendente possa ser marxista. O zênite de classe trabalhadora
industrial acabou, enquanto sujeitos políticos antes ignorados agora tomam a
dianteira [...] Os antigos mapas da rota para o socialismo perderam suas
coordenadas. Novas buscas precisam ser feitas; é de se esperar que levem algum
tempo”.
Essa
análise desiludida a um retorno da política socialista e marxista perpassa
todos os capítulos do livro, mas agora o objetivo do autor é ver quais
respostas estão sendo dadas no nível teórico a esse desastre.
Nesse
quadro histórico sombrio, como pensar e o que aconteceu com a teoria marxista?
Para o autor o marxismo é uma “ideologia” que se enquadram no cenário histórico
da modernidade, como já vimos. Mas nesse capítulo o autor propõe um esquema
“triangular” interessante para caracterizar o marxismo. Os três pólos
são:
“Intelectualmente,
o marxismo é, antes de tudo, uma ciência social histórica [...] que foca a
operação do capitalismo e, mais em geral, os desenvolvimentos históricos determinados,
“em última instância, pela dinâmica das forças e relações de produção. Em
segundo lugar, o marxismo é a filosofia das contradições ou dialética, com
ambições epistemológicas e ontológicas, assim como com implicações éticas. Em
terceiro lugar, é um modo de política da classe trabalhadora socialista; ele
forneceu a bússola e o mapa para a derrubada revolucionária da ordem existente.
A política é o vértice dominante do triângulo, o que torna o “ismo” uma
corrente social e não apenas uma linhagem intelectual. O materialismo
histórico, com a crítica da economia política marxiana, e a dialética
materialista, com a filosofia social da alienação e o fetichismo da mercadoria,
tinham seus atrativos intelectuais intrínsecos, mas estão em geral conectados a
[...] uma política de classe socialista.”
Esse
triângulo será fundamental para entender o pós-marxismo e outras variantes do
marxismo “tardio” do Norte, que provém em grande medida do marxismo ocidental
já comentado.
Para o
autor a partir dos anos 80 a política socialista se desintegra e o triângulo é
desfeito, de maneira “irremediável”, completa. Assim, o tapete do pensamento
marxista é puxado. A atração Marx talvez não suma, assim como respostas
críticas anticapitalistas, mas os novos desafios “pós-modernos” parecem por em
xeque o triângulo antes vigoroso.
Pós-modernidade
aqui aparece como o cansaço (temporal-histórico) do progresso moderno que, após
avançar ao máximo e se consolidar pelo mundo, minando os moldes culturais
tradicionais, enfim seu significado começa a perder credibilidade (ou seja,
suas narrativas e promessas de futuro emancipador de esclarecimento através de
uma coletividade) dando lugar ao ceticismo e busca de outras vias (o slogan do
fórum social mundial, “não queremos desenvolvimento mas sim...” e os diversos
ambientalismos são exemplos claros dessa perda de credibilidade).Ora, o
marxismo está encharcado por uma dialética da modernidade, no sentido que não a
abandona por completa, e bebe dela para sua teoria e ação.
O
pós-modernismo é exatamente o abandono da dialética da modernidade
(continuidade crítica do projeto moderno): em vez do futuro as pessoas voltam
para suas raízes identitárias primárias (raça-etnia, gênero, religião,
sexualidade). Como já sugerido no capítulo I, Goran diz que a modernidade hoje
parece ser só de direita.
Diante da
emergência da pós-modernidade, que no quadro social se refere a um processo de
desindustrialização e fim da política socialista, novos autores do pensamento
radical buscam “reviver” o marxismo, o socialismo e a esquerda, cada um a sua
maneira. Goran nos traça um panorama de diversos autores, entre a filosofia, a
economia, a sociologia e adiante que se dividem inicialmente tipos de respostas
e características centrais, são elas:
Virada
teológica (Europa): inclui
autores pós e neomarxistas na filosofia social e política como Badiou (que
substitui Lenin por Paulo, na tentativa de uma nova figura militante para a
nova fase da hipótese comunista); Zizek, seguindo os passos de Badiou, ao
comparar Lenin com Paulo; Hardt e Negri, com seu São Francisco e o militante
comunista “feliz”, oposto ao tristonho militante do Comintern. Essa resposta
também inclui autores que retornaram para a religião e para o cristianismo,
como Habermas, ou como Terry Eagleton, que voltou para a militância
católica.
Pode-se
dizer que o nome de Carl Schmitt, que também era teólogo, é referência
implícita ou explícita aqui.
Futurismo
(norte-americano): inclui
utopistas como Jamenson, Harvey, e outros mais apocalípticos e otimistas como
Wallestein e Arrighi. Em vez de retornarem às figuras teológicas, esses autores
se voltam para um pensamento do futuro, o colapso do capitalismo e o retorno da
importância utópica.
