domingo, 2 de setembro de 2012

O Presidente Operário Sindicalista e a Vitória da Conciliação no Direito do Trabalho de Wallace dos Santos de Moraes

Reproduzimos artigo publicado originalmente na Revista Crítica do Direito: http://www.criticadodireito.com.br/todas-as-edicoes/numero-2-volume-39/o-presidente-operario-sindicalista-e-a-vitoria-da-conciliacao-no-direito-do-trabalho



Esta pesquisa está guiada por um objetivo central: problematizar as mudanças legislativas no âmbito do direito do trabalho, sob o governo Lula (2003-2010), e identificar quais interesses de classe são prioritariamente atendidos.

Cabe ressaltar que esta análise será calcada na comparação das alterações no âmbito das leis trabalhistas entre o período neoliberal, principalmente governo FHC, e o governo Lula. Este debate nos proporcionará saber se há diferenças quanto ao processo de contrarreforma da legislação trabalhista nos dois contextos pesquisados.

O trabalho está disposto da seguinte maneira: primeiro, introduzimos o tema com uma rápida discussão sobre as características do período neoliberal no Brasil; depois, problematizaremos a promulgação das leis trabalhistas – sob os governos FHC e sob os governos Lula. Por fim, no epílogo do texto, traremos as conclusões gerais da pesquisa. Vamos ao primeiro passo.

Antes de apontar nossas teses, cabe advertir o leitor do método aqui utilizado. As considerações sobre o entendimento do conceito de empresariado industrial amparam-se em Poulantzas (1975); as alusões ao conceito de bloco no poder devem-se ao mesmo autor (idem, 1971). Por Direito do Trabalho, entendemos a legislação que visa regulamentar a relação entre patrão e empregado por meio de um contrato. Defendemos que o Direito do Trabalho deve ser analisado como parte integrante de um campo maior que é o Direito Capitalista. Este se sustenta, principalmente, em dois institutos: a garantia da propriedade privada dos meios de produção e o contrato. Cabe destacar que, sem esses dois institutos, simplesmente não existiria o capitalismo e, conseqüentemente, suas relações. O direito à propriedade garante a possibilidade da relação, pois estabelece as desigualdades materiais, enquanto o contrato é a materialização da relação a partir da existência do direito anterior. O contrato é celebrado como símbolo da liberdade e da autonomia do indivíduo na sociedade capitalista, materializando-se como instrumento de auto-regulamentação dos interesses particulares. Qual é a questão nodal trazida pelo contrato? Sua aplicação em uma sociedade amplamente desigual, como é normalmente a capitalista. Para efeito deste “paper” os “homens livres como os pássaros”, destituídos de qualquer meio de sobrevivência, vão negociar um contrato de trabalho com os proprietários. Nada mais desigual, sob o jugo da igualdade. Enfim, o Direito Capitalista defende uma igualdade jurídica e política, ignorando a aplicação destas questões em sociedades extremamente desiguais econômica e socialmente. Ademais, o Direito do Trabalho apresenta-se como árbitro entre os trabalhadores e os proprietários, visando estabelecer regras entre as partes, buscando encobrir a luta de classes, caracterizada por interesses antagônicos e irreconciliáveis. Não obstante, o Direito do Trabalho é o lócus dos chamados direitos sociais, da cidadania. Neste sentido, o Direito do Trabalho é reformista em relação ao Direito Capitalista.

Passemos para a descrição do conceito de bloco no poder. De acordo com Poulantzas (1971), as classes sociais têm um relacionamento singular com o Estado capitalista, diferente daqueles existentes com os Estados escravista e feudal. Nestes, a relação jurídico-política limitava a organização política das classes dos escravos ou dos servos, nas suas próprias estruturas, através de estatutos públicos, com institucionalização em castas e estados. Já o Estado capitalista isola as relações sociais e econômicas, através da ocultação, aos olhos das classes dominadas, do seu caráter de classe, apresentando-se como a unidade do povo-nação composto de pessoas políticas-indivíduos privados.

