[Augusto Machado]
Cena do filme Matrix: pode a esquerda manter-se na tensão "conscientização x alienação"? |
Para renovar o marxismo em nosso país, num período de tanta confusão e
derrotas, é preciso avaliar os elementos que formaram nossa tradição e seus
respectivos efeitos políticos.
Desde a segunda metade do século XX em nosso país se formou e continua a
vigorar, de maneira muito significativa, para não dizer majoritária, uma certa
tradição de pensamento e prática política que pretende se relacionar com o
marxismo. Chamaremos aqui essa tradição de “crítica”, que é marcada por um
paradigma peculiar, que analisaremos mais a seguir. Entendemos que boa parte
dos descaminhos da esquerda (ver mais sobre: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/12/breve-reflexao-sobre-os-descaminhos.html)
estão embasados nessa tradição.
Essa teoria e política “crítica” pode ser analisada por diversos ângulos
e não é um objeto tão homogêneo. Porém, é comum ao falarmos tal palavra nos
círculos de esquerda, na academia, na imprensa, uma certa “imagem” vir a
cabeça. Ela se opõe ao tradicional, ao conservador, ao positivismo, ao
reacionário e outras tantas coisas. Tentaremos aqui traçar essa identidade.
Essa tradição crítica, segundo alguns pensadores como Safatle (ver
palestra: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/09/ascensao-conservadora-no-brasil.html),
foi hegemônico culturalmente durante um longo período nas últimas décadas em
nosso país. A geração atual teria crescido nela: faz parte realmente do nosso
imaginário, e também dos jovens, ideias como alienação, totalidade, “crítica
social”, conscientização – aliás, boa parte da esquerda só consegue pensar e
agir nesse terreno. E essa hegemonia (se tornando modismo vazio, muitas vezes),
que no fundo, era uma hegemonia do pensamento “de esquerda”, tendo o marxismo
como importante elemento, vem perdendo força e lugar para uma ofensiva
conservadora/reacionária que cada vez mais avança no terreno cultural, tendo
como um dos agentes principais a (“nova”) classe média.
Por essa linha estar falhando e abrindo espaço para a reação, devemos
entendê-la mais ainda, a fim de superá-la. Aqui até se encaixa o ditado já
debatido por nós (aqui: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/05/o-que-nao-avanca-retrocede.html): o
que não avança, retrocede, pois foi das falhas internas e por “perder o
momento” de conduzir o trem da história que esse modelo de “esquerda”
contribuiu abrir espaço para o inimigo (re)tomar terreno.
Limites do criticismo: ou uma esquerda afogada no liberalismo
O criticismo (tradição crítica), qualquer que seja ela, apela para a
consciência dotada de autonomia, de possibilidade de avaliação e escolha
objetiva, para o indivíduo constituído de luzes e há muito afastado das trevas
do obscurantismo, do dogmatismo e se encontra sob a égide da razão e da
maturidade do homem.
No caso da esquerda “crítica”, obviamente, esta razão está do lado
oposto do capitalismo, da direita etc., então viria diretamente da
conscientização a emancipação dos trabalhadores e a superação do
capitalismo. A função da vanguarda é servir de consciência do sujeito da
história (exemplo Lukács), ou, mediar conjuntamente a construção dessa
consciência (exemplo, Freire, no Brasil). No fundo, o problema da luta de
classes é quase moral: a tomada de consciência de indivíduos comprometidos com
uma ação ética no mundo segundo máximas abstratas. Aqui se firma uma visão
idealista da luta de classes como corrida das classes pela luz do conhecimento
da totalidade da realidade e o comunismo como, dizia Althusser em
"Marxismo como teoria finita", uma "imagem paradisíaca" de
total transparência para os indivíduos, total esclarecimento, de sujeitos de
consciência totais.
É visível que esse modelo é muito mais uma radicalização do
humanismo-iluminismo-racionalismo (ideologia puramente burguesa, de tipo
liberal) do que marxismo. O marxismo rompe com as correntes socialistas
pré-modernas (muitas anarquistas) e modernas. Aquelas são reacionárias ou
idílicas por seu caráter não-progressista. Enquanto as últimas se firmam a
partir de uma radicalização da política burguesa, formando um excesso
aparentemente antagônico. Eis a farsa que vem depois da tragédia, anunciada por
Marx.
