[Augusto Machado]
Perry
Anderson apresenta um dos estudos mais consistentes sobre a história do chamado
marxismo ocidental. Mesmo sua visão política e ideológica que se aproxima mais
do trotskismo, que se explicitam em diversos momentos de sua análise, não invalidam
ou tiram a objetividade de seu trabalho. A sagacidade teórica do autor é
combinada com uma longa experiência de um objeto que foi vivida por ele:
militante de esquerda na Inglaterra dos meados do século XX, foi o nome que
conduziu a famosa revista NLF para a arena de debates dos mais frutíferos do
marxismo ocidental. Desde então Perry Anderson consolida seu nome entre os mais
responsáveis sobre o assunto.
No
Brasil conhecemos já faz um tempo sua famosa obra Considerações sobre o
marxismo ocidental, do final da década de 70, sistematização crítica,
histórica e teórica do marxismo ocidental, assim como sua “continuação”, Crise
da crise do marxismo (ou Nas trilhas do materialismo histórico).
Esse segundo, dos anos 80, contém 3 palestras e um pós-escrito sobre situação
contemporânea da teoria crítica, com destaque ao materialismo histórico e suas
perspectivas, mas também incluindo outras teorias em voga à época. Possui um
caráter mais informal, disposição oral mais panorâmica. No prefácio o autor
rende elogios a Sebastiano Timpanaro e Peter Dews, por inspirarem suas
críticas, sobretudo à teoria francesa e Europa latina (berços do
“pós-modernismo”) – o grande alvo do autor, que não mede elogios para a
tradição frankfurtiana e lukacsiana.
Em
Considerações... achamos uma breve trajetória do marxismo, sobretudo
pela Europa. O marxismo, enquanto corrente que surgiu da parceria intelectual e
política de Marx e Engels impactados pela revolução industrial e luta de
classes que inauguravam uma “era das revoluções (Hobsbawm) na Europa
desenvolvida, curiosamente pouco se proliferou culturalmente até o aproximar do
século XX - através da Europa Oriental. Os dois fundadores lançaram as obras
fundamentais, destaque para o Capital de Marx, e as sistematizações de Engels.
Também foram politicamente ativos, tanto em organizações, como na liderança da
I internacional, como na “assessoria” de apoiadores (Engels foi fundamental
para o surgimento da II internacional). Em seguida temos nomes como Labriola,
Plekanov, que tiveram uma função mais de propaganda do marxismo em seus países.
Depois temos nomes como Rosa, Lenin e Hilferding, com importantes obras
econômicas (defesas e “ampliações” do Capital de Marx, então atacado pela
academia), assim como obras e lideranças políticas, incluindo aí Trotski. Quase
que ao mesmo tempo, porém mais tardios, temos nomes como Bauer, Bukharin etc.
É
com a chegada da primeira guerra mundial que o cenário europeu entra em
convulsão, e com ele as organizações políticos e os teóricos ligados ao marxismo.
A II internacional decreta sua falência: seu evolucionismo economicista e
prática parlamentar perdera qualquer resquício revolucionário, e acaba por
abraçar a defesa da guerra imperialista. A revolução de outubro na Rússia,
liderada por Lenin, é que inaugurará um novo período histórico: a primeira
vitória de uma revolução socialista demonstra uma outra saída para o
proletariado, e o solo de uma III internacional, “leninista”, é lançado.
Mas
a onda revolucionária que prometia varrer a Europa se esgota com a vitória da
reação e do capitalismo. O socialismo se vê isolado e paradoxalmente no elo
mais fraco da corrente, encaminhando-se, em meio a uma situação difícil, para
um regime com muitos erros e desvios, cuja a figura de Stalin, no ocidente, retrata
para muitos boa parte deles.
Até
ai temos o que chamamos aqui de marxismo clássico-oriental, que inclui seus
fundadores, seus seguidores da II internacional e iniciadores da III e também
IV internacional (Trotski), como podemos ver no quadro sugerido pelo autor:
Então podemos afirmar: Marxismo clássico e oriental -Características: forte engajamento político (quase todos foram lideranças ou participaram de levantes ou organizações revolucionárias); obras focando problemas de conjuntura, economia política, história.
Ainda
sob o impacto da primeira guerra e a revolução russa vitoriosa (e de seu
estancamento geográfico), levando em consideração toda a gama mudanças
históricas que isso implicou, um novo tipo de marxismo começa a surgir, sob uma
nova linguagem mais influenciada pela cultura da Europa ocidental, com novas
temáticas (filosóficas inicialmente) e características (acadêmico, menos
engajado). É o marxismo que retorna ao ocidental para marcar fortemente a vida
cultural e intelectual do século XX nos países desenvolvidos.
Marxismo
ocidental (primeiras gerações) - Características: apesar de muitos serem
engajados ou organizados politicamente, o marxismo ocidental tem forte viés
acadêmico, caracterizando-se como uma propaganda e desenvolvimento de temáticas
marxistas dentro de espaços e polêmicas “oficiais” (acadêmicos). A economia
política perde espaço para a filosofia e suas diversas áreas e influências
clássicas ou contemporâneas, a teoria da cultura, da ideologia e da
“superestrutura”.
Abaixo
temos um quadro dos principais nomes, segundo Perry Anderson:
Sobre
o surgimento do marxismo ocidental (tradição teórica contemporânea do
marxismo), Perry Anderson nos diz em Crise...:
[...]os seus três pais fundadores – Lukács,
Korsch e Gramsci, cada qual [foi] ativo líder e organizador do movimento
comunista em seus países, após o final da Primeira Guerra Mundial. Mas quando
esses pioneiros terminaram no exílio ou na prisão, a teoria e a prática
fatalmente, sob a pressão da época, se separaram. Os lugares do marxismo
enquanto discurso se deslocaram gradualmente dos sindicatos e dos partidos
políticos para institutos de pesquisa e departamentos universitários.