Todavia, esse mesmo Estado comporta um jogo que permite dentro dos limites impostos pelo sistema uma considerável garantia de interesses econômicos de certas classes dominadas. Mas não só. Ele permite que, em considerável conjuntura, os interesses de algumas classes dominadas prevaleçam, em curto prazo, com relação às garantias de interesses econômicos das classes dominantes, mas compatíveis com os interesses políticos destas, com a sua dominação hegemônica.

Constata-se que a forte reivindicação das classes dominadas pode forçar o Estado a garantir-lhes certos direitos, mas até aí o objetivo é desorganizar essas classes; é o meio por vezes indispensável para a hegemonia das classes dominantes, em uma formação na qual a luta propriamente política das classes dominadas é possível. Esta deve ser a maneira de se entender a criação de direitos sociais, em um período relativamente curto da história do capitalismo e, mais ainda, da história do Estado.

Contudo, como se organiza o poder na formação capitalista? De acordo com Poulantzas (1971), ele o faz através do fenômeno do bloco no poder, que é particular da formação capitalista. O primeiro argumento para distinção do bloco no poder é entendermos que a linha de demarcação política de dominação-subordinação não pode ser reduzida a uma perspectiva de uma luta dualista das classes – dominantes/dominadas -, isto é, a partir de uma relação entre Estado e uma classe dominante. A justificativa para tanto é que a formação social é constituída por uma sobreposição de vários modos de produção, implicando assim a coexistência, no campo da luta de classe, de várias classes e frações de classe.

O fenômeno do bloco no poder constitui uma unidade contraditória de classes e frações politicamente dominantes sob a égide da fração hegemônica. Explicamos: a formação capitalista é composta por várias classes dominantes e dominadas. As classes dominantes podem se dividir, por exemplo, em classe capitalista e fundiária; e em diferentes frações de uma mesma classe dominante, no caso capitalista, pode ser industrial, comercial, bancária – ou pelas diferentes menções do seu capital: grande capital, médio capital.[2] No capitalismo, as classes dominantes unificam-se na tentativa de impedir uma revolução anti-capitalista, ou situações equivalentes que ponham em risco seus lucros, suas propriedades. Não obstante, essa unidade convive com intensa disputa entres as classes e frações dominantes pelo aumento de seus lucros. Como os interesses econômicos particulares das diferentes classes e suas frações dominantes não podem ser satisfeitos ao mesmo tempo, pois não são complementares, há uma disputa no bloco no poder, e o vencedor tem seus interesses atendidos prioritariamente. Essa preponderância política é designada por Poulantzas pelo termo de hegemonia. Vários estudos têm apontado para a hegemonia do capital bancário no bloco no poder,[3] pois seus interesses são atendidos com prioridade, embora, contraditoriamente, o capital industrial tenha em grande medida seus interesses postos em prática, por exemplo, pelo governo Lula, e, ainda, possua hegemonia no campo ideológico na sociedade.[4] Passemos agora para o estudo mais específico do tema.


Período Neoliberal e a flexibilização de direitos trabalhistas

De um modo geral, sem olharmos para as especificidades das variedades de capitalismos, podemos dizer que esteve em curso, no plano internacional, a partir dos anos 1980/90, a substituição de uma política tipicamente social-democrata por uma neoliberal. Desde meados da década de 1970, com a crise do Welfare State, ganhou força a ideia de que as políticas sociais faziam parte de um conjunto de ações que colaboraram para o menor crescimento da economia mundial. Autores como Hayek, Nozick e Milton Friedman defenderam que os que vivem do trabalho deveriam ser estimulados a produzir, sem qualquer dependência do Estado. Estas práticas, que elegeram os “benefícios sociais e o papel grandioso e paternalista do Estado” como causas da crise do capitalismo, ganharam os meios de comunicação, bem como as cabeças de governantes e de parte da sociedade ocidental. Com efeito, muitos governos praticaram uma desregulamentação do mercado de trabalho, incidindo também sobre a Previdência Social. A Reforma do Estado[5], venda de estatais e a subsequente abertura das economias nacionais ao mercado fazem parte do receituário neoliberal. Estas reformas, na maneira como foram justificadas, apresentaram-se como único caminho possível para a melhora de cada país na divisão internacional do trabalho.