A modernidade capitalista toma o processo de esclarecimento (crítica) e
domínio sobre a natureza como centrais em sua ideologia. Deles depende todo o
arcabouço moral, ético, político, econômico etc. do liberalismo. Se, à época
das revoluções burguesas, a burguesia precisava deste viés para derrubar os
ranços feudais, e por isso, foi em grande parte progressista, hoje o status quo
se fundamenta desses elementos ideológicos.
Sendo assim, o proletariado e as massas trabalhadoras e progressistas,
na luta de classes, combatem, a favor do socialismo, o ideário burguês moderno.
Para superar o modo de produção capitalista, precisam se livrar do arcabouço
liberal (ideológico) que o fundamenta: noções de indivíduo, consciência, razão,
liberdade etc.
Esse é um ponto polêmico. Não se quer defender um ponto de vista
genealógico e totalmente contingente de que não há continuidades na história
(entre os fenômenos revolução burguesa e revolução proletária, por exemplo).
Mas se quer frisar de que não é dialética a visão de que o proletariado vem
“realizar” os ideias do renascimento e do iluminismo, “corrompidos” pela
burguesia. Seria não compreender a relação entre ideologia, classes sociais e
luta de classes na história e abraçar uma “razão/finalidade” histórica abstrata,
da qual, rejeitamos por completo.
Várias correntes marxistas, sobretudo as ocidentais (Lukacs,
frankfurtianos, mais destacados) se fundamentam em pressupostos modernos e
visam a radicalização da modernidade, denunciando a irracionalidade capitalista
e da racionalidade instrumental e apelando para a “consciência/razão crítica”,
cada um com suas formas. Podemos encontrar também no marxismo mais tradicional
tal tendência. Mas acreditamos que neste último se justifica muito mais como
discurso político, didático e de agitação do que um paradigma mais
profundamente arraigado.
O apelo à razão e à consciência dessa tradição crítica, que podemos
chamar de política racionalista[1], é uma política que
não vê classes no processo produtivo: mas sujeitos históricos a cumprir uma
escatologia; não leva em consideração fatores que não sejam “racionais”; vê o
primado das ideias e das motivações dos indivíduos empíricos; busca uma
consciência “total” da realidade etc.
O que impediria, segundo a visão crítica, o sujeito “saber” de sua
função histórica é a ideologia, a falsa consciência (advinda do fetichismo da
mercadoria, no caso do capitalismo), pois esta impede de “ver” a
totalidade[2]. Logo, a ideologia é o não saber, a
ignorância, a passividade, ou a distorção do real não acessível, a parte ainda
obscura das ideias que a crítica/esclarecimento deve irromper em razão e luz.
Só esclarecida essa sombra, estaria resolvido o enigma da história: o Espírito
enfim termina sua trajetória, pois toma por completo consciência de si e age
sobre o mundo – este a sua imagem e semelhança.
A fragilidade desse paradigma é nítida nos tempos de hoje. A crença de
que ao “esclarecer”, pelas ideias, num jogo de demonstração de justificativas e
argumentos (desalienar/esclarecer) é o suficiente para a quebra do encanto
ideológico e a ação sobre o mundo, é cada vez mais ingênua, e a esquerda que
ainda apela a essas modelo tende a se isolar, ser caricaturada e acabar
culpando as massas por serem “alienadas”.
Que fazer? Há alternativas desse modelo?
Elementos para a superação: por uma nova teoria da ideologia
A renovação da teoria da ideologia no seio do marxismo que escape do
paradigma “crítico”, ou seja, da ideologia burguesa, faz-se necessário e já
encontra em andamento há muito. Aqui usaremos as contribuições de Althusser
(AIE) e algumas das sistematizações de Safatle. Os dois de alguma forma se
utilizando da psicanálise.
