sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Marxismo ocidental segundo Perry Anderson: linhas gerais e contexto histórico do surgimento


[Augusto Machado]

Perry Anderson apresenta um dos estudos mais consistentes sobre a história do chamado marxismo ocidental. Mesmo sua visão política e ideológica que se aproxima mais do trotskismo, que se explicitam em diversos momentos de sua análise, não invalidam ou tiram a objetividade de seu trabalho. A sagacidade teórica do autor é combinada com uma longa experiência de um objeto que foi vivida por ele: militante de esquerda na Inglaterra dos meados do século XX, foi o nome que conduziu a famosa revista NLF para a arena de debates dos mais frutíferos do marxismo ocidental. Desde então Perry Anderson consolida seu nome entre os mais responsáveis sobre o assunto.

No Brasil conhecemos já faz um tempo sua famosa obra Considerações sobre o marxismo ocidental, do final da década de 70, sistematização crítica, histórica e teórica do marxismo ocidental, assim como sua “continuação”, Crise da crise do marxismo (ou Nas trilhas do materialismo histórico). Esse segundo, dos anos 80, contém 3 palestras e um pós-escrito sobre situação contemporânea da teoria crítica, com destaque ao materialismo histórico e suas perspectivas, mas também incluindo outras teorias em voga à época. Possui um caráter mais informal, disposição oral mais panorâmica. No prefácio o autor rende elogios a Sebastiano Timpanaro e Peter Dews, por inspirarem suas críticas, sobretudo à teoria francesa e Europa latina (berços do “pós-modernismo”) – o grande alvo do autor, que não mede elogios para a tradição frankfurtiana e lukacsiana.

Em Considerações... achamos uma breve trajetória do marxismo, sobretudo pela Europa. O marxismo, enquanto corrente que surgiu da parceria intelectual e política de Marx e Engels impactados pela revolução industrial e luta de classes que inauguravam uma “era das revoluções (Hobsbawm) na Europa desenvolvida, curiosamente pouco se proliferou culturalmente até o aproximar do século XX - através da Europa Oriental. Os dois fundadores lançaram as obras fundamentais, destaque para o Capital de Marx, e as sistematizações de Engels. Também foram politicamente ativos, tanto em organizações, como na liderança da I internacional, como na “assessoria” de apoiadores (Engels foi fundamental para o surgimento da II internacional). Em seguida temos nomes como Labriola, Plekanov, que tiveram uma função mais de propaganda do marxismo em seus países. Depois temos nomes como Rosa, Lenin e Hilferding, com importantes obras econômicas (defesas e “ampliações” do Capital de Marx, então atacado pela academia), assim como obras e lideranças políticas, incluindo aí Trotski. Quase que ao mesmo tempo, porém mais tardios, temos nomes como Bauer, Bukharin etc.

É com a chegada da primeira guerra mundial que o cenário europeu entra em convulsão, e com ele as organizações políticos e os teóricos ligados ao marxismo. A II internacional decreta sua falência: seu evolucionismo economicista e prática parlamentar perdera qualquer resquício revolucionário, e acaba por abraçar a defesa da guerra imperialista. A revolução de outubro na Rússia, liderada por Lenin, é que inaugurará um novo período histórico: a primeira vitória de uma revolução socialista demonstra uma outra saída para o proletariado, e o solo de uma III internacional, “leninista”, é lançado.

Mas a onda revolucionária que prometia varrer a Europa se esgota com a vitória da reação e do capitalismo. O socialismo se vê isolado e paradoxalmente no elo mais fraco da corrente, encaminhando-se, em meio a uma situação difícil, para um regime com muitos erros e desvios, cuja a figura de Stalin, no ocidente, retrata para muitos boa parte deles.

Até ai temos o que chamamos aqui de marxismo clássico-oriental, que inclui seus fundadores, seus seguidores da II internacional e iniciadores da III e também IV internacional (Trotski), como podemos ver no quadro sugerido pelo autor:








Então podemos afirmar: Marxismo clássico e oriental -Características: forte engajamento político (quase todos foram lideranças ou participaram de levantes ou organizações revolucionárias); obras focando problemas de conjuntura, economia política, história.

Ainda sob o impacto da primeira guerra e a revolução russa vitoriosa (e de seu estancamento geográfico), levando em consideração toda a gama mudanças históricas que isso implicou, um novo tipo de marxismo começa a surgir, sob uma nova linguagem mais influenciada pela cultura da Europa ocidental, com novas temáticas (filosóficas inicialmente) e características (acadêmico, menos engajado). É o marxismo que retorna ao ocidental para marcar fortemente a vida cultural e intelectual do século XX nos países desenvolvidos.

Marxismo ocidental (primeiras gerações) - Características: apesar de muitos serem engajados ou organizados politicamente, o marxismo ocidental tem forte viés acadêmico, caracterizando-se como uma propaganda e desenvolvimento de temáticas marxistas dentro de espaços e polêmicas “oficiais” (acadêmicos). A economia política perde espaço para a filosofia e suas diversas áreas e influências clássicas ou contemporâneas, a teoria da cultura, da ideologia e da “superestrutura”.