As interpretações acerca das causas destas substituições são diversas e variam desde a crise do petróleo de 1973, a crise fiscal dos EUA (O’Connor, 1977), até o problema de superprodução fazendo parte das tradicionais crises cíclicas do capitalismo (Mandel, 1990) ou, mesmo, da interferência do Estado na economia, dos seus altos gastos sociais e do poder dos sindicatos (interpretação clássica da literatura neoliberal, ver Hayek, 1976). As consequências inegáveis desta conjuntura foram os níveis mais baixos de crescimento das economias nacionais[6], somados aos altos números da taxa de desemprego[7].

A hegemonia de políticas neoliberais no Brasil teve início na década de 1990, produzida pelos seguintes fatores: 1) vitória política de uma coalizão de centro-direita nas eleições de 1989; 2) exigências de organismos internacionais pelo superávit primário; 3) burocratização, cooptação e, consequentemente, enfraquecimento dos movimentos sociais; e 4) censura velada nos meios de comunicação de massa, que divulgaram as teses liberais como único caminho possível. Neste momento, verificou-se: 1) processo de contrarreforma da Constituição; 2) abertura comercial, implementada a partir de fins dos anos 80; 3) programa de privatizações; e 4) flexibilização e/ou retirada de direitos trabalhistas.

Além disso, devemos levar em conta a revolução tecnológica, inaugurada pela via da informatização nas esferas da comunicação e do processo produtivo, que resultou em vários fatores, dentre eles, a automação industrial.[8] A substituição do trabalhador pela máquina, além de colocar um contingente enorme fora do mercado de trabalho formal, impediu, ou pelo menos dificultou bastante, que novos trabalhadores conseguissem emprego. Trata-se do que Harvey (1992) e Antunes (1997) chamaram de substituição do fordismo e do keynesianismo pela acumulação flexível, ou toyotismo. Este processo tem sérias consequências. O mercado de trabalho brasileiro, que já era altamente rotativo,[9] flexível e com baixos salários, fez com que o trabalhador ficasse ainda mais vulnerável em seu emprego.[10] Isto é, demite-se e admite-se muito facilmente, pois a demissão tem um baixo custo para o empregador. O resultado foi o aumento substantivo do mercado informal de trabalho, excluindo, inclusive, pessoas qualificadas do mercado formal, impondo o medo da demissão àqueles que trabalham. Enfim, diz-nos Pochmann (2001:7), a desestruturação do mercado de trabalho nas duas últimas décadas do século XX gerou altas taxas de desemprego aberto, de decrescente participação do emprego assalariado no total da ocupação e de generalizados postos de trabalho precário.[11] Estes aspectos colaboraram para o individualismo do trabalhador que vê no colega um competidor e, no limite, para o enfraquecimento dos sindicatos, que passaram a negociar até a perda de direitos para não ocorrer a perda do emprego.

Na década de 1990, no Brasil, o grau de mobilização dos trabalhadores, sobretudo se comparado com a década anterior, foi baixíssimo.[12] Ocorreu um processo de oligarquização e burocratização das cúpulas sindicais que previu a negociação “defensiva” em vez da “reivindicação progressiva”.[13] O refluxo do movimento social organizado também foi patente, tendo como principal resultado, para ambos, o fato de as lutas passarem a subordinar-se às esperanças eleitorais, transformando-as de sujeito ativo em sujeito passivo e domesticado da História. Foi neste quadro que se encontraram as contrarreformas da Previdência, da Educação, da Saúde, do Estado e a Trabalhista. Neste momento, os sindicatos dos trabalhadores estão “adormecidos”, por vezes, atrelados ao governo, portanto fracos e com pouca autonomia, facilitando a ofensiva das ideias liberalizantes. De modo geral, o sindicalismo se tornou uma profissão, uma profissão de poder, de benesses que deixa de lado a luta por direitos.