Para Althusser, em linhas gerais, é uma total incompreensão da luta de
classes achar que um sujeito precisa ser “iluminado” (tomar consciência, no
caso, de classe) para que este se integre ativamente em uma classe e lute
(“faça” a história), como quer o liberalismo travestido de marxismo. A luta de
classes é anterior a qualquer forma mais organizada e esclarecida de classe,
ela acontece em formas das mais simples e escondidas. As classes pressupõem uma
luta (processo objetivo de relações de produção), e não o contrário - classes
(aqui, sujeitos) são uma possibilidade de luta.
Se, para a teoria crítica, a ideologia é o oposto da realidade (sua
inversão ou fragmentação), aquilo que corrompe a consciência da totalidade e
por isso merece ser "varrida", em Althusser encontramos a ideologia
como transhistórica (ver também: http://www.cchla.ufrn.br/alipiosousa/index_arquivos/ARTIGOS%20ACADEMICOS/ARTIGOS_PDF/Ideologia%20e%20transgressao.pdf).
Nesse sentido, sendo a ideologia um modo de sujeição/subjetivação numa formação
social, some-se o risco de uma política que busca total clareza dos indivíduos
empíricos envolvidos, no esclarecimento como fator central, e o comunismo como
realização da razão.
Outro diferencial em Althusser é também a tese de que a ideologia se
firma a partir de práticas, dentro de aparelhos/instituições, muito anteriores
ao convencimento/alienação de ordem mental nos indivíduos. Repetindo Pascal:
"Ajoelhai-vos, orai e acrediteis". A base principal da ideologia é a
das práticas, em “instituições”, em rituais, em disciplina corporal, e não as
ideias/consciência num espaço intersubjetivo, argumentativo.
A renovação da teoria da ideologia de Althusser chegou de maneira
variada nos dias de hoje. Safatle, em sua forma peculiar, é um autor
contemporâneo que tenta sistematizar contribuições de várias tradições para os
desafios atuais. Mesmo se alinhando com muitos autores do paradigma
“racionalista”, ele ataca duramente a efetividade da corrente lukacsiana, com
sua noção de reificação, falsa consciência etc., para hoje.
Usando a teoria psicanalítica, sobretudo o que diz respeito à
personalidade perversa e ao fetichismo, Safatle (Fetichismo, Civilização
Brasileira, 2010) tenta construir a possibilidade de compreender uma
consciência no capitalismo não tão simplista como a racionalista. Ou seja, uma
subjetividade cuja ação não provém da pura tomada de consciência da totalidade
fragmentada pelas práticas sociais alienadas, pois este saber seria “inútil”
frente a uma crença mais arraigada. Se referindo a limitação lukacsiana e de
seu erro na interpretação d’O Capital, Safatle tenta compreender exatamente o
sentido do fetichismo da mercadoria em Marx e seus efeitos ideológicos:
[...] a partir de um certo ponto, talvez haja algo no conceito de fetichismo em Marx que a temática da reificação não consegue apreender. Esse ponto de ruptura refere-se ao modo de articulação entre crença e saber no interior do fetichismo. Em alguns momentos importante de seu texto, Marx indica situações nas quais o saber da consciência é estruturalmente distinto da crença que suporta o seu agir; situações em que o saber é, de uma certa forma, impotente diante da crença. Nesses momentos, ele parece procurar, através do fetichismo, descrever o mecanismo de uma certa “ilusão vivenciada como necessária” que não passa pela incapacidade da consciência de apreender a totalidade. Como se compreender modos de alienação determinados pelo fetichismo só fosse possível à condição de entendermos como sujeitos agem a despeito daquilo que, de certa forma, sabem.
A seguir Safatle cita um trecho d’o Capital onde Marx demonstra que a
descoberta científica da teoria do valor em nada muda névoa ideológica das
práticas sociais. Novamente, não é o esclarecimento ou um estado mental que é o
determinante.
