sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Breve reflexão sobre os descaminhos teórico-ideológicos da esquerda brasileira atual


[Augusto Machado]


Só há a alternativa da esquerda
     majoritária?
A morte do marxista Carlos Nelson Coutinho em setembro tem reanimado, pelo menos nos poucos núcleos de discussão sincera e sobrevivente do movimento comunista brasileiro, discussões sobre tática e estratégia revolucionária advindas das diversas correntes marxistas. Como se sabe, Coutinho foi o grande mestre do eurocomunismo em nosso país, bastião da "democracia como valor universal", rechaçando assim o marxismo-leninismo. Tentaremos, com objetivo de realizar uma pequena contribuição a esse debate, analisar alguns impactos políticos do marxismo ocidental (sobretudo a interpretação de Gramsci feita pela esquerda brasileira) e sua importância na consolidação da linha majoritária da esquerda hoje "no poder".

A compreensão do atual momento histórico político que vivenciamos na esquerda brasileira e nos seus movimentos perpassa pela compreensão do constructo teórico-ideológico no qual a linha atualmente majoritária se embasa. E uma grande referência que se constituiu nesse cenário, que influenciará de maneira determinante no âmbito político, é o pensamento do italiano Antônio Gramsci (1891-1937), mais propriamente, a utilização deste para a renovação da social-democracia/reformismo com o chamado eurocomunismo e seus posteriores e respectivos desdobramentos.

Segundo Coutinho (2009), a presença de Gramsci no Brasil se firmou após dois ciclos: um primeiro nas décadas de 50-60, onde, juntamente com outros expoentes do marxismo ocidental, começa o pensador começa a ser publicado e estudo, iniciando o que seria o fim do monopólio dos manuais soviéticos “marxistas-leninistas” impostos pelo PCB; um segundo, iniciado na década de 70-80 e marcado por uma interpretação mais radical do autor que se torna o então “maior teórico político marxista” em nosso país (p. 40). A partir desse momento o gramscianismo, ou pelo menos uma certa interpretação de Gramsci, torna-se majoritário no campo da esquerda, rompendo com as ortodoxias marxistas até então vigentes, tanto político quanto teórico, e influencia de maneira cabal a criação do PT, maior movimento da classe desde de a fragmentação do PC, que envolvia diversos intelectuais da academia, como o próprio Coutinho, cujo último partido foi o PSOL.

Tal campo da esquerda, que tem o PT como pólo aglutinador ou inspirador (vide os passos dados pela atual "oposição de esquerda"), é caracterizado por uma grande confiança nas disputas eleitorais liberais do estado capitalista para a conquista da “hegemonia” e construção de um bloco histórico ou popular. Toledo (1994, p. 28) comenta que 
para significativos setores da esquerda [dos quais estamos nos referindo], a defesa da democracia não deve ter mais um valor tático, mas adquirir um valor estratégico, um valor em si mesmo. Numa formulação que tem o mérito da clareza e da polêmica, um qualificado intelectual e dirigente político do Partido dos Trabalhadores sintetizou o compromisso de setores da esquerda brasileira com a democracia: " (...) a democracia política é um fim em si. Um valor estratégico e permanente. Se esta tese é social- democrata, paciência. Sejamos social-democratas''
E, sendo assim

a democracia nas sociedades modernas teria perdido sua (outrora) natureza classista. Seria, pois, um anacronismo denominar a democracia política (moderna) de burguesa, nem faria sentido os trabalhadores lutarem pela realização de uma democracia operária. Se esses conceitos, nos primórdios do capitalismo, tiveram algum valor explicativo, atualmente estariam destituídos de qualquer sentido teórico e político. (p. 29)

Um forte motivo (usado como luva para os reformista) para tal influência gramsciniana são os longos e profícuos escritos de Gramsci sobre a superestrutura e o Estado “Ocidental”, envolvendo aspectos culturais e sua importância para processos de constituição e transição social, utilizados como justificativa teórica para a “modernização” da esquerda, no caso, brasileira. Nessa esquerda modernizada pouco haveria espaço para uma noção de “ruptura política revolucionária” (p. 37), já que a transição para o socialismo seria uma mudança gradual e quantitativa de modificação da dominação burguesa que hoje se dá por meios consensuais, e não mais pela centralidade da violência (coerção de classe).