Leis trabalhistas sob o Neoliberalismo no Brasil

Como reflexo deste contexto nebuloso, foram realizadas alterações nas leis trabalhistas em função das reivindicações das associações de classe do empresariado do país (Moraes, 2011). Não obstante, é importante salientar que a totalidade das exigências do empresariado com relação à reforma trabalhista não foi executada pelos últimos governos. Entretanto, isso não significa que mudanças importantes não tenham sido feitas, atendendo suas reivindicações. Em outras palavras, as mudanças normativas do Trabalho estão em curso desde 1990, através de Leis, Medidas Provisórias, Decretos e Portarias que flexibilizam direitos e/ou prejudicam a fiscalização para o seu cumprimento, ou propõem uma negociação entre patrão e empregado sem que se recorra à Justiça. Citamos abaixo algumas medidas que flexibilizam os direitos dos trabalhadores sob o neoliberalismo; elas são de quatro tipos:

1) Leis que preconizam a adaptação total, dependente e subordinada do trabalhador aos interesses exclusivos dos empregadores são: Contrato de Trabalho por Prazo Determinado (lei 9.601/1998), Banco de Horas (lei 9.601/1998), Suspensão de Contrato de Trabalho (MP 1.726/1998), Trabalho a Tempo Parcial (MP 1.709/1998).

2) Medidas que aumentam a exploração do trabalhador em detrimento de seu lazer/descanso e que atentam contra a reposição de perdas salariais: regulamentação do funcionamento do comércio aos domingos; norma que veda Cláusulas de Correção Automática dos Salários, em acordos coletivos. Além dessas, o governo FHC instituiu a Lei nº 10.272, de 5.9.2001, preconizando o seguinte: “Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento". Estudando a lei pela lei, chega-se a conclusão de que ela favorece ao trabalhador. O problema que esta substitui outra que previa o pagamento em dobro do devido ao trabalhador e não apenas 50% como agora.

3) Já a Lei 8.949/94 das Cooperativas – muito criticada, pois abre brechas para a fraude trabalhista – coloca no mesmo patamar empresas que contratam trabalhadores como autônomos, terceirizados e agora como cooperativados, com o objetivo de negligenciar direitos e benefícios.

4) Da mesma forma temos a Lei 9.958/2000, que instituiu as Comissões de Conciliação Prévia (CCPs) e a prescrição do trabalhador rural, que só poderá reivindicar na Justiça os direitos dos últimos cinco anos de relação empregatícia. Trata-se de flexibilização de direitos que ocorre por modificações nas leis processuais. As CCPs têm como fito negociar os direitos trabalhistas negados pelo empregador ao longo do (ou de algum) período trabalhado pelo funcionário. Assim, sua existência, na prática, significa a redução de algum(ns) direito(s) dos trabalhadores em favor do empregador que o(s) negou.

Por fim, o período neoliberal não produziu apenas perda nos direitos universais trabalhistas, mas sobretudo aumento da miséria, das desigualdades e da violência no Brasil. O governo, ainda, criou alguns programas sociais focalizados como bolsa-escola etc., buscando amenizar as desigualdades, mas não foi suficiente para impedir o crescimento destas. Por outro lado, o país transformou-se no paraíso dos banqueiros, tendo este segmento alcançado os maiores lucros de sua história até então.[14]

Essa foi a herança institucional deixada para o governo Lula. Com efeito, abordaremos as novas leis trabalhistas produzidas por ele, objetivando responder a seguinte questão: existe uma diferença de produção regulatória, no âmbito do direito do trabalho, sob os governos de FHC e do PT?



O governo Lula consiste em um novo paradigma para a relação capital-trabalho no Brasil?


Com base na pesquisa dos documentos públicos das entidades empresariais e do seu cotejo com as ações dos governantes, temos a seguinte constatação[15]: os governos FHC e Lula atenderam quase na íntegra as exigências do empresariado com relação à reforma trabalhista, seja retirando ou flexibilizando direitos, seja não incrementando a fiscalização ou dificultando-a, ou mesmo quando criaram direitos, preocuparam-se para que tal ação não produzisse qualquer ônus aos empresários.