Esse quadro caberia como luva para a nova forma de agir da ideologia,
que Safatle chama junto com Sloterdijk de reflexiva, falsa consciência
esclarecida, ou cínica[3], típica do "fim da
história" proclamado hoje[4]. Haveria uma falência
da crítica, desse apelo racionalista, por estar inaugurada a era do cinismo e
pelo fato de o saber (razão/consciência) fosse insuficiência para quebra da
magia da ideologia. Logo também insuficiente para uma prática política
revolucionária. Podemos arriscar aqui que a primazia da prática e a
materialidade da ideologia, teses de Althusser, são justificativas
complementares a essa visão, já que desloca-se, na teoria da ideologia, do sujeito racional e voluntário,
mais ou menos "inconsciente", e começa a perceber práticas
anteriores, mais fortes e independentes do estado mental dos sujeitos. A crença
está do lado da prática, assim como o saber da consciência. E no caso das
práticas sociais, dentre elas a política, a crença é o mais relevante já que
possui um solo material e objetivo e diz mais respeito a situação da luta de
classes numa formação social. Interesse resumo de Ramos (Consumismo e Gozo,
revista Psicologia USP) que também cabe aqui: “a ideologia [hoje] perde a razão
(mente/ideia) e alcança o corpo (matéria)”. A existência material da ideologia
é cada vez mais profunda e importante, e sua visão meramente mental e racional, ingênua.
Se o marxismo supera a tradição crítica e seu ideário de racionalista e
liberal de alienação/conscientização, pois substitui os sujeitos de uma
teleologia por processos produtivos e de luta de classes, então devemos
rechaçar a limitada visão que a esquerda hoje tem da ideologia. Devemos hoje em
muitos casos atualizar o “eles não sabem, mas o fazem” de Marx, que é
interpretado pela crítica como ausência de esclarecimento, para “eles sabem,
mesmo assim/por isso mesmo o fazem”, já que a configuração ideológica e a luta
de classes é mais complexa do que as bases teóricas do liberalismo podem
abrangem, cujo fator principal não é o esclarecimento de uma suposta tarefa
transcendental ou não.
A construção de uma política não-racionalista no fundo é livrar-se de
vícios reformistas ("o povo está alienado ainda") e esquerdistas ("somos
a consciência histórica") que ela gera. A compreensão de que a luta de
classe está aqui/já, acontece, em todos os cantos e momentos, e são nas práticas
(materiais) ideológicas que as subjetividades são construídas, possibilita uma
militância que perceba a importância de construir práticas contra-hegemônicas
menos embasadas na "conscientização" e mais na sistematização de uma
nova cultura popular e revolucionária a partir de/nos aparatos ideológicos e
não tanto na "consciência/razão" individual. Não tenhamos o medo fetichizado de "alienar" os sujeitos, esperar sua autonomia no sentido individual, mental e abstrato, pois assim estaremos anos-luz do inimigo. Na política não vence aquele que está do lado da razão, mas sim da força.
[1] Nos referimos à modalidade de
política racionalista em nosso ensaio sobre o anarquismo (aqui: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/03/o-caminho-do-inferno-e-pavimentado-de.html),
tomando emprestado a caracterização da posição de Trotski após os julgamentos
de Moscou, dada por Merleau-Ponty, em Humanismo e Terror -
ensaio sobre o problema comunista (Tempo Brasileiro, 1968). Para o autor, o
apelo desesperado de Trostki, após ter sido cortado do partido, da URSS, e por
conseguinte da história, toma contornos ridículos que contradiz o próprio
revolucionário na época anterior a Stalin. Se antes, Trotski era um dos mais
impiedosos defensores de um socialismo de viés militarista (vide polêmicas com
Lenin, sobre sindicato etc.), não tendo medo de defender a violência
revolucionária e as faces muitas vezes arbitrária da história, este, depois de
que ele próprio foi vitimado pela sua arma, tende a se firmar como um político
racionalista, que não vê a história em sua situação concreta, dada, mas
especular (“consciência revolucionária abstrata”), em seus inúmeros
denuncismos, possibilidades e escolhas irreais no momento – a teoria da
revolução permanente é um dos exemplos mais claros de seu lunático (idealista)
racionalismo. Ou seja, basear-se na razão, contra a ambiguidade da história e
dos homens presentes que conspiraram contra ele, e firmar-se como posição certa
(por estar do lado da razão). Trotski, em seus piores textos, afirma Ponty, não
quer ver os caminhos da revolução como um movimento objetivo, mas feita pela
vontade de homens.