Deslocamentos
de classe: apostando na tese
da pós-industria pelo menos nos países centrais, o autor demonstra como a
classe perdeu muito sua centralidade: “Classe continua a ser a principal
categoria descritiva em muitas arenas [ciências humanas “empíricas”, sobretudo]
Mas a maioria das conexões entre essa corrente descritiva principal, de um
lado, e a ação social política e a teorização radical dessa ação, de outro, foi
cortada. [...] a classe e a emancipação de classe não são mais as preocupações
principais”. Gênero, raça, cidadania (Direitos humanos), ocupam lugares de
destaque para a nova teoria social e política, e uma análise de classe profunda
e mundial como era feita até os anos 70 não existe mais.
Pode-se
notar com isso o aparecimento de teorias de classe sem luta (sobretudo na
sociologia), e teorias de luta sem classe (mais comum na Europa e no terreno da
filosofia). Nessa última “corrente” destacam-se os nomes de Laclau e Mouffe,
com talvez o trabalho mais importante de filosofia política de nossa época, e
Balibar, ex-aluno de Althusser que se mantem menos herético ao marxismo mais
clássico. Em Laclau e Mouffe a classe é substituída pela noção de antagonismo e
política pura, de disputas de hegemonia de interesses particulares,
influenciada pelas pesquisas sobre populismo e a psicanálise lacaniana. Em
Balibar a luta de classes permanece como estrutura determinante, mas não mais a
única.
Saídas
do Estado: a pós-modernidade
também traz a perde a problemática soberania estatal, e, já com a luta de
classes posta de lado, agora é o próprio objetivo desta (poder de estado) que é
abandonada. No lugar do Estado vemos surgir as noções de império, globalização
etc. Como propostas temos o retorno da sociedade civil e da democracia radical,
as colaborações de ação comunicativa de Habermas, ou até mesmo a pretensa
resposta ortodoxa de Zizek, com seu anticapitalismo que mescla crítica cultural
“pop” com clássicos do marxismo tradicional.
Retorno
à sexualidade: aqui temos o
surgimento da teoria queer e o resgate da psicanálise, sobretudo lacaniana
(alguns chegam a chamar de esquerda lacaniana).
Homenagem
às redes: substituição do
conceito de estrutura por redes, com respectivos impactos políticos
organizacionais (exemplo: Casttels).
Economias
políticas: terreno pouco
visitado pelos principais teóricos marxistas de hoje, fato que já se podia
identificar no marxismo ocidental. Basicamente a crítica da economia política
continua a ser feita pelos próprios economistas acadêmicos de vertente
neoricardiana. Também se destacam as teorias da globalização, a economia
institucional e a teoria da regulação e outras tentativas progressistas em era
neoliberal de aproximação entre economia, história e o social, mas com um
tratamento não tão comum ao marxismo clássico.
O autor
reorganiza essas respostas e características centrais num outro esquema que
reproduzimos abaixo:
Pós-socialismo: consiste basicamente na centro esquerda, nas
reivindicações para a sociedade-civil, no reformismo, na crítica ao “comunismo
autoritário”; Giddens, terceira via, novo trabalhismo.
Esquerda
não-marxista: consiste na centro esquerda, social democracia,
anti-neoliberalismo/globalização: Bourdieu, Mangabeira Unger, Boaventura.
Marxologia
e marxismo científico: sem
comprometimento político, cientistas na economia, sociologia ou na filosofia
que utilizam o poder analítico de Marx sem levar em conta seu legado político.
Pós-marxismo:
“referência a escritores com formação explicitamente marxistas, cujos trabalhos
recentes foram além da problemática marxista e não reivindicam publicamente um
engajamento marxista contínuo. Não equivale ao ex-marxismo nem é denúncia ou
negação.” É mais distante do marxismo clássico do que o neomarxismo, porém a
relação entre neo e pós não é tão rígida, podendo haver autores que se encaixam
nos dois (exemplo dado pelo autor: Balibar). Teoria crítica talvez seja
apontada como pioneira do pós-marxismo. Laclau, Offe, Honneth, Bauman, Habermas
são autores destacados dessa corrente. Talvez o nome de Badiou “esquecido” por
Goran esteja nesse espectro teórico-político.
Neomarxismo: Zizek, Negri e Hardt, são apontados como
principais neomarxistas. Se caracterizam por escritos e propostas radicais,
porém ainda abstratas e com novas roupagens (multidão, teologia política etc.),
e retomam clássicos do marxismo.
Esquerda
resistente (marxismo resiliente):
Revistas teóricas críticas como NLR, o nome de Alex Callinicos com sua vasta
obra e o chamado marxismo analítico (Burawoy, Wrigth) são considerados aqui
como os mais ortodoxos, na tentativa de manter conceitos e problemáticas
centrais do marxismo.