Particularmente, sob o governo Lula, nem todas as leis foram em contrário aos interesses dos trabalhadores. Temos normas em prol dos trabalhadores, contrárias aos seus interesses, mas a principal característica das mudanças legislativas no âmbito do trabalho foram as leis em defesa dos sindicalistas filiados às centrais sindicais existentes. Com efeito, dividimos as leis criadas sob o governo Lula em três tipos: 1) pró-Sindicalista; 2) pró-Trabalho; e 3) leis contra o Trabalho. Vejamos.



LEIS PRÓ-SINDICALISTAS:

1) Lei n° 10.790, de 28 de novembro de 2003: concede anistia a dirigentes, representantes sindicais e trabalhadores punidos por participação em movimento reivindicatório nas greves da Petrobrás entre setembro de 1994 e setembro de 1996.

2) Lei nº 11.282, de 23 de fevereiro de 2006: anistia os trabalhadores da empresa brasileira de correios e telégrafos - ECT punidos em razão da participação em movimento grevista.

3) Lei nº 11.304, de 11 de maio de 2006: acrescenta inciso ao art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, para permitir a ausência do trabalhador ao serviço, sem prejuízo do salário, na hipótese de participação em reunião oficial de organismo internacional ao qual o Brasil seja filiado.

4) Lei nº 11.295, de 9 de maio de 2006: altera o art. 526 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, estabelecendo o direito de sindicalização para o empregado de entidade sindical.

5) Reconhecimento das centrais sindicais já existentes.

6) Reforma sindical.



LEIS CONTRA O TRABALHO:

1) Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005: altera os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, para dispor sobre a previdência social, e dá outras providências. As mudanças na previdência social seguiram uma tendência mundial de impor a necessidade de maior idade e tempo de trabalho/contribuição para a concessão da aposentadoria integral. Sem dúvida, significou uma derrota para os interesses dos trabalhadores.

2) Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008: dispõe sobre o estágio de estudantes[16]. Na prática, possibilita a utilização da mão de obra do estudante como forma de burlar direitos dos trabalhadores formais.

3) Por meio da Lei nº 11.603, de 5 de dezembro de 2007, o governo Lula ratificou a Lei de 19 dezembro de 2000 do governo Fernando Henrique Cardoso, que permite trabalho aos domingos e feriados aos empregados do comércio.

4) A Reforma Sindical tem como uma de suas principais características a prevalência do negociado sobre o legislado, que significa, a possibilidade de desrespeito às leis por via de negociação. O trabalhador hipossuficiente, pois desorganizado, é o maior prejudicado nesta relação.[17]

5) A lei de falências (nº 11.105, de fevereiro de 2005) que discorre na sua seção XI, no art. 149, sobre o pagamento dos credores e dos trabalhadores. Vejamos as prioridades:

Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma do art. 84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de importâncias. (...) Art. 150. As despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades previstas no inciso XI do caput do art. 99 desta Lei, serão pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa. Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa. Na prática, significa que ao decretar falência o empresário deve pagar todos os credores e, por último, quitar suas dívidas com os trabalhadores, caso sobre dinheiro em caixa.


6) Em 2005, o governo Lula instituiu a lei nº 11.196/2005, que libera a contratação de prestadores de serviços na condição de empresas constituídas por uma única pessoa. Essa modalidade de contratação, denominada “pessoa jurídica”, faz com que o empresário fique isento do pagamento de férias, 13º salário, FGTS, horas extras, aviso prévio e transfere ao empregado contratado como pessoa jurídica a responsabilidade de recolher os impostos e de contribuir integralmente para a Previdência. Esta forma de contratação implementa grandes vantagens para o empregador e desvantagens para o trabalhador.

7) O governo Lula não implementou a proteção contra a dispensa arbitrária, mantendo o desrespeito à Convenção 158 da OIT, tal como os governos anteriores.[18]

8) O governo negou ao funcionalismo público aumento salarial que repusesse as perdas em função da inflação.