Ponty afirma nas páginas 96 a 100 de seu livro:
"Mas se as circunstâncias eram tais que a oposição desorganiza a
produção, se o prazo concebido à URSS para construir a sua indústria era curto
demais para que ela possa fazê-lo sem coação? Se no contexto da obra
empreendida a política “humana” era impraticável e o terror somente possível?
Se o dilema Zinoviev e Kamenev – obedecer ou comandar, - exprimia as exigências
da fase presente? Se a terceira solução de Trotski estava em princípio excluída
pela situação? Ela o foi de fato e Trotski foi banido. Nesse momento ele cessa
de pensar “em situação”. Vê-se predominar nele um elemento de racionalismo e de
moralidade kantiana que se exprime literalmente numa frase da Oposição:
“Brincar de esconde-esconde com a revolução, astuciar com as classes sociais,
fazer diplomacia com a história é absurdo e criminoso... Zinoviev e Kamenev
tombam por não ter observado a única regra válida: “faças o que deves, aconteça
o que acontecer””. [...] essa visão imediata do futuro ou esse
afrontamento da morte que são o equivalente existencial do racionalismo. [...]
Não censuramos, pois, Trotski de ter em seu tempo usado de violência, mas de
esquecê-la, e de retomar, contra uma ditadura que ele sofre, os argumentos do
humanismo formal que lhe pareceram falsos quando dirigidos à ditadura que ele
exercia."
[2] "Ao se relacionar a
consciência com a totalidade da sociedade, torna-se possível reconhecer os
pensamentos e os sentimentos que os homens teriam tido numa determinada
situação da vida, se tivessem sido capazes de compreender perfeitamente essa
situação e os interesses dela decorrentes, tanto em relação à ação imediata
quanto em relação à estrutura de toda a sociedade conforme esses
interesses." Lukacs citado por Safatle (Fetichismo. Civilização
Brasileira, 2010, p. 128). Um economista liberal ou clássico poderia muito bem
ter falado isso, ao se referir ao comportamento humano no mercado! Percebemos a
ausência das classes sociais, das massas, do modo de produção etc., para ver
surgir o indivíduo, a consciência, o saber/ignorância, como bases para a ação,
logo bases da prática social.
[3] "A “razão cínica” como
concepção da ideologia contemporânea pressupõe que a ideologia perdeu seu
componente de falsidade, havendo “consciência” da falsa consciência e uma
adesão que, por esse princípio, pode-se entender como “voluntária” e, por isso
mesmo, cínica." (CONRADO RAMOS, Consumismo e Gozo, Psicologia USP, 2008,
p. 203). Seria o "eu sei que o sistema é injusto, mas fazer o que?" A
própria ideologia já expõe a realidade e suas contradições, mas desarma o
sujeito com a ausência de alternativa histórica e o afoga num
hedonismo narcísico de "realizar o seu potencial" e esquecer
transformações estruturais.
[4] “[...] não se trata de uma
compreensão pragmática pautada pela “razão cínica”, pela qual o indivíduo
“sabe” da ideologia e a vive mesmo assim, assumidamente, como se diante da
inverdade que ela implica não houvesse mais o que fazer a não ser gozar, como for
possível, de sua falsidade. Trata-se de compreender esse cinismo como a própria
ideologia, ou seja, o problema da razão cínica não é “saber” que “tudo é
ideologia”, mas achar que não há outra realidade possível. A razão cínica não é
uma saída para a ideologia, apontando para um mundo “pós-ideológico”, mas é a
expressão mais exemplar da ideologia contemporânea.” (CONRADO RAMOS,
Consumismo e Gozo, Psicologia USP, 2008, p. 202)
Voltemos então para a era das trevas e do voluntarismo/irracionalismo típica da era stalinista, aliás só um esclarecimento em toda a obra de Marx ela afirma a necessidade do planejamneto consciente no socialismo, e vc escreve todo um texto em louvor a um irracionalismo.