A crise é
profunda, e como podemos ver, muitas respostas em muitas direções ainda não tão
consolidadas estão sendo realizadas nos últimos anos. No final de seu livro
Goran propõe uma humildade desafiadora para a esquerda, uma espécie de
paciência ainda resistente.
Mais
alguns apontamentos finais
Os
ensaios do livro foram realizados num intervalo do início do século XXI que
antecede as crises econômicas e explosões políticas que se deram a partir de
2008, com interessante protagonismo europeu. Estariam os fatos de 2008 para cá
afirmando ou indo ao contrário das teses de Goran sobre o fim da política
socialista? Não haveria agora um retorno ao ideário, mesmo que tímido, que
inclui classes sociais, retorno da noção de luta de classes, luta contra um
modo de produção, superação do capitalismo para além de reformas estatais
fragmentadas? Seria arriscado dizer qualquer conclusão nesse sentido sem uma
análise mais detalhada desses fatos políticos e movimentos recentes.
Porém, pode-se dizer que pelo menos a visão hegemônica neoliberal do fim da
histórica ficou um pouco abatida, abrindo novas brechas para uma política
radical anticapitalista.
E essa
política poderia ser de novo marxista? O triângulo está desfeito com a crise e
não apresenta nenhuma forma superior? Para Goran as modificações ocorridas na
sociedade mundial nas últimas décadas do século XX parecem dizer que não. O
abandono tanto desse autor, quanto dos autores pós, ou neo, de alguma influência
marxista, de categorias centrais do materialismo histórico (luta de classes,
por exemplo), a tendência ao ecletismo no materialismo dialético (sua
“renovação” via cristianismo é um exemplo) e a secundarização de modelos mais
claros de política socialista/proletária, parece ser uma aproximação “realista”
ao pós-modernismo imperante academicamente, como dissemos na primeira parte da
resenha.
O chamado
marxismo resiliente de Goran inclui autores diversos, mas aponta um
interessante campo de estudo sobre renovação do marxismo.
Sem
dúvida poderíamos tirar as respostas cada vez mais distantes do marxismo e do
socialismo como um sintoma de ausência de organizações políticas da classe
trabalhadora em nível internacional após a derrubada do bloco socialista e degeneração
de suas principais focos de resistência de massa. Isso o próprio Goran
concorda. Mas seria o retorno da classe trabalhadora, que ainda sobrevive, seja
nos canteiros de superexploração das novas periferias, seja sob novas formas
ainda no centro do sistema, tão impossível assim? A nova política radical se
basearia agora em contradições outras que não as da classe?
Essas
perguntas são as perguntas que todo aquele que pretende participar de um
projeto revolucionário deve-se fazer. Percebemos que o livro ao se focar na
realidade e teoria do Norte não condiz com o resto da realidade mundial. Se a
“desindustrialização” pode ser realidade em certos centros urbanos europeus,
isso não significa para o resto do mundo “subdesenvolvido”. Por isso as conclusões
categóricas que o autor do livro chega devem ser vistas de maneira mais
relativa, temporal e espacialmente.
Como
comentamos anteriormente, o marxismo é útil enquanto o modo de produção
capitalista continuar existindo. As mais inúmeras alterações deste nos últimos
anos não se configuraram de forma alguma num fim da história, ou num
pós-capitalismo, como querem muitos reacionários, e que por vezes concordam
(implicitamente) as análises pós e neo marxistas. Permanecendo, mesmo que sob
novas formas, a existência do capital, temos irremediavelmente os espaços das
classes sociais e sua disputa de interesses objetivos (luta de classes). Se o
quadro é hoje sombrio e "sem sujeito" para a revolução isso não deve
significar uma visão de crise eterna. A análise concreta da realidade que
claramente ainda possui contradições deve apontar tarefas a se fazer que ainda
girem a roda da modernidade, mesmo esta tendo sido abandonada por niilistas e
céticos de todo o tipo, dado o angustiante mundo unidimensional do pós guerra
fria que infelizmente hoje temos que viver.
Só a
história, que é feita pelas massas sob condições objetivas-estruturais
pré-estabelecidas, pode chegar a uma conclusão mais cabal. As apostas devem ser
lançadas, mesmo sem muitas garantias de vitória. E arriscar, para as massas
exploradas e oprimidas, não é uma opção, mas é por excelência uma necessidade
de sobrevivência.
PS: Se
dermos uma olhada no índice onomástico do livro, não encontraremos nenhum
vestígio do nome de Meszáros (que é europeu, contemporâneo e filho tardio do
marxismo ocidental). Parece que acertamos em nossos apontamentos sobre seu
principal livro (para além do capital) ao dizer o quão desproporcional é sua
influencia e recepção no marxismo brasileiro se comparado aos países do norte,
que andam ultimamente por outras trilhas teóricas.
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