Inaugurada com o surgimento da Escola de Frankfurt no final dos anos 20 e
início dos anos 30, a mudança foi praticamente absoluta por volta do período da
Guerra Fria nos anos 50, quando raramente havia um teórico marxista de algum
peso que não fosse detentor de uma cátedra na academia, antes que de um posto
na luta de classes. Essa mudança de
terreno institucional refletiu-se numa alteração do foco intelectual. Enquanto
Marx em seus estudos mudou sucessivamente da filosofia para a política e desta
para a economia, o marxismo ocidental inverteu sua rota. Análises econômicas
importantes do capitalismo, dentro de um arcabouço marxista, sumiram aos poucos
em larga escala depois da Grande
Depressão; o esquadrinhamento político do Estado burguês decresceu desde o
silenciamento de Gramsci; a discussão estratégica das vias para um socialismo
factível desapareceu quase que inteiramente. O que ocupou o lugar, cada vez
mais, foi uma revivescência do discurso filosófico adequado, ele próprio
centrado em questões de método – isto é, de caráter mais epistemológico do que
substantivo. O trabalho de Korsch de 1923, Marxismo e Filosofia, mostrou-se
profético a esse respeito. Sartre,
Adorno, Althusser, Marcuse, Dela Volpe, Lukács, Bloch e Colletti produziram
sínteses importantes essencialmente enfocadas sobre problemas do conhecimento,
reformuladas20 porém dialeticamente,
redigidas num idioma de dificuldades técnicas proibitivas. Cada um recorreu,
para seus propósitos, a legados filosóficos anteriores ao próprio Marx: Hegel,
Espinosa, Kant, Kierkegaard, Schelling e outros. Ao mesmo tempo, cada escola
dentro do marxismo ocidental desenvolveu-se em íntimo contato, muitas vezes em
quase simbiose, com sistemas intelectuais contemporâneos de caráter
não-marxista; emprestando conceitos e temas de
Weber no caso de Lukács, Croce no caso de Gramsci, Heidegger no caso de
Sartre, Lacan no caso de Althusser, Hjelmslev no de Della Volpe, e assim por
diante. O modelamento dessa série de relações laterais com a cultura burguesa,
estranha à tradição do marxismo clássico, foi ele próprio uma função do
deslocamento das relações antes estabelecidas entre aquele e a prática do
movimento dos trabalhadores. Esse deslizamento por sua vez fez deslizar toda a
tradição marxista ocidental em direção a um pessimismo subjacente, evidenciado
nas inovações que trouxe à ordem temática do materialismo histórico – seja a
teoria de Sartre sobre a lógica da escassez, a visão de Marcuse acerca da
unidimensionalidade, a insistência de Althusser sobre a permanência da ilusão
ideológica, o receio de Benjamin quanto ao confisco da história do passado, ou
mesmo o desolado estoicismo de Gramsci.
Ao mesmo tempo, dentro de seus parâmetros novamente reduzidos, o brilho
e a fecundidade dessa tradição foram notáveis sob qualquer ponto de vista. Não
só a filosofia marxista atingiu um nível geral de sofisticação muito acima dos seus
níveis médios do passado, como também os principais expoentes do marxismo
ocidental foram geralmente pioneiros em estudos dos processos culturais – nos
níveis mais elevados das superestruturas –, como que por uma brilhante
compensação da sua negligência frente às estruturas e infra-estruturas da
política e da economia.
Mas
com a chegada a proximidade dos anos 70, novos levantes populares desvinculados
da teoria colocaram em xeque essa tradição/geração, que chegava ao fim. A
falência da renovação chinesa, esperança de muitos intelectuais também contou.
Anderson apostava à época uma virada mais tradicional, uma volta para economia
política e social, com aposta no trotskismo, uma espécie de “novo apetite pelo
concreto”. De certa forma o autor comprovou sua aposta, já que há uma
perceptível migração da filosofia para disciplinas mais científicas no seio do
marxismo ocidental. Segundo o autor:
A corrente althusseriana foi a que
provavelmente resistiu da maneira mais forte: dos nomes que mencionei anteriormente,
Poulantzas, Therborn, Aglietta, Wright e Establet têm diferentes dívidas para
com ela. O legado da Escola de Frankfurt pode ser visto no trabalho de
Braverman, através de Baran, e no de Offe, através de Habermas. A corrente
lukacsiana mantém-se expressamente dominante no trabalho de Jameson. O de
Carchedi revela sugestões dellavolpianas. Mas, ao mesmo tempo, a própria
distribuição desses autores alude ao fato mais importante de que o padrão
geográfico da teoria marxista foi profundamente alterado na década passada.
Hoje, os centros predominantes de produção intelectual parecem residir no mundo
de língua inglesa, mais do que na Europa germânica ou latina, como fora o caso
respectivo dos períodos de entre guerras e pós-guerra. (entrada pela
historiografia)
Esse
não teve como objetivo analisar o marxismo ocidental, tendo muito mais um
caráter informativo. Entender a crise do marxismo, a necessidade de retomada do
marxismo-leninismo não é de forma alguma fechar os olhos sectariamente para os
movimentos gerais do legado marxista, mesmo que estes se enveredem, em sua
maioria, por uma direção no mínimo estranha. Maiores análises sobre a temática
foram feitas em nossos estudos sobre o chamado pós-marxismo e suas origens
(aqui, por exemplo: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/06/resenha-do-livro-do-marxismo-ao-pos_06.html). Importante frisar por final que essa guinada para as ciências apontada
por Perry Anderson acabou novamente se revertendo, e a filosofia tem se tornado
novamente central no solo do marxismo do ocidente.
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