9) No ano eleitoral de 2006[19], Lula vetou parte da Medida Provisória 284 que favoreceria os empregados domésticos no país, cerca de 6,5 milhões de trabalhadores. Depois de forte pressão dos meios de comunicação (várias matérias no jornal O Globo e nos telejornais da TV Globo, inclusive), Lula optou pela reprovação: 1) do pagamento obrigatório do FGTS para o empregado doméstico; 2) do pagamento de multa de 40% para o caso de demissão sem justa causa pelo empregador; 3) da estabilidade no emprego da gestante. Diga-se de passagem, direitos clássicos dos trabalhadores formais no país. O veto aconteceu com uma explicação muito comum ultimamente: com vistas a evitar o aumento da informalidade. Os trabalhadores domésticos sofrem nas mãos de setores da classe média e têm seus direitos negados sob argumentos espúrios. A histórica desorganização desta categoria profissional ajuda a explicar porque estão excluídos desses direitos sociais, mesmo sob um governo considerado de centro-esquerda.



LEIS PRÓ-TRABALHO:

1) Mas para não dizer que não falamos de flores, o governo Lula aprovou o restante da Medida Provisória 284 que preconiza descanso remunerado, preferencialmente aos domingos, férias de 30 dias corridos em vez de 20 dias úteis, e proibição de desconto do salário de despesas com moradia, alimentação e higiene às empregadas domésticas. Medidas sociais deveras generosas e ululantes que nos ajudam a poder diferenciar o trabalhador doméstico do escravo.

2) A Lei n° 10.779, de 25 de novembro de 2003, dispõe sobre a concessão do benefício de seguro desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal.

3) Foram várias as leis regulamentadoras das profissões dos funcionários públicos sob o governo Lula, criando, inclusive, diversas carreiras públicas.[20]

4) Lei n° 10.710, de 5 de agosto de 2003, altera a Lei nº 8.213, de 24/07/1991, para restabelecer o pagamento, pela empresa, do salário-maternidade devido à segurada empregada gestante. No mesmo diapasão, no governo Lula, as mulheres foram contempladas com um grande benefício, qual seja, o aumento da licença maternidade.

5) Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, cria o programa empresa cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991.

Antes da Constituição de 1988, a licença maternidade previa o máximo de tempo de repouso para 12 semanas, podendo ser prorrogada para mais duas semanas, com atestado médico. Após a Constituinte, este prazo foi aumentado para 120 dias, podendo ser prorrogado por duas semanas. No governo Lula, esta licença passou a poder ser ampliada, facultativamente, até 6 meses.

Além do mais, a trabalhadora também será beneficiada caso adote ou obtenha guarda judicial para fins de adoção de criança. O movimento feminista e o movimento de saúde foram os responsáveis pela pressão em favor das gestantes. Tratava-se de uma grande incongruência o Ministério da Saúde defender a amamentação por seis meses, enquanto a empregada só tinha 120 dias de licença. Fato a destacar que o empresariado não perde em nada com os aumentos desta licença.



CONCLUSÃO

Para iniciar a conclusão, percebemos que a maioria das mudanças legislativas no âmbito do trabalho atende a interesses pontuais do empresariado, dos sindicalistas e dos obstinados a entrar na carreira pública. Nesse sentido, o governo Lula diferencia-se em parte do de FHC. Podemos concluir destacando alguns aspectos importantes.

1. O governo do PT aumentou substantivamente o emprego público, retomando os concursos em diversas áreas. Isto foi muito positivo para parcela dos trabalhadores que almejavam uma vaga no quadro do funcionalismo público na busca por segurança num contexto de grande desemprego e de insegurança no emprego privado, vide a chamada reestruturação produtiva.

2. Das medidas pró-Trabalho do governo, nenhuma foi universal. Favoreceram-se os pescadores, as gestantes, setores do funcionalismo público e principalmente as Centrais sindicais, já existentes, que foram reconhecidas, enquanto diversos outros setores sociais permaneceram esquecidos pelo governo. Cabe ressaltar que todas as medidas pró-trabalho não contaram com qualquer participação dos lucros dos empresários. Em outras palavras, o governo se resguardou para que todas as medidas pró-trabalho não gerassem nenhum ônus para o capitalista.

3. As medidas de flexibilização das leis trabalhistas tomadas sob hegemonia do neoliberalismo em benefício do empregador e em detrimento do trabalhador foram renovadas pelo governo Lula. Isto é, ele não as reverteu e, portanto, não retomou nem estabeleceu um novo projeto desenvolvimentista, tampouco combateu as políticas neoliberais.