Da mesma forma, Gramsci se fez presente e influenciou também a perspectiva educacionista condizente com o discurso dessa esquerda modernizante, reformista e cidadã:

“[..] a particular concepção revolucionária de Gramsci, que privilegiava a ‘guerra de posições’ (guerra ideológica e de convencimento) à ‘guerra de movimentos’ (guerrilhas e golpes de Estado), se adequava cada vez melhor às esquerdas brasileiras que abandonavam, a partir de meados dos anos 70, a experiência das guerrilhas urbanas e rurais. Mais ainda: Gramsci se apresentava aos pedagogos com uma imagem de marxista moderno, um mártir do fascismo, um educador humanista, terno com os seus entes queridos, compreensivo e solidário com os amigos. (Nosella apud HANFFAS, 2006, p. 95)

Em nosso país, tal influência gramsciniana ganhou um novo patamar desde a chegada do PT e seu bloco aliado ao governo central do país com a eleição de Luís Inácio Lula da Sila (2002) e com este também entidades e organizações hegemônicas de vários setores da “sociedade civil” como CUT, UNE, MST. Para muitos foi a comprovação prática do que era formulado no nível da teoria: a possibilidade de mudanças respeitando as regras do jogo (um operário do poder etc.). A participação da sociedade civil organizada (aqui formada por setores de apoio do governo), realidade já prevista na Constituição de 88, se tornou parte integrante para formulação de políticas públicas, o novo jargão dos reformistas.

Inaugurou-se o céu para os reformistas e cretinos do movimento da classe. Desde então, como sabemos, o pragmatismo é a bola da vez, a revolução sonho lunático e arriscado, enquanto se mantem a ilusão de um suposto progressismo, quando na verdade a servidão ao imperialismo é cada vez mais velada e, assim, eficaz.

Viu-se que o PT, símbolo de nossa da esquerda pós-reabertura política no país, e os movimentos e aliados que o comporam, possuem forças e correntes internas fortemente influenciadas por interpretações de Gramsci e outros nomes da "renovação ocidental" do socialismo. A linha estratégica dessa esquerda no poder não consegue a "efetividade" de seu programa estratégico (esperada talvez só por ingênuos) e acaba se revertendo no cumprimento de tarefas do grande capital, principalmente controlando as organizações da classe, abandonando de vez qualquer resquício revolucionário já negado no campo teórico e ideológico - ou melhor: maquiado, com os nomes de marxismo e socialismo, tática usada pelas classes dominantes há muito.

Muitos pontos foram deixados de lado, mas pretendemos retomá-los em breve. Fica nítida, no entanto, a necessidade de superação teórico-ideológica mas sobretudo política desse caminho que tem servido tão bem aos inimigos da classe trabalhadora por passar tão longe da construção revolucionária em nosso país. E essa é uma das formas fundamentais como a crise do marxismo tem atingido nosso país. A retomada não-dogmática do marxismo-leninismo, acreditamos, é a única via de fazer a página virar, para o nosso lado. Isso muitos militantes já o sabem. Porém, nossa teoria e prática tem se diferenciado do projeto petista, que hoje apodrece, e sua lógica de atuação? E quando se diferencia, o quanto estamos nos distanciando da realidade, refundando anacronismo?

O debate ainda fica, aqui, por ser feito.
Referências

COUTINHO, Carlos Nelson. A Presença de Gramsci no Brasil. In: Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea. Rio de Janeiro: UERJ, n. 22, 2009. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view/50/49

HANDFAS, Anita. Uma leitura das pesquisas sobre as mudanças nas condições capitalistas de produção e a educação do trabalhador. Tese de doutorado. 2006. Disponível em: marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/08/Anita-Handfas.pdf

TOLEDO, Caio Navarro de. A modernidade democrática da esquerda: adeus à revolução? Crítica Marxista, São Paulo, v.1, n.1, p. 27-38. 1994. Disponível em: www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/CM_1.3.pdf

Um comentário:

  1. Muito bom texto, companheiros! E qual seria nossa alternativa? Estou lendo dos seus textos e costurando aqui minhas idéias. Abraços. ANÁLISE DA CONJUNTURA www.analisedaconjuntura.blogspot.com

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