ResponderExcluir"Se o marxismo supera a tradição crítica e seu ideário de racionalista e liberal de alienação/conscientização, pois substitui os sujeitos de uma teleologia por processos produtivos e de luta de classes, então devemos rechaçar a limitada visão que a esquerda hoje tem da ideologia"
Só lhe lembro de uma frase de Engels que anula sua afirmação falsa sobre o marxismo:
" A história não faz nada." E só uma lembrança para vc no Capital Marx ainda se utiliza do conceito de Alienção.
"A construção de uma política não-racionalista no fundo é livrar-se de vícios reformistas ("o povo está alienado ainda") e esquerdistas ("somos a consciência histórica") que ela gera. A compreensão de que a luta de classe está aqui/já, acontece, em todos os cantos e momentos, e são nas práticas (materiais) ideológicas que as subjetividades são construídas, possibilita uma militância que perceba a importância de construir práticas contra-hegemônicas menos embasadas na "conscientização" e mais na sistematização de uma nova cultura popular e revolucionária a partir de/nos aparatos ideológicos e não tanto na "consciência/razão" individual."
E em qual obra de Lukács ele reduz a razão ou a consciência a um fenõmeno individual?? Que eu saiba a razão e seu oposto o irracionalismo é um fenômeno social/coletivo.
"A renovação da teoria da ideologia de Althusser chegou de maneira variada nos dias de hoje. Safatle, em sua forma peculiar, é um autor contemporâneo que tenta sistematizar contribuições de várias tradições para os desafios atuais. Mesmo se alinhando com muitos autores do paradigma “racionalista”, ele ataca duramente a efetividade da corrente lukacsiana, com sua noção de reificação, falsa consciência etc., para hoje."
Eu não sabia que Lukács o conceito de Ideologia era interpretado com falsa consciência, vamos na fonte original?
"Se agora e mais tarde falarmos de ideologias em contextos mais amplos, estas não devem ser entendidas no enganoso uso atual da palavra (como uma consciência antecipadamente falsa da realidade), mas, assim como Marx as determinou no prefácio de Para a crítica da economia política, como formas 'nas quais os seres humanos se conscientizam desse conflito' (isto é, daquele que emerge dos fundamentos do ser social)'e o combatem'. Prolegômenos para uma ontologia do ser social.
Se vê que Lukács combate justamente essa noção de Ideologia que vc afirma erroneamente que seria uma proposição dele.
Espero que seja publicado essa mensagem.
Bem camarada você traz muitas questões, de ordens variadas. Sem dúvida, é efeito do nosso texto que, de maneira mais ou menos assistemática, aponta muitas percepções sem tempo para aprofundamento. Tentaremos responder tuas provocações.
ResponderExcluirAntes de tudo, o texto tem como objetivo se somar a outros textos do blog que impõem uma polêmica ao humanismo e aos “marxismos” que seguem sua trilha. Pontos colocados por você podem ser respondidos também através de outros textos como “Crise do capital espectral, crise do capitalismo: análise do filme Inside Job e reflexões sobre o papel do indivíduo na história e a atual crise”, “As classes sociais na teoria marxista”. Além disso se esse texto tenta se inser em uma tradição de autores que hoje são hostilizados na academia e na política pelos trotskistas e euro-comunistas e reformistas/revisionistas de todas os tipos.
Agora, vamos a suas questões:
1- Em nenhum momento defendemos o irracionalismo. Esse é um típico desespero lukacsiano, visível no Brasil pela ridícula obra de Coutinho contra o que ele chama de estruturalismo. Afirmamos a necessidade de superação do racionalismo burguês. A revolução cultural proletária consolidará novos paradigmas de pensamento e ação, mas esse já devem estar presentes em sua ideologia desde o início, em estado embrionário. Lembre-se que a planificação da economia ainda carrega traços do direito burguês, como afirmava Lenin e Marx, é apenas um passo para a superação da lei do valor. A “irracionalidade” do mercado critricada pelos clássicos do marxismo em nada se assemelha, ao nosso ver, com uma bandeira a favor do iluminismo e de outros fantasmas ideológicos da modernidade.