4. Outras questões mais clássicas reivindicadas pelos trabalhadores e os representantes da extrema esquerda, como a redução da jornada de trabalho, atualização salarial de acordo com o real custo de vida e estabilidade no emprego, não foram postas em prática pelo governo.

5. Ao mesmo tempo, o governo anistiou vários sindicalistas penalizados, principalmente pelo governo de FHC, mostrando sua tendência pró-sindicalista, principalmente da CUT, sua base social.

6. O governo Lula não revogou o artigo 521a da CLT, que institui a “proibição de qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação, bem como de candidaturas a cargos eletivos estranhos ao sindicato”. Assim, o governo limita a liberdade e mostra seu compromisso com o sistema.

Por fim, o governo do PT não adotou tantas leis de flexibilização dos direitos trabalhistas como FHC, pari passu, não desconstruiu o que fora realizado pelos governos neoliberais. Outrossim, não pode ser caracterizado como um governo que atendeu aos interesses clássicos dos trabalhadores, criando novos direitos universais que diminuíssem a dependência com relação ao capital.

Decerto o fator que mais caracterizou o governo em matéria de leis trabalhistas foi o atendimento dos interesses corporativos dos sindicalistas das centrais sindicais já existentes e do empresariado. As poucas leis criadas, como a possibilidade da licença maternidade para 6 meses, não oneram em nada o empresário. Assim, a conciliação entre as classes sociais foi a principal tentativa do governo que buscou unir os interesses de Capital e Sindicalistas, mas mantendo o Trabalho submisso e sem incremento substantivo de direitos.

Os direitos sociais, outro fator importante que caracterizaria o pós-consenso de Washington, não foram ampliados significativamente, alguns até continuaram a ser flexibilizados e mesmo retirados. As políticas sociais adotadas pelos governos Lula foram as mesmas do período anterior determinadas pelo Banco Mundial, trata-se das políticas focalizadas, e não universais. Não existe política de distribuição de renda em grandes proporções que realmente mude a situação de dependência da maioria da população.

Nesse sentido, o governo Lula pode ser lido como a construção de um Capitalismo Sindicalista de Conciliação, por atender os interesses dos sindicalistas e não mexer com as estruturas estabelecidas pelo Consenso de Washington, por conseguinte, sem atentar contra os interesses do capital. O termo sindicalista reporta-se aos Ministros e ao próprio Presidente da República, oriundos deste meio, e porque sua prática foi a mesma da maioria dos sindicatos que propõem negociações com o capital em vez de enfrentamento. Nos últimos tempos, no país, os próprios sindicalistas apareceram em público defendendo ajuda governamental para seus patrões. Esta foi exatamente a característica do governo Lula – socorrer o capital em crise. Com efeito, a governabilidade foi garantida e o sinal emitido pelo governo para a regulação da relação capital-trabalho foi o da conciliação, não o do enfrentamento. Por tudo, os trabalhadores perderam.



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DOCUMENTO DE ENTIDADE SINDICAL

CUT - “Reforma Sindical: Quem Somos, de Onde Viemos, para Onde Vamos” cadernos subsídios (CUT, Secretaria Nacional de Organização, 2003).


LEGISLAÇÃO

BRASIL. Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 1943.