Abaixo temos um quadro dos principais nomes, segundo Perry Anderson:






Sobre o surgimento do marxismo ocidental (tradição teórica contemporânea do marxismo), Perry Anderson nos diz em Crise...:

[...]os seus três pais fundadores – Lukács, Korsch e Gramsci, cada qual [foi] ativo líder e organizador do movimento comunista em seus países, após o final da Primeira Guerra Mundial. Mas quando esses pioneiros terminaram no exílio ou na prisão, a teoria e a prática fatalmente, sob a pressão da época, se separaram. Os lugares do marxismo enquanto discurso se deslocaram gradualmente dos sindicatos e dos partidos políticos para institutos de pesquisa e departamentos universitários. Inaugurada com o surgimento da Escola de Frankfurt no final dos anos 20 e início dos anos 30, a mudança foi praticamente absoluta por volta do período da Guerra Fria nos anos 50, quando raramente havia um teórico marxista de algum peso que não fosse detentor de uma cátedra na academia, antes que de um posto na luta de classes.  Essa mudança de terreno institucional refletiu-se numa alteração do foco intelectual. Enquanto Marx em seus estudos mudou sucessivamente da filosofia para a política e desta para a economia, o marxismo ocidental inverteu sua rota. Análises econômicas importantes do capitalismo, dentro de um arcabouço marxista, sumiram aos poucos em  larga escala depois da Grande Depressão; o esquadrinhamento político do Estado burguês decresceu desde o silenciamento de Gramsci; a discussão estratégica das vias para um socialismo factível desapareceu quase que inteiramente. O que ocupou o lugar, cada vez mais, foi uma revivescência do discurso filosófico adequado, ele próprio centrado em questões de método – isto é, de caráter mais epistemológico do que substantivo. O trabalho de Korsch de 1923, Marxismo e Filosofia, mostrou-se profético a esse  respeito. Sartre, Adorno, Althusser, Marcuse, Dela Volpe, Lukács, Bloch e Colletti produziram sínteses importantes essencialmente enfocadas sobre problemas do conhecimento, reformuladas20  porém dialeticamente, redigidas num idioma de dificuldades técnicas proibitivas. Cada um recorreu, para seus propósitos, a legados filosóficos anteriores ao próprio Marx: Hegel, Espinosa, Kant, Kierkegaard, Schelling e outros. Ao mesmo tempo, cada escola dentro do marxismo ocidental desenvolveu-se em íntimo contato, muitas vezes em quase simbiose, com sistemas intelectuais contemporâneos de caráter não-marxista; emprestando conceitos e temas de  Weber no caso de Lukács, Croce no caso de Gramsci, Heidegger no caso de Sartre, Lacan no caso de Althusser, Hjelmslev no de Della Volpe, e assim por diante. O modelamento dessa série de relações laterais com a cultura burguesa, estranha à tradição do marxismo clássico, foi ele próprio uma função do deslocamento das relações antes estabelecidas entre aquele e a prática do movimento dos trabalhadores. Esse deslizamento por sua vez fez deslizar toda a tradição marxista ocidental em direção a um pessimismo subjacente, evidenciado nas inovações que trouxe à ordem temática do materialismo histórico – seja a teoria de Sartre sobre a lógica da escassez, a visão de Marcuse acerca da unidimensionalidade, a insistência de Althusser sobre a permanência da ilusão ideológica, o receio de Benjamin quanto ao confisco da história do passado, ou mesmo o desolado estoicismo de Gramsci.  Ao mesmo tempo, dentro de seus parâmetros novamente reduzidos, o brilho e a fecundidade dessa tradição foram notáveis sob qualquer ponto de vista. Não só a filosofia marxista atingiu um nível geral de sofisticação muito acima dos seus níveis médios do passado, como também os principais expoentes do marxismo ocidental foram geralmente pioneiros em estudos dos processos culturais – nos níveis mais elevados das superestruturas –, como que por uma brilhante compensação da sua negligência frente às estruturas e infra-estruturas da política e da economia.


Mas com a chegada a proximidade dos anos 70, novos levantes populares desvinculados da teoria colocaram em xeque essa tradição/geração, que chegava ao fim. A falência da renovação chinesa, esperança de muitos intelectuais também contou. Anderson apostava à época uma virada mais tradicional, uma volta para economia política e social, com aposta no trotskismo, uma espécie de “novo apetite pelo concreto”. De certa forma o autor comprovou sua aposta, já que há uma perceptível migração da filosofia para disciplinas mais científicas no seio do marxismo ocidental. Segundo o autor:

A corrente althusseriana foi a que provavelmente resistiu da maneira mais forte: dos nomes que mencionei anteriormente, Poulantzas, Therborn, Aglietta, Wright e Establet têm diferentes dívidas para com ela. O legado da Escola de Frankfurt pode ser visto no trabalho de Braverman, através de Baran, e no de Offe, através de Habermas. A corrente lukacsiana mantém-se expressamente dominante no trabalho de Jameson. O de Carchedi revela sugestões dellavolpianas. Mas, ao mesmo tempo, a própria distribuição desses autores alude ao fato mais importante de que o padrão geográfico da teoria marxista foi profundamente alterado na década passada. Hoje, os centros predominantes de produção intelectual parecem residir no mundo de língua inglesa, mais do que na Europa germânica ou latina, como fora o caso respectivo dos períodos de entre guerras e pós-guerra. (entrada pela historiografia)

Esse não teve como objetivo analisar o marxismo ocidental, tendo muito mais um caráter informativo. Entender a crise do marxismo, a necessidade de retomada do marxismo-leninismo não é de forma alguma fechar os olhos sectariamente para os movimentos gerais do legado marxista, mesmo que estes se enveredem, em sua maioria, por uma direção no mínimo estranha. Maiores análises sobre a temática foram feitas em nossos estudos sobre o chamado pós-marxismo e suas origens (aqui, por exemplo: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/06/resenha-do-livro-do-marxismo-ao-pos_06.html). Importante frisar por final que essa guinada para as ciências apontada por Perry Anderson acabou novamente se revertendo, e a filosofia tem se tornado novamente central no solo do marxismo do ocidente.

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