2- O seu dogmatismo é equívoco. Tentar rebater-nos com frases de Marx/Engels como autoridades em si em nada ajudam a construção do marxismo. Aliás é bem como dos “marxianos” a exegese dos escritos clássicos como alma do marxismo, e não a análise concreta da realidade concreta. Engels apresenta em muitos pontos fraquezas teóricas, comuns ao pouco desenvolvimento do materialismo histórico à época. Veja a crítica de Althusser a sua carta a Bloch, em Pour Marx. Sobre Marx utilizar o termo alineção no capital, é compreensível já que toda nova ciência ainda se utiliza se velhos termos (formas velhas com conteúdos novos) até criar sua própria linguagem. Veja essas questões também aqui: http://bradocomunista.blogspot.com.br/2012/10/dialetica-e-marxismo.html
3- A razão em Lukacs é um revestimento hegeliano. Esse social/coletivo, presente na sua teoria da ideologia/reificação, compartilhada por tantos outros, que você aponta, nada mais é que o Logos (e sua dialética) feito história. O materialismo aqui é entendido como inversão de termos de Hegel, mudança somente de primazia. Ainda permanece na problemática de uma escatologia. O proletariado é o sujeito/objeto da história em Lukacs, lembre-se. Mesmo em sua citação o problema da revolução ainda problema “moral”, de tomada de consciência coletiva, mais propriamente de um Sujeito escolhido, pronto para agir no mundo e “realizar” as finalidades da história.
Esperamos ter esclarecido mais nossos pontos.
A grande questão não é de uma não aceitação da tradição teórica de Lukács, vcs escreveram algo que está errado, ponto, se vcs acham ou não pertinente a teoria dele não está em discussão o que está em discussão é: vcs afirmaram que o conceito de ideologia em Lukács se ruduz a uma "falsa consciência" isso é uma mentira ponto final.
ExcluirSobre a questão Engels, agora ele cometeu equívocos?? No que se refere a dialética da natureza ele não cometeu estou certo?? Agora nem teoricamente nem na práxis essa teleologia da história encontra eco algum, aliás o próprio Marx afirma que a história é produzida pelos homens não ao seu bel-prazer tendo como ponto de partida o que foi relegado pelas gerações passadas, portanto nem em Engels nem Marx se encontra algo que confirme seus escritos. Sobre a práxis não presiso nem comentar...
Não afirmamos que o conceito de ideologia em Lukács é restrita à noção de falsa consciência. Isso pouco importa aqui. O importante é identificar em qual problemática ele se encontra de modo geral. A sua citação de Lukács não muda a posição do mesmo na polêmica.
ExcluirPercebeu-se que não levou em consideração nossas indicações complementares. Nossas indicações falam por si só no combate das "filosofias da práxis" provindas do humanismo-historicismo. Caso queira continuar um debate mais aprofundado, estamos dispostos!
Sobre Lukács, sugiro um texto:
ResponderExcluirhttp://iglusubversivo.wordpress.com/2012/07/13/efeitos-especiais-de-georg-lukacs/
Camarada, sobre o texto já havíamos comentado rapidamente os seguintes pontos:
ResponderExcluir- Lukacs em juventude foi um esquerdista, como bem apontado, de formação filosófica em grande parte não-marxista (aluno de Weber, forte influencia hegeliana, historicista etc., veja História e...). Na maturidade, as famosas auto-críticas que o teriam convertido ao leninismo, politica e teoricamente, não convencem tanto. O projeto teórico maior de Lukacs é a construção de uma 'Ética' (onde sua 'Ontologia' estaria presente), algo completamente estranho ao verdadeiro materialismo dialético. A "distância" que tomou de Hegel é muito superficial (logo a inversão de sua dialética também), e o pensador continua a produzir filosofia da maneira clássica ("produção de filosofia enquanto filosofia", como dizia Althusser).
- A entrada de Lukacs no Brasil se deu conjuntamente com grande parte do marxismo ocidental, entendido aqui como alternativa ao leninismo. Um exemplo é o eurocomunista Coutinho (hoje PSOL), um dos nomes de estudiosos tanto de Gramsci quanto de Lukacs. Engraçado é ver que hoje em nosso país todos veem em Lukacs/Meszáros e seus seguidores uma "grande leitura" para o marxismo contemporâneo, coisa não tão comum nos países do norte. Até trotskistas buscam em sua ontologia uma reformulação teórica.