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[2] A exposição de Saes (2001) e Boito (1999) sobre a teoria de Poulantzas de muito nos ajudou para este quadro.
[3] Sobre a hegemonia do capital bancário no Brasil desde o regime militar, ver livro de Décio Saes (2001), especialmente o texto: “Estado e classes sociais no capitalismo brasileiro dos anos 70/80”. Para análise especificamente do governo Lula e a hegemonia do capital bancário, ver artigo de Armando Boito Jr. (2005). Ver ainda Minella (1997).
[4] Descrevemos esta tese em trabalho apresentado no Congresso da ALACIP em set/2006. Ver Moraes (2006b).
[5] Sobretudo no campo da administração, em busca da substituição de um modelo “burocrático” por um “gerencial”. Ver a criação do MARE (Ministério da Administração e da Reforma do Estado) no Brasil, em 1995, seguindo outros modelos, como dos EUA e da Inglaterra. Para propostas e justificativas, ver Bresser-Pereira (vários textos) e, principalmente, o Plano Diretor para Reforma do Estado (1995).
[6] Vários autores fazem alusão ao baixo crescimento econômico nas economias dos países da OCDE. Ver especialmente Esping-Andersen (1990), Anderson (1995) e Petras (1997).
[7] Os índices de desemprego chegam a números jamais vistos na história da humanidade e, apesar de grande desenvolvimento tecnológico, a fome persiste em todo o mundo. Ver Mészáros (2003). Para o caso brasileiro, ver Pochmann (2001).
[8] É claro que o avanço tecnológico não é um inimigo natural do trabalhador. Contudo, em uma sociedade em que as descobertas tecnológicas são apropriadas privadamente por uma parcela pequena da população, portanto não estando a serviço de todos, mas para quem detém o capital, este avanço, em vez de ser utilizado para ajudar o trabalhador, por exemplo, diminuindo a sua jornada de trabalho, descarta-o e fica a serviço do aumento dos lucros do capitalista. Uma ótima reflexão sobre esta questão é de Kropotkin (1953).
[9] Baseado em pesquisa de Camargo (1996). A análise do autor é muito importante para entendermos o mercado de trabalho brasileiro, bem como as leis que o regulam. Entretanto, discordamos de algumas de suas inferências, desprovidas de base empírica, notadamente a que entende que a simples existência do seguro-desemprego faça com que o trabalhador peça demissão para conseguir o benefício. Como reflexo desta inferência, Camargo não só atribui culpa ao empregado pelo fato de o mercado ser altamente rotativo, como também elege o seguro-desemprego, um benefício social de extrema valia, como um dos causadores do problema.
[10] Pochmann (2001:88-89) apresenta uma excelente relação entre a participação das taxas de desemprego do Brasil na economia mundial, constatando que há uma mudança drástica entre a década de 1980 para a de 1990, nesta última, aumentando a participação do Brasil no desemprego mundial ao mesmo tempo em que diminuía a participação na população ativa mundial.
[11] Em 1980, por exemplo, o Brasil possuía cerca de 23 milhões de trabalhadores assalariados com registro formal e, em 1989, 25,5 milhões. No ano de 1999, contudo, a quantidade de assalariados com carteira assinada havia caído para 22,3 milhões de trabalhadores, segundo dados do Ministério do Trabalho (Pochmann, 2001:98). Este quadro de aumento do desemprego coincide tanto com a adoção de políticas neoliberais no país, quanto com o processo de automação industrial.
[12] A pesquisa de Cardoso (2003) é exemplar para este aspecto.
[13] Como consequência das metamorfoses no mundo do trabalho e com a adoção do toyotismo, os sindicatos passam para a defensiva, aderindo acriticamente ao sindicalismo de participação e de negociação que, em geral, aceita a ordem do capital (Antunes, 1997: 33-34). Ver também Boito Jr. (1999).
[14] Ver Minella (1997).
[15] Para mais detalhes, ver: Moraes, 2011.
[16] Esta lei altera a redação do art. 428 da consolidação das leis do trabalho - CLT, aprovada pelo decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, e a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as leis n°S 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o Art. 6° da medida provisória n° 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.
[17] Ver Moraes, 2011.
[18] É importante frisar que o Brasil é signatário desta Convenção.
[19] Mais precisamente no mês de julho.
[20] Ver, por exemplo, Leis nº 11.355, de 19 de outubro de 2006; nº 11.493, de 20 de junho de 2007; nº 11.784, de 22 de setembro de 2008; Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008. A Lei nº 11.543, de 13 de novembro de 2007, cria mil novecentos e cinqüenta e um cargos da carreira da previdência, da saúde e do trabalho, para o quadro do ministério do trabalho e emprego e extingue dois mil, cento e noventa e um cargos vagos disponíveis no sistema de pessoal civil da administração federal - SIPEC, e dá outras